14 de nov. de 2015

O tempo das grandes mudanças chegou!




O artigo abaixo alastrou-se pela Internet, recentemente, em diversas línguas. Trata-se de uma perspectiva da situação mundial do ponto de vista de um analista de sistemas. É um artigo fascinante! O autor, Rostislav Ischenko, fornece uma visão esclarecedora da luta que está a ocorrer nos mais altos escalões de comando do sistema capitalista, bem como nos dá alguma pista sobre para qual direção as decisões estão nos levando. Infelizmente, ele também mostra que não há nenhuma entrada democrática no jogo – por exemplo, os representantes (políticos) que escolhemos não estão realmente nos representando; e além disso, dado o nível de lavagem cerebral (privação de acesso à verdade) pela mídia convencional de massa (MCM), não haverá uma revolta popular para mudar essa situação... Na verdade, eu arriscaria dizer que, se não fosse pelas decisões corajosas tomadas pela Rússia no domínio militar, e pela China no econômico, nós já estaríamos caindo no abismo...

 

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O tempo está se esgotando para os apologistas da Pax Americana

Desde que a guerra na Síria demonstrou a inferioridade do armamento dos EUA comparado ao da Rússia, a questão do fim da hegemonia americana deve ser revista. De acordo com Rostislav Ischenko, Washington precisa rapidamente tomar as decisões certas. Se Washington não conseguir superar suas próprias divisões imediatamente, perderá o controle dos eventos.

Rostislav Ischenko, Rede Voltaire, Moscow (Rússia), 

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O paradoxo da atual crise global é que, nos últimos cinco anos, todas as Nações relativamente responsáveis e independentes têm feito esforços tremendos para salvar os Estados Unidos do desastre financeiro, econômico, militar e político que avulta. E isto apesar dos movimentos igualmente sistemáticos de Washington para desestabilizar a ordem mundial, corretamente conhecida como a "Pax Americana" ("paz americana").

Desde que a política não é um jogo de soma-zero, isto é, perda de um dos participantes não implica necessariamente em ganho para o outro, este paradoxo tem uma explicação lógica. Uma crise surge dentro de qualquer sistema quando há uma discrepância entre a sua estrutura interna e a soma total dos recursos disponíveis (ou seja, aqueles recursos eventualmente provarão ser inadequados para o sistema funcionar normalmente e como de costume).

Há pelo menos três opções básicas para lidar com esta situação:

- Através da reforma, quando a estrutura interna do sistema evolui de forma a melhor corresponder aos recursos disponíveis.

- Através do colapso do sistema, quando