9 de jul. de 2014

Cúpula do BRICS: sementes de uma nova arquitetura financeira

Ariel Noyola Rodríguez*, Vermelho, 2 de julho de 2014

Um dia após o fim da Copa do Mundo no Brasil, terá início a 6ª Cúpula do BRICS (sigla do grupo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Fortaleza e Brasília serão as cidades anfitriãs do encontro, que será realizado em 14, 15 e 16 de julho, para assentar, finalmente, uma arquitetura financeira de novo cunho, com o slogan: “Crescimento inclusivo e soluções sustentáveis.”

O Brics tomará distância do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições edificadas há sete décadas, na órbita do Departamento do Tesouro estadunidense.

À diferença das iniciativas de regionalização financeira asiática e sul-americana, os países do agrupamento BRICS, ao não comporem um espaço geográfico comum, ao mesmo tempo em que estão menos sujeitos a sofrer simultaneamente as turbulências financeiras, incrementam a efetividade dos seus instrumentos defensivos.

Um fundo de estabilização monetária denominado Acordo de Reservas de Contingência (CRA, do inglês “Contingent Reserve Arrangement”) e um banco de desenvolvimento chamado Banco Brics exercerão funções de mecanismo multilateral de apoio às balanças de pagamentos e fundo de financiamento ao investimento.

De fato, o BRICS tomará distância do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições edificadas há sete décadas, na órbita do Departamento do Tesouro estadunidense. Em meio à crise, ambas as iniciativas abrem espaços de cooperação financeira frente à volatilidade do dólar e alternativas de financiamento para países em situação crítica, sem submeter-se às condicionalidades impostas através de programas de ajuste estrutural e reconversão econômica.

Como consequência da crescente desaceleração econômica mundial, tornou-se mais complicado para os países do BRICS alcançar taxas de crescimento acima dos 5%. A queda sustentada do preço das matérias primas para uso industrial, derivada da menor demanda do continente asiático, e o retorno de capitais de curto prazo para Wall Street tiveram impacto negativo sobre o comércio exterior e os tipos de câmbio.

À exceção da ligeira apreciação do yuan chinês, as moedas dos países do BRICS perderam desde 8,8 (caso das rúpias indianas) a 16 (caso dos rands sul-africanos) pontos percentuais frente ao dólar entre maio de 2013 e junho deste ano. Neste sentido, o CRA BRICS – dotado de um montante de US$ 100 bilhões anunciado em março de 2013, com aportes da China em US$ 41 bilhões; do Brasil, Índia e Rússia, em US$ 18 bilhões cada um; e da África do Sul, com US$ 5 bilhões – em marcha reduzirá substancialmente a volatilidade cambial sobre os fluxos de comércio e investimento entre os membros do bloco.

Os céticos argumentam que o CRA terá importância secundária e exercerá apenas funções complementares às do FMI. Deixam de lado que, em contraste com a iniciativa Chiang Mai (integrada pela China, Japão, Coreia do Sul e 10 economias da Associação de Nações do Sudeste Asiático, ASEAN)
, por exemplo, o CRA BRICS poderá prescindir do aval do FMI para realizar seus empréstimos, garantindo maior autonomia política frente a Washington. A guerra de divisas das economias centrais contra as economias da periferia capitalista exige a sua execução rápida. 

Por outro lado, o Banco BRICS despertou muitas expectativas. Esse banco, que iniciará operações com um capital de US$ 50 bilhões (com aportes de US$ 10 bilhões e US$ 40 bilhões em garantias de cada um dos países), terá possibilidades para se ampliar em dois anos a US$ 100 bilhões e, em cinco anos, a US$ 200 bilhões. Também contará com a capacidade de financiamento de até US$ 350 bilhões para projetos de infraestrutura, educação, saúde, ciência e tecnologia, meio-ambiente, entre outros.

Ainda assim, para o caso da América do Sul, os efeitos em médio prazo apresentam um caráter duplo. Nem tudo é tão atraente nos mercados de crédito.

Por um lado, o Banco BRICS poderia contribuir para a redução dos custos de financiamento e fortalecer a função contracíclica da Corporação Andina de Fomento (CAF) através do aumento de créditos em momentos de crise e, assim, descartar os empréstimos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Por outro lado, entretanto, como oferecedor de crédito, o Banco BRICS entraria em uma competição com outras entidades financeiras de influência considerável na região, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do Brasil), a CAF e os bancos chineses com maior número de garantias (Banco de Desenvolvimento da China e Banco Exim da China). É inverossímil que as instituições financeiras mencionadas façam suas ofertas de crédito convergirem de modo a complementar sem afetar suas carteiras de credores.

Dentro do BRICS também há fricções. A elite chinesa pretende realizar o aporte majoritário (à diferença da proposta russa de estabelecer aportes por alíquotas) e converter Xangai na sede do organismo (ao invés de Nova Délhi, Moscou ou Johannesburgo). No caso de os empréstimos do Banco BRICS denominarem-se em yuanes, a moeda chinesa avançará em sua internacionalização e afiançará gradualmente a sua posição como meio de pagamento e moeda de reserva em detrimento de outras divisas.

Para lá da consolidação de um mundo multipolar, o CRA e o Banco BRICS representam as sementes de uma arquitetura financeira que emerge em uma etapa da crise cheia de contradições, mas também caracterizada pela cooperação e pela rivalidade financeira.



*Ariel Noyola Rodríguez é membro do Observatório Econômico da América Latina do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade Nacional Autônoma do México.

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