Artigos Especiais


Nestas páginas, estão reproduzidos artigos de qualidade, escritos por intelectuais e acadêmicos renomados.


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O primeiro artigo foi escrito pelo professor Jorge Beinstein.  Trata-se de uma palestra feita no Primeiro Encontro Internacional sobre 'O direito dos povos à revolta', ocorrido em Caracas de 7 a 9 de outubro de 2010.

Neste texto, o autor examina de forma crítica as possibilidades futuras do sistema capitalista.  Vistas suas qualificações e inúmeros trabalhos publicados, as visões do autor nos interessam pois podem iluminar o caminho que teremos a trilhar em nossa inexorável marcha para o futuro.

O autor é doutorado em economia e professor catedrático das universidades de Buenos Aires e Córdoba, na Argentina e em Havana, Cuba.  Professor Beinstein dirige o Instituto de Pesquisa Científica da Universidade da Bacia do Prata e publica regularmente em Le Monde Diplomatique (em castelhano).   É autor de Capitalismo Senil:  a grande crise da economia global, publicado no Brasil pela editora Record (2001).


Uma lista de suas publicações no site Rebelió(em castelhano) na Internet pode ser encontrada em http://www.rebelion.org/autores.php?id=48.

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O declínio do capitalismo:  fim do crescimento global, ilusões imperiais e periféricas, alternativas

Jorge Beinstein, http://www.rebelion.org/noticia.php?id=115648 / http://www.ocomuneiro.com/nr12_2_jorgebeinstein.html / http://www.resistir.info/crise/beinstein_abr11.html, outubro 2010

As fanfarronices dos longínquos anos de 1990 sobre o milênio capitalista neoliberal passaram a ser curiosidades históricas;  talvez suas últimas manifestações (e já defensivas) tenham sido as campanhas mediáticas que nos assinalavam o rápido fim das "turbulência financeiras” e o imediato retorno da marcha triunfante da globalização.

Agora, ao iniciar o último trimestre de 2010, as expectativas otimistas do alto comando do planeta (chefes de estado, presidentes de bancos centrais, gurus da moda e outras estrelas da “media”) estão dando lugar a um pessimismo avassalador.  Falam da trajetórias das economias centrais em forma de W como se após o esvaziamento iniciado em 2007-2008 tivesse ocorrido uma recuperação real, hoje seguida por uma segunda queda, e em cujo término chegaríamos a uma expansão duradoura do sistema;  algo como uma segunda penitência que permitiria às elites purgar seus pecados (financeiros) e retomar o caminho ascendente.

A "recuperação" foi apenas um alívio passageiro obtido por uma sobredose de "estímulos" que preparou o caminho para uma recaída que se anuncia terrível.  Como o paciente não tem cura, sua doença não é o resultado de um acidente, de um mau comportamento ou de um ataque de vírus (que a super ciência da civilização mais sofisticada da história, mais cedo ou mais tarde, possa controlar), mas sim o passar inexorável do tempo, o envelhecimento irreversível que chegou à etapa senil.

A modernidade capitalista já quase não tem horizontes de referência, o seu futuro visível se retrai a uma velocidade inesperada, a sua possível sobrevivência parece apenas ser possível em forma de cenários monstruosos, marcados por genocídios, militarizações e destruições ambientais cuja magnitude não tem precedentes na história humana.

O capitalismo tornou-se finalmente mundial, no sentido mais estrito do termo, logrando chegar até os recantos mais escondidos.  Nesse sentido, pode-se dizer que a civilização burguesa de raiz ocidental é agora a única civilização no planeta (incluindo adaptações culturais muito diversas).  Mas a vitória da globalização chega ao mesmo tempo em que começa o seu declínio;  em outras palavras, se olharmos para este novo século a partir da perspectiva do domínio global de longo prazo do capitalismo, aparece-nos como a primeira etapa de seu declínio e, em consequência, a condição necessária, mas não suficiente, está instalada para a emergência do pós-capitalismo.

Estamos entrando numa nova era caracterizada pela esfriamento do capitalismo global e pelos fracassos das tentativas para relançar as economias imperialistas, o que coincide com o atolamento na guerra colonial da Eurásia.  Nesta área, os Estados Unidos e seus aliados estão a sofrer um desastre geopolítico o qual apresenta, numa primeira aproximação, a imagem de um império cercado.  Mas por trás dessa imagem se desenvolve um processo surdo de relançamento imperialista, de nova ofensiva apoiada por seu aparato militar e uma ampla gama de dispositivos de comunicação e ideológicos que a acompanham.  Os Estados Unidos vão configurando na sua marcha uma renovada estratégia global e uma política de estado cujos primeiros passos foram dados já no fim da presidência de George W.  Bush e que tomou forma com a chegada de Obama à Casa Branca.  O império decadente, como outros impérios decadentes do passado, tenta superar o seu declínio econômico utilizando ao máximo aquilo que considera a sua vantagem comparativa:  o aparato militar.  Sua agressividade aumenta o ritmo do seu declínio industrial, comercial e financeiro, suas ilusões militaristas são a compensação psicológica para suas dificuldades diplomáticas e econômicas e incentivam o desenvolvimento de aventuras perigosas como massacres nas áreas periféricas e atitudes neofascistas.

A nova estratégia inclui o lançamento de uma combinação de ações militares, comunicacionais e diplomáticas destinadas a fustigar os inimigos e concorrentes, provocar disputas e desestabilizações, criando conflitos e situações mais ou menos caóticas capazes de debilitar as potências médias e grandes e a partir daí restaurar posições de força atualmente em declínio.  Como exemplo, podemos citar a extensão da agressão contra o Afeganistão-Paquistão, as ameaças (e preparativos) de guerra contra o Irã e contra a Coréia do Norte, a provocação de contradições entre o Japão e a China, etc..

Além disso, desde o fim da era Bush, se desenvolvem grandes ofensivas sobre a África e especialmente sobre a América Latina, o tradicional quintal dos fundos, hoje atravessado por governos esquerdizantes, mais ou menos progressistas, que acabaram por configurar um espaço relativamente independente do amo colonial.  Aí, a ofensiva dos EUA, aparece como um conjunto de ações concertadas com uma forte dose de pragmatismo, destinadas a re-controlar a região.  Sua essência fica revelada quando se detecta o seu objetivo:  não se trata agora principalmente de ocupar mercados, de dominar indústrias, de extrair benefícios financeiros, pois já não estamos no século XX;  a mirada imperial aponta em direção a recursos naturais estratégicos (petróleo, grandes territórios agrícolas produtores de biocombustíveis, água, lítio, etc).  Em muitos casos, as populações locais, com suas instituições, sindicatos e o conjunto das suas redes sociais, constituem obstáculos a seus projetos, barreiras a eliminar ou a reduzir ao estado vegetativo (nesse sentido, o que ocorreu no Iraque pode ser considerado um caso exemplar).

É necessário tomar consciência de que o poder imperial colocou em marcha uma estratégia de conquista de longo prazo no estilo daquela que implementou na Eurásia;  trata-se de uma tentativa depredadora-genocida cujo único precedente na região foi o que ocorreu há quinhentos anos com a conquista colonial.

O fenômeno é tão profundo e imenso que se torna quase invisível aos olhares progressistas, maravilhados com os êxitos fáceis obtidos durante a década passada.  Esses progressistas buscam vias de negociação, equilíbrios “civilizados”, oscilando de fracasso em fracasso porque o interlocutor racional para suas propostas só existe na sua imaginação.  Hoje, o sistema de poder do império se apoia numa “razão de estado” baseada no desespero, produzida por um cérebro senil;  em última instância:  uma razão delirante que vê os acordos, as negociações diplomáticas ou as manobras políticas de seus próprios aliados-lacaios como portas abertas para os seus planos agressivos.  A única coisa que realmente lhe interessa é recuperar os territórios perdidos, desestabilizar os espaços não controlados, golpear e golpear para voltar a golpear.  A sua lógica se constrói sobre uma sonhada vaga de reconquista cuja magnitude por vezes ultrapassa os próprios estrategas imperiais (e, obviamente, um amplo leque de dirigentes políticos norteamericanos).

Mas o império está doente;  é gigantesco, mas está cheio de pontos fracos;  o tempo corre contra ele, traz novos males econômicos, novas degradações sociais, e amplifica as áreas de autonomia e rebelião.

O esgotamento dos estímulos

O final de 2010 assistiu ao esgotamento dos incentivos financeiros injetados nas potências centrais, processo iniciado a partir do aprofundamento da crise global em 2007-2008.

O caso norte-americano foi descrito de maneira contundente por Bud Comrad, economista chefe da Casey Research:  "Em 2009, o governo federal teve um défice fiscal de cerca de 1,5 milhões de milhões de dólares;  por seu turno, a Reserva Federal gastou cerca de 1,5 milhões de milhões de dólares para comprar dívidas de hipotecas e, assim, evitar o colapso deste mercado.  Isso significa que o governo gastou US$ 3 milhões de milhões para uma pequena recuperação avaliada em 3% do PIB, cerca de 400 mil milhões de dólares em crescimento económico.  Pois bem, gastar 3 milhões de milhões de dólares para obter 400 mil milhões é um péssimo negócio…".[1]

Com as políticas de "estímulo" (uma espécie de neokeynesianismo-neoliberal) não chegou a recuperação durável das grandes potências;  o que realmente chegou foi uma avalanche de dívidas públicas: entre 2007  (último ano antes da crise) e 2010, a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto passara de 64% a 84% na Alemanha, de 64% a 94% na França, de 63% a 100% nos Estados Unidos, e de 44% a 90% na Inglaterra[2].

Logo a seguir aconteceu o que inevitavelmente teria que acontecer:  iniciou-se a segunda etapa da crise a partir da explosão da dívida pública grega que antecipava outras na União Européia, afetando não só os países devedores mais vulneráveis mas também seus principais credores, diante dos quais se levantava a ameaça de uma sobreacumulação de ativos de crédito-lixo:  em fins de 2009, as dívidas dos chamados “PIIGS” (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, ou seja, os países europeus expostos pelo sistema mediático como os mais vulneráveis em relação a França, Inglaterra e Alemanha) somavam 2 trilhões de dólares, soma equivalente a 70% do Produto Interno Bruto da França ou a 75% do da Inglaterra.

Se a primeira fase da crise foi marcada por incentivos do governo para o setor privado e a expansão da dívida pública, a segunda fase começa com o início do fim da generosidade do Estado (além de algumas possíveis futuras tentativas de reativação):  chegam os cortes de gastos, as reduções salariais, os aumentos nas taxas de juros, em síntese, abre-se a porta de entrada para uma época de contração ou estagnação econômica que se irá mantendo no tempo e se estendendo no espaço.

Estamos nos movendo para o resfriamento do motor da economia global;  os países do G7 sentem-se esmagados pela dívida na sequência de uma reativação débil e efêmera graças às políticas de subsídios.  Suas dívidas públicas e privadas vieram crescendo até aproximarem-se agora do seu ponto de saturação.  Assim, em 1990 as dívidas totais do G7 (públicas + privadas) representavam cerca de 160% da soma dos seus Produtos Internos Brutos;  no ano 2000 tinham subido a 180%;  e em 2010 superavam 380% (110% para as dívidas pública e 270% para as dívidas privadas)[3].

A escolha a enfrentar agora é simples:  tentar acumular mais dívidas, o que lhes permitiria adiar a recessão por um tempo curto (com alta probabilidade de descontrole e elevada turbulência no sistema global), ou entrar em breve num período de recessão (com esperança de controle) que se anuncia muito prolongada;  na realidade, não se trata de duas alternativas antagônicas mas, sim, de um único horizonte negro ao qual se pode chegar por distintos caminhos e a várias velocidades.

Hipertrofia financeira

A chuva de estímulos, transferências massivas de renda para as elites dominantes (com rendimentos aceleradamente decrescentes) aparece como o capítulo mais recente de um amplo ciclo de hipertrofia financeira originada nos anos 1970 (e talvez um pouco antes) quando o mundo capitalista, imerso em uma gigantesca crise de sobreprodução, teve que utilizar, a partir do seu centro imperial, os Estados Unidos, as suas duas muletas históricas:  o militarismo e o capital financeiro.  Por trás de ambos fenômenos se encontrava um velho conhecido:  o Estado, aumentando os seus gastos bélicos, flexibilizando os seus controles sobre os negócios financeiros, introduzindo reformas no mercado de mão-de-obra (abaixando os salários em relação aos aumentos da produtividade).

O processo foi encabeçado pela superpotência hegemônica mas integrando os dois espaços sub-imperialistas associados:  Europa Ocidental e Japão.  É necessário esclarecer que a unipolaridade no mundo capitalista, com as suas consequências econômicas, políticas, culturais e militares, se iniciou em 1945, e não em 1991, embora a partir desta última data (com o derrube da URSS) se tenha tornado planetária.

Tratou-se de uma mudança de época, de uma transformação que permitiu controlar a crise embora degradando o sistema de forma irreversível.  As grandes burguesias centrais se deslocaram na sua maior parte para as cúpulas dos negócios especulativos, fundindo interesses financeiros e produtivos, convertendo a produção e o comércio em complexas redes de operações governadas cada vez mais por comportamentos de curto prazo.  A hegemonia parasitária, rasgo distintivo da era senil do capitalismo, tomou conta dos grandes negócios globais e engendrou uma subcultura, na realidade uma degeneração cultural desintegradora, baseada no individualismo consumista que foi desestruturando os fundamentos ideológicos e institucionais da ordem burguesa.  Daí derivaram os fenômenos de crise de legitimidade dos sistemas políticos e dos aparelhos institucionais em geral, servindo de caldo de cultura para as deformações mafiosas das burguesias centrais e periféricas (complexo leque de lumpem-burguesias globais).

Teto energético e “destruição criadora”

Do ponto de vista das relações entre o sistema econômico e sua base material, a depredação do ecossistema (como comportamento central do sistema) começou a tomar o lugar da reprodução.  Na realidade, o núcleo cultural depredador existiu desde o grande avanço histórico do capitalismo industrial (em fins do século XVIII, principalmente na Inglaterra) e ainda antes durante o longo período pré-capitalista ocidental.  Marcou para sempre os sistemas tecnológicos e o desenvolvimento científico, começando pelo seu pilar energético (carvão mineral e depois o petróleo) e seguindo por uma ampla variedade de explorações mineiras de recursos naturais não renováveis (essa exacerbação depredadora é um dos rasgos distintivos da civilização burguesa comparada com as civilizações anteriores);  no entanto, durante as etapas de juventude e maturidade do sistema, a depredação estava subordinada à reprodução ampliada do sistema.

A mutação parasitária dos anos 1970-1980-1990 não permitiu superar a crise de sobreprodução mas sim torná-la crônica, embora controlada, amortecida, exacerbando a pilhagem dos recursos naturais não renováveis e introduzindo grandes escalas técnicas que possibilitaram a sobre-exploração de recursos renováveis, violentando, destruindo os seus ciclos de reprodução (é o caso da agricultura baseada em transgênicos e herbicidas de alto poder destrutivo, como o glifosato).  Isso ocorria quando vários desses recursos (por exemplo, hidrocarbonetos), se aproximavam do seu nível máximo de extração.

A avalanche do “curto-prazismo” (da financeirização cultural do capitalismo) liquidou toda possibilidade de planificação a longo prazo de uma possível reconversão energética, o que coloca o tema da viabilidade histórico-civilizacional das vias de reconversão (economia de energia, recursos energéticos renováveis, etc).  Viabilidade no contexto das relações de poder existentes, das suas estruturas industriais e agrícolas;  em síntese, do capitalismo concreto, inseparável da obtenção de “lucros-aqui-e agora”.  Não nos referimos já à possibilidade da sobrevivência das gerações futuras.

O sistema tecnológico do capitalismo não estava preparado para uma reconversão energética;  a questão não era uma preocupação prioritária para as elites dominantes (o que não lhes impedia de “preocupar-se” com o problema).  Não é a primeira vez na história do declínio das civilizações que os interesses imediatos das classes superiores entram em antagonismo com a sobrevivência a longo prazo.

O teto energético que encontrou a reprodução do capitalismo converge com outros tetos de recursos não renováveis que afetarão rapidamente um amplo espectro de atividades mineiras.  A isto se soma a exploração selvagem dos recursos naturais renováveis.  Apresenta-se assim um cenário de esgotamento geral de recursos naturais a partir do sistema tecnológico disponível, mais concretamente, do sistema social e seus paradigmas, quer dizer, do capitalismo como estilo de vida (consumista, individualista, autoritário-centralizador-depredador).

Da crise crônica de sobreprodução para a crise geral de subprodução:  o longo ciclo do capitalismo industrial

Por outro lado, a crise de recursos naturais, indissociável do desastre ambiental, converge com a crise da hegemonia parasitária.  Nas primeiras décadas da crise crônica, o processo de financeirização impulsionou a expansão consumista (sobretudo nos países ricos), a concretização de importantes projetos industriais e de subsídios públicos para a procura interna, de grandes aventuras militares imperialistas;  mas ao fim do caminho as euforias se dissiparam para deixar a descoberto imensas montanhas de dívidas públicas e privadas.  A festa financeira (que teve durante o seu trajeto numerosos acidentes) se converte em teto financeiro que bloqueia o crescimento.

As turbulências de 2007-2008 podem ser consideradas como o ponto de partida para o crepúsculo do sistema;  a multiplicidade de crises que explodiram nesse período (financeira, produtiva, alimentar, energética) convergiram com outras como a ambiental ou a do Complexo Industrial Militar do Império, atolado nas suas guerras asiáticas.  Esse somatório de crises não resolvidas travam, impedem a reprodução ampliada do sistema.

Vista a partir do longo prazo, a sucessão de crises de sobreprodução no capitalismo ocidental durante o século XIX não marcou um simples encadeamento de quedas e recuperações a níveis cada vez mais altos de desenvolvimento das forças produtivas;  o que acontecia é que a cada depressão o sistema se recompunha mas acumulando no seu trajeto massas crescentes de parasitismo.

O cancro financeiro irrompeu de forma triunfal, dominante, entre fins do século XIX e começos do século XX, obtendo o controle absoluto do sistema sete ou oito décadas depois;  mas o seu desenvolvimento havia começado muito tempo antes, financiando estruturas industriais e comerciais cada vez mais concentradas e os estados imperialistas de onde se expandiam as burocracias civis e militares.  A hegemonia da ideologia do progresso e do discurso produtivista serviu para ocultar o fenômeno, instalou a idéia de que o capitalismo, ao invés das civilizações anteriores, não acumulava parasitismo mas somente forças produtivas que, ao expandir-se, criavam problemas de inadaptação, superáveis no interior do sistema mundial, resolvidos através de processos de “destruição criadora”.  O parasitismo capitalista em grande escala, quando se tornava evidente, era considerado como uma forma de “atraso” ou uma “degeneração” passageira na marcha ascendente da modernidade.

Essa maré ideológica influenciou também boa parte do pensamento anti-capitalista (em última instância progressista) dos séculos XIX e XX, convencido de que a corrente imparável do desenvolvimento das forças produtivas terminaria por afrontar as relações capitalistas de produção, saltando por cima delas, esmagando-as com uma avalanche revolucionária de operários industriais dos países mais “avançados” aos quais se seguiriam os dos chamados “países atrasados”.  A ilusão do progresso indefinido ocultou a perspectiva da decadência e, dessa maneira, deixou a meio caminho o pensamento crítico, lhe retirou radicalidade, com consequências culturais negativas para os movimentos de emancipação dos oprimidos do centro e da periferia.

Por seu lado, o militarismo moderno tem as suas raízes mais recentes no século XIX, desde as guerras napoleônicas, chegando à guerra franco-prussiana, até irromper, na Primeira Guerra Mundial, como “Complexo Militar Industrial” (embora seja possível encontrar antecedentes importantes no Ocidente, nas primeiras indústrias de armamento de tipo moderno, aproximadamente a partir do século XVI).  No seu começo, ele foi percebido como um instrumento privilegiado das estratégias imperialistas e como reativador econômico do capitalismo, mas este é apenas um aspecto do fenômeno que ocultava ou subestimava a sua profunda natureza parasitária, o fato de que, por trás do monstro militar ao serviço da reprodução do sistema, se ocultava um monstro muito mais poderoso a longo prazo:  o do consumo improdutivo, causador de déficits públicos que, no fim do seu percurso, não incentivam mais a expansão mas sim a estagnação ou a contração da economia.

Atualmente, o Complexo Militar Industrial norte-americano (em torno do qual se reproduzem os seus sócios da OTAM) gasta em termos reais mais de um trilhão de dólares, e contribui de maneira crescente para o déficit fiscal e, por conseguinte, para o endividamento do Império (e a prosperidade dos negócios financeiros beneficiários do dito déficit).  A sua eficácia militar é declinante mas a sua burocracia é cada vez maior;  a corrupção penetrou em todas as suas atividades, e já não é o grande gerador de empregos, como em outras épocas, pois o desenvolvimento da tecnologia industrial-militar reduziu significativamente esta função (a época do keynesianismo militar, como eficaz estratégia anti-crise, pertence ao passado).  Ao mesmo tempo, é possível constatar que, nos Estados Unidos, se produziu uma integração de negócios entre a esfera industrial-militar, as redes financeiras, as grande empresas energéticas, os grupos mafiosos, as “empresas” de segurança e outras atividades muito dinâmicas, conformando assim o espaço dominante do sistema de poder imperial.

Nem a crise energética em torno da chegada do Peak Oil (a faixa de máxima produção petrolífera mundial, a partir da qual se desenvolve o seu declínio) deveria ser restringida à história das últimas décadas;  é necessário entendê-la como a fase declinante do amplo ciclo da exploração moderna dos recursos naturais não renováveis, desde o começo do capitalismo industrial que pôde realizar o seu arranque e posterior expansão graças a esses combustíveis energéticos abundantes, baratos e facilmente transportáveis, desenvolvendo em primeiro lugar o ciclo do carvão, sob hegemonia inglesa no século XIX, e logo depois o ciclo do petróleo, sob hegemonia norte-americana no século XX.  Este ciclo energético condicionou todo o desenvolvimento tecnológico do sistema e foi a vanguarda da dinâmica depredadora do capitalismo estendida ao conjunto dos recursos naturais e do ecossistema em geral.

Em síntese, o desenvolvimento da civilização burguesa durante os dois últimos séculos (com raízes num passado ocidental muito mais antigo) terminou por engendrar um processo irreversível de decadência;  a depredação ambiental e a expansão parasitária, estreitamente interrelacionadas, estão na base do fenómeno.  A dinâmica do desenvolvimento econômico do capitalismo, marcada por uma sucessão de crises de sobreprodução, constitui o motor do processo depredador-parasitário que conduz inevitavelmente a uma crise prolongada de subprodução (o capitalismo, obrigado a crescer e a depredar indefinidamente para não perecer, termina por destruir a sua base material).  Existe uma interrelação dialética perversa entre a expansão da massa global de lucros, sua velocidade crescente, a multiplicação das estruturas burocráticas civis e militares de controle social, a concentração mundial de rendimentos, a subida da maré parasitária e a depredação do ecossistema.

Isso significa que a superação necessária do capitalismo não aparece como o passo indispensável para prosseguir “a marcha do progresso” mas, em primeiro lugar, como tentativa de sobrevivência, humana e do seu contexto ambiental.

A decadência é a última etapa de um amplo super ciclo histórico, sua fase declinante, seu envelhecimento irreversível (sua senilidade).  Extremando os reducionismos, tão praticados pelas “ciências sociais”, poderíamos falar de “ciclos” de distinta duração:  energético, alimentar, militar, financeiro, produtivo, estatal, etc. e, assim descrever em cada caso percursos que se iniciam no Ocidente, entre fins do século XVIII e começos do século XIX, com raízes anteriores e envolvendo espaços geográficos crescentes até assumir finalmente uma dimensão planetária para, em seguida, cada um deles entrar em declínio.  A coincidência histórica de todos esses declínios e a fácil deteção de densas interrelações entre todos esses ciclos nos sugerem a existência de um único super ciclo que os inclui a todos.  Trata-se do ciclo da civilização burguesa que se expressa através de uma multiplicidade de “aspectos” (produtivo, moral, político, militar, ambiental, etc.).

Declínio do Império, relançamento militarista, ilusões periféricas e insurreição global

Toda a história do capitalismo gira, desde fins do século XVIII, em torno do domínio, primeiro inglês e em seguida estadunidense.  Capitalismo mundial, imperialismo e predomínio anglo-norteamericano constituem um só fenômeno (agora decadente).

A articulação sistêmica do capitalismo aparece historicamente indissociável do articulador imperial;  mas num futuro previsível não aparece nenhum novo imperialismo global ascendente.  Em consequência, o planeta burguês vai perdendo uma peça decisiva do seu processo de reprodução.  A União Europeia e o Japão são tão decadentes como os Estados Unidos.  A China baseou a sua espetacular expansão numa grande ofensiva exportadora para os mercados, agora em declínio, dessas três potências centrais.

O capitalismo vai ficando à deriva, a menos que prognostiquemos o surgimento próximo de um tipo de mão invisível universal (e burguesa) capaz de impor a ordem (monetária, comercial, político-militar,etc.).  Neste caso, estaríamos extrapolando ao nível da humanidade futura a referência a essa mão invisível (realmente inexistente) do mercado capitalista, afirmada pela teoria econômica liberal.

O declínio da maior civilização jamais conhecida na história humana apresenta vários cenários para o futuro:  alternativas de auto-destruição e de regeneração, de genocídio e de solidariedade, de desastre ecológico e de reconciliação do homem com seu meio ambiente.  Estamos retomando um velho debate sobre alternativas interrompido pela euforia neoliberal;  a crise rompe o bloqueio e nos permite pensar o futuro.

Voltemos à reflexão inicial deste texto.  O início do século XXI assinala um paradoxo crucial:  o capitalismo assumiu claramente uma dimensão global;  mas iniciou igualmente o seu declínio.

Por outro lado, cem anos de revoluções e contra revoluções periféricas produziram grandes mudanças culturais:  agora, na periferia (completamente modernizada, isto é, completamente subdesenvolvida) existe um enorme potencial de autonomia nas classes baixas.  Ali, se apresenta o que de maneira talvez demasiado simplista poderíamos definir como patrimônio histórico democrático forjado ao longo do século XX.  Os povos periféricos, submergidos, construíram sindicatos, organizações camponesas, participaram em votações de todo o tipo, fizeram revoluções (muitas delas com bandeiras socialistas), reformas democratizantes;  na maior parte das vezes, fracassaram.  Tudo isto forma parte da sua memória – não desapareceu;  pelo contrário, é experiência acumulada, processada em geral de maneira subterrânea, invisível para os observadores superficiais.  Isto tem sido reforçado pela própria modernização que, por exemplo, lhes fornece instrumentos de comunicação que lhes permite interagir, intercambiar informações, socializar reflexões.  Finalmente, a decadência geral do sistema, o possível começo do fim da sua hegemonia cultural, abre um gigantesco espaço para a criatividade dos oprimidos.

A guerra euro-asiática engendrou um imenso pântano geopolítico do qual os ocidentais não sabem como sair, consolidou e estendeu espaços de rebelião e autonomia cuja contenção é cada dia mais difícil, situação perante a qual o Império redobra as suas ameaças e agressões.  A Coréia do Norte não pôde ser dobrada, nem tampouco o Irã;  a resistência Palestina segue de pé;  e Israel, pela primeira vez na sua história, sofreu uma derrota militar no sul do Líbano;  a guerra do Iraque não pôde ser ganha pelos Estados Unidos, o que os coloca ali numa situação na qual todos os caminhos conduzem à perda do poder nesse país.

No outro extremo da periferia – América Latina –, o despertar popular transcende os governos progressistas e deteriora estrategicamente as poucas oligarquias direitistas que ainda controlam o poder político.  O projeto estadunidense de restauração de “governos amigos” tropeça numa pedra fundamental:  a profunda degradação das elites aliadas, sua incapacidade para governar em vários dos países candidatos à viragem para a direita, enquanto ao mesmo tempo o Império não pode (não está em condições) de deter ou desacelerar a sua ofensiva, à espera de melhores contextos políticos.  O ritmo da sua crise sobredetermina a sua estratégia regional.  Em última instância, isto não é completamente diferente da situação na Ásia, onde a dinâmica imperial combina a sofisticação e a variedade de técnicas e estruturas operativas disponíveis com um comportamento absolutamente rude.

Se observarmos o conjunto da periferia atual a partir do longo prazo histórico, vemos um poder imperial desorientado enfrentando uma onda gigantesca e plural de povos submergidos – desde o Afeganistão até a Bolívia, desde a Colômbia até as Filipinas –, expressão da crise da modernidade subdesenvolvida.  É o começo de um despertar popular muito superior ao do século XX.

Em meio a estas tensões, aparece um leque colorido de ilusões periféricas, fundado na possibilidade de gerar uma desconexão encabeçada pelas nações chamadas emergentes;  o que é no fundo uma fantasia, pois não toma em consideração o fato decisivo de que todas as “emergências” (as da Rússia, China, Brasil, Índia, etc) se apoiam na sua inserção nos mercados dos países ricos.  Se esses estados (que vêm praticando neokeynesianismos mais ou menos audazes, compensando o esfriamento global) quisessem aprofundar esses impulsos de mercado interno e/ou interperiféricos, eles se encontrariam, cedo ou tarde, com as barreiras sociais dos seus próprios sistemas econômicos;  ou, para descrevê-lo de outra maneira, com os seus próprios capitalismos realmente existentes;  em especial, com os interesses das suas burguesias financeirizadas e transnacionalizadas.

À medida em que a crise se aprofunde, em que as debilidades do capitalismo periférico se tornem mais visíveis, em que as bases sociais internas das burguesias imperialistas se deteriorem e em que o desespero imperial se agudize, a vaga popular global, já em marcha, não terá outro caminho senão o da sua radicalização, o da sua transformação em insurreição revolucionária – complexa, possuindo distintas velocidades e com construções (contra)culturais diversas, avançando a partir de distintas identidades até a superação do inferno.

É somente a partir dessa perspectiva que é possível pensar o pós-capitalismo, o renascimento (a reconfiguração) da utopia comunista, já não como resultado da “ciência” social elitista, a partir da superação pelo interior da civilização burguesa através de um tipo de “abolição suave”, mas, sim, pela sua negação integral, pela expansão ilimitada da pluralidade, recuperando as velhas culturas igualitárias, solidárias, e elevando-as a um coletivismo renovado.

Os movimentos insurgentes da periferia atual costumam ser apresentados pelos meios globais de comunicação como causas perdidas, como resistências primitivas à modernização ou como o resultado da atividade de misteriosos grupos de terroristas.  A resistência no Afeganistão e na Palestina, ou a insurreição colombiana, aparecem nessa propaganda protagonizando guerras que nunca poderiam ganhar frente a aparelhos super poderosos;  não faltam os pacificadores profissionais que aconselham os combatentes a pôr de lado a sua intransigência e negociar alguma forma de rendição vantajosa “antes que seja tarde demais”.  O século XX deveria ser uma boa escola para aqueles que se impressionam com o gigantismo e a eficácia dos aparelhos militares (e dos aparelhos burocráticos em geral) porque este século viu o nascimento vitorioso dos grandes aparelhos modernos, como é hoje o Complexo Militar Industrial dos Estados Unidos, e também foi testemunha da sua ruína, da sua derrota diante de povos sem armas, diante da criatividade e da insubmissão dos de baixo.

Nos anos de 1990, os neoliberais nos explicavam que a globalização constituía um fenômeno irreversível;  que o capitalismo havia adquirido uma dimensão planetária que arrasava com todos os obstáculos nacionais ou locais.  Não se davam conta de que essa irreversibilidade, transformada pouco depois em decadência global do sistema, abria as portas a um sujeito inesperado:  a insurreição global do século XXI.  O tempo (a marcha da crise) joga a seu favor.  O império e seus aliados diretos e indiretos quiseram fazê-la abortar, começando por tentar apagar a sua dimensão universal, tratando mediaticamente de transformá-la (fragmentá-la) em uma modesta coleção de resíduos locais sem futuro.  Mas essas supostas resistências residuais possuem uma vitalidade surpreendente, se reproduzem, sobrevivem a todas as tentativas de extermínio e, quando visionamos o percurso futuro do declínio civilizacional em curso, a profunda degradação do mundo burguês, o seu caminhar para a barbárie antecipando crimes ainda maiores, então a globalização da insurreição popular aparece como o caminho mais seguro para a emancipação das maiorias submergidas, o que é também a sua única possibilidade de sobrevivência digna.

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[1]  Bud Comrad, 'Beyond the Point of No Return', GooldSeek, 12 maio 2010.
[2]  'La explosion de la deuda pública.  Previsiones de la OCDE para 2010', AFP,25-11-2009. 
[3]  Fonte:  FMI, OCDE, McKinsey Global Institute.


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O segundo artigo foi extraido de palestra proferida no Canada por Helen Caldicott.  Trata-se de um alerta importante:  talvez todos nós venhamos a morrer de câncer – com certeza, os riscos para os mais jovens são maiores...


Leia o texto abaixo para entender porque isso está acontecendo:

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O desastre Nuclear na perspectiva de Fukushima
 Helen Caldicott, Global Research, 12 de Maio de 2011
Dr. Helen Caldicott(1), 18 de Março press conference em Montreal, patrocinada pelo Centro de Investigação sobre Globalização (CRG)
Nossos agradecimentos a Felton Davis pela transcrição da gravação de vídeo de GRTV e pelas anotações.
Esta conferência de imprensa organizada pela Global Research realizou-se no contexto da palestra pública de Helen Caldicott para Montreal em 18 de Março de 2011.
Primeiro, eu quero apresentar este relatório, produzido pela New York Academy of Sciences: um relatório sobre Chernobyl. Ele pode ser baixado.(2) Foram traduzidos 5.000 artigos do russo pela primeira vez em inglês. Parece-me que quase um milhão de pessoas já morreram por causa de Chernobil, apesar do que dizem a WHO [World Health Organization] (3) e a AIEA [International Atomic Energy Agency].(4) Este é um acobertamento monstruoso, o pior da história da medicina. Porque todo mundo deveria saber disso!
Então, podemos extrapolar para o Japão. O Japão é, por ordens de magnitude, muitas vezes pior do que Chernobil. Nunca na minha vida eu pensei que seis reatores nucleares estariam em risco.(5) Sabia que três engenheiros da GE que ajudaram no design destes reatores Mark I GE, renunciaram porque eles sabiam que eram perigosos.(6)
Mesmo assim, o Japão os construiu em uma falha geológica, propensa a terremoto!
Os reatores resistiram parcialmente ao terremoto, mas a alimentação elétrica externa foi cortada e a eletricidade fornece o resfriamento por água, um milhões de litros por minuto, a cada um desses seis reatores. Sem a água de arrefecimento, há quedas de nível de água e as hastes são tão quentes que derretem, como Three Mile Island e Chernobyl.
Assim que os geradores de emergência diesel, que são tão grandes quanto uma casa, foram destruídos pelo tsunami, não foi mais possível manter a água circulando nos reatores.(7) Também, sob os telhados dos reatores, não dentro deles, existem piscinas (pools) de resfriamento. Todos os anos eles removem cerca de trinta toneladas de hastes, as mais radioativas que você pode imaginar.(8) Cada uma tem doze metros de comprimento e uma e meia polegada de espessura. Elas emitem tanta radiação, que, se você ficar ao seu lado por alguns minutos, você morre. Mas, voce não cai morto. Lembra-se de Litvinenko, o russo, que foi envenenado por Polônio?(9) Você vai morrer como ele, com seu cabelo caindo e sangramento com infecção maciça, como morrem pacientes de AIDS.
E [essas barras de combustível irradiado] são termicamente quentes; assim elas têm que ser colocadas em uma piscina grande e continuamente resfriada.
Houve três explosões de hidrogênio, soprando fora o telhado do edifício: não o confinamento do núcleo, mas o telhado! E expondo as piscinas de resfriamento.(10) Duas das piscinas de refrigeração estão secas. Elas não têm água nelas! O que significa o seguinte: as barras de combustível nuclear são cobertas com um material chamado zircónio. Quando o zircónio é exposto ao ar, ele queima, ele inflama. Duas das piscinas de resfriamento neste momento estão queimando. Nessas piscinas de resfriamento há muitas vezes mais radiação – 10 a 20 vezes mais – do que em cada núcleo do reator! No coração de cada reactor há tanta radiação de longa-duração quanto seria produzida por mil bombas de Hiroshima! Lidamos com uma energia diabólica!
e = mc2 é a energia que explode em bombas nucleares. Einstein disse que a energia nuclear é uma maneira infernal de ferver água.(11) Isso porque toda a energia nuclear é usado para ferver a água através de calor maciço, transformando a água em vapor e girando uma turbina que gera eletricidade.
Agora, quando você faz fissão de urânio, 200 novos elementos são formados, todos os quais são muito mais venenosos no corpo do que o urânio original(12), apesar de o urânio ser bastante venenoso. Os EEUU da América usou urânio em Falluja e em Bagdá. E em Fallujah, 80 por cento dos bebês nascidos são grosseiramente deformados.(13) Eles estão sendo gerados sem cérebro, um único olho, sem braços... Os médicos pedem para que as mulheres parem de ter bebês. A incidência de cancer infantil tem subido cerca de doze vezes. Isso é genocídio – houve uma guerra nuclear no Iraque! O urânio que eles usaram dura mais de 4,5 bilhões de anos. Nós estamos contaminando o berço da civilização!
Em centrais nucleares, no entanto, há uma enorme quantidade de radiação: duzentos elementos. Alguns duram segundos, alguns duram milhões de anos. Iodo radioativo dura seis semanas, provoca câncer da tiróide. É por isso que as pessoas estão dizendo, "Melhor tomar iodeto de potássio," porque bloqueia a absorção pela tiróide de iodo radioativo, que mais tarde pode causar câncer de tireóide.
Em Chernobyl, mais de 20.000 pessoas desenvolveram câncer de tireóide.(14) Elas têm tido suas tireóides retiradas, e vão morrer a menos que tomem hormônio de tireóide todos os dias, como um diabético tem de tomar insulina.
Estrôncio-90 vai-se espalhar, ele tem a duração de 600 anos. Ele vai para o osso, onde ele causa câncer ósseo ou leucemia. Césio tem a duração de 600 anos – e está sobre toda a Europa. 40 por cento da Europa está ainda radioativa, desde Chernobil. Comida turca é extremamente radioativa. Não compre frutas secas, damascos, ou avelãs turcas. Os turcos ficaram tão irados com os russos depois de Chernobyl que eles enviaram todo seu chá radioativo para a Rússia.(15)
Quarenta por cento da Europa está ainda radioativa. Fazendas na Grã-Bretanha, seus cordeiros são tão cheios de césio que eles não podem vendê-los. Não coma alimentos europeus!
Mas isso não é nada comparado ao que está acontecendo agora. Um dos mais mortais entre os subprodutos nucleares é o plutônio, em homenagem a Plutão, Deus do submundo. Um milionésimo de grama, se você inalasse, iria dar-lhe cancer. Hipoteticamente, um quilo de plutônio uniformemente distribuído poderia dar câncer a todos sobre a terra. Cada reator tem 250 kg de plutônio. Você só precisa 2,5 kg para fazer uma bomba atômica, porque é com plutônio que eles fazem bombas.
Assim, qualquer país que tenha um reator trabalha com urânio. O Canadá é o maior exportador de urânio do mundo.(16) O Canadá vende duas coisas: vende trigo para a vida e urânio para morte. O Plutônio vai sair do Japão e vai-se espalhar por todo o hemisfério norte. Ele já está caminhando para América do Norte, agora. Iodo radioativo, além de estrôncio, além de césio, mais o trítio e eu poderia numerar muitos produtos radioativos.
Quando chove, a água carrega esses produtos para o solo e ele acaba em nossa comida. Se ele fica no mar, as algas os concentram centenas de vezes. E os crustáceos os concentram, centenas de vezes. E, em seguida, os peixes; então os peixes grandes; então nós.(17) Porque estamos no ápice da cadeia alimentar.
Você não pode sentir o sabor desses elementos radioativos nos alimentos, você não pode vê-los, você não pode cheirá-los. Eles são silenciosos. Quando você os coloca dentro do seu corpo, você não vai cair morto de câncer de repente; leva cinco a sessenta anos para aparecer o câncer; e, quando você sente uma protuberância no seu peito, ele não diz, "eu foi feito por estrôncio-90, em um pedaço de peixe que você comeu há vinte anos."
Toda radiação é prejudicial. É cumulativa – cada dose que você recebe adiciona ao seu risco de contrair câncer. O amerício é mais perigoso do que de plutônio – eu poderia falar sobre isso por muito tempo. Depende se chove e se você se molha. Se chove, a radiação vem para baixo; não cultive alimentos e não coma a comida – e eu digo para não comê-la por 600 anos!
No Canadá, resíduos radioativos de energia nuclear vão ser enterrados, ouvi dizer, próximo ao Lago Ontário. Eles vão vazar, durar milhões de anos; eles vão parar na água e em cadeias alimentares. Resíduos radioativos induzirão epidemias de câncer, leucemia e doenças genéticas para o resto dos tempos. Este é o maior risco de saúde pública que o mundo já testemunhou, além da ameaça, a cada dia, de uma guerra nuclear.
Einstein disse que "a divisão do átomo mudou tudo, menos o modo de pensar do homem" – muito profundo – "e por isso a marcha em direção a uma catástrofe sem precedentes". Nós somos arrogantes, temos um monte de arrogância e eu acho que os meio-cérebros reptilianos de alguns homens são um problema patológico.(18)
Estamos em uma situação onde podemos explorar a energia do sol. É ela está totalmente fora de controle. E simplesmente não há nada a fazer sobre isso.
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NOTAS:
1) Helen Caldicott é a fundadora de Médicos pela Responsabilidade Social e é a autora de O Novo Perigo Nuclear (The New Press, 2002).
2) "Chernobyl: consequências da catástrofe para as pessoas e o ambiente," anais da Academia de Ciências de New York
http://www.NYAS.org/publications/Annals/detail.aspx?Cid=f3f3bd16-51ba-4d7b-a086-753f44b3bfc1
3) "Efeitos na saúde do acidente de Chernobyl," Organização Mundial de Saúde. http://www-NS.IAEA.org/Appraisals/Chernobyl.ASP
4) "Consequências de Chernobyl Acidente Nuclear," Agência de Energia Atômica Internacional. http://www-NS.IAEA.org/Appraisals/Chernobyl.ASP
5) Para obter uma descrição geral do complexo, incluindo secções transversais dos seis reactores, consulte http://en.wikipedia.org/wiki/Fukushima_I_nuclear_accidents
6) http://en.wikipedia.org/wiki/GE_Three
Trecho: Em 2 de fevereiro de 1976, Gregory C. Minor, Richard B. Hubbard e Dale G. Bridenbaugh forneceram informações secretas sobre os problemas de segurança em usinas nucleares. Os três engenheiros ganharam a atenção de jornalistas e suas divulgações sobre as ameaças de energia nuclear tiveram um impacto significativo. Eles cronometraram suas declarações para coincidir com suas renúncias de posições responsáveis na divisão de energia nuclear da General Electric, e mais tarde se estabeleceram como consultores sobre a indústria da energia nuclear para governos estaduais, agências federais e governos estrangeiros.
7) "Japonêses lutam para evitar colapsos mais profundos e crise nuclear depois do terremoto," New York Times, 12 de Março de 2011, por Hiroko Tabuchi e Matthew L. Wald
8) O manual de design da General Electric sobre reatores de água a ferver foi publicado em um documento PDF no site http://whatreallyhappened.com/content/ge-manual-bwr6-reactor-design-and-operation
9) http://en.wikipedia.org/wiki/Poisoning_of_Alexander_Litvinenko
Trecho: Alexander Litvinenko foi um ex-funcionário do serviço de segurança Federal Russo, FSB e KGB, que escapou da repressão na Rússia e recebeu asilo político no Reino Unido. Ele escreveu dois livros, "Explodindo a Rússia: terror de dentro" e " Grupo Criminoso Lubyanka ", onde ele acusou os serviços secretos russos de bombardeios em apartamentos russos e outros atos de terrorismo para levar Vladimir Putin ao poder. Em 1 de novembro de 2006, Litvinenko subitamente adoeceu e foi hospitalizado. Ele morreu três semanas mais tarde, se tornando a primeira vítima confirmada de síndrome letal de radiação aguda por Polônio-210-induzida. De acordo com os médicos, "o assassinato do Litvinenko representa um marco sinistro: o início de uma era de terrorismo nuclear". As alegações de Litvinenko sobre os erros de FSB, e suas acusações públicas, feitas em seu leito de morte, de que o Presidente russo Vladimir Putin estaria por trás de sua doença incomum, tiveram cobertura da mídia em todo o mundo.
10) "Maior perigo reside no combustível irradiado do que em reatores," Keith Bradsher & Hiroko Tabuchi, NY Times, 17 de Março de 2011. www.nytimes.com/2011/03/18/World/Asia/18spent.html
"Vista radiação se espalhando; reparos frenéticos em andamento,"David Sanger e William J. Broad, NY Times, 17 de Março de 2011. www.nytimes.com/2011/03/18/World/Asia/18intel.html
"EUA vê matriz de novas ameaças na usina nuclear do Japão," James Glanz e William J. Broad, NY Times, 6 de abril de 2011. www.nytimes.com/2011/04/06/World/Asia/06nuclear.html
"Concentrar-se na prevenção de explosões na usina nuclear do Japão," Mari Yamaguchi, Associated Press, 6 de abril de 2011. http://News.yahoo.com/s/AP/20110406/ap_on_bi_ge/as_japan_earthquake_654
13) "USA acusados de usar gases venenosos em Fallujah," Democracy Now, segunda-feira, 29 de novembro de 2004. http://www.democracynow.org/2004/11/29/u_s_accused_of_using_poison
"Provas de extensos crimes de guerra, sem precedentes nos anais da história legal," Niloufer Bhagwat, Global Research, 11 de Dezembro de 2004. http://globalresearch.ca/articles/BHA412A.html
"Armas de urânio empobrecido: bebês mortos no Iraque e no Afeganistão não são nenhum gracejo," por Dave Lindorff, Global Research, 20 de outubro de 2009. http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va & aid = 15744
"As consequências de um crime de guerra dos EEUU: taxa de câncer em Fallujah pior do que Hiroshima," Tom Eley, mundo socialista, 23 de julho de 2010. http://www.wsws.org/articles/2010/jul2010/Fall-J23.shtml
"Aumentam as conecções de pesquisa entre defeitos congênitas e cancer em Fallujah e o ataque dos EEUU," Martin Chulov, The Guardian/Reino Unido, 31 de Dezembro de 2010. http://www.Commondreams.org/Headline/2010/12/31
14) "Impacto dos problemas de tireoide causados por Chernobil continua," por Mary Shomon, 15 de Dezembro de 2003. http://thyroid.about.com/CS/nuclearexposure/a/chernob.htm
15) "Autoridades mentiram sobre impacto de Chernobil na Turquia," relatório do Greenpeace. http://www.blackraiser.com/Cherno.htm
16) SÁBIO relatório sobre o mercado de urânio em todo o mundo. http://www.Wise-Uranium.org/umkt.html
"Por que o urânio é importante para o Canadá?" Associação Nuclear Canadense, http://www.cna.ca/english/pdf/nuclearfacts/04-NuclearFacts-uranium.pdf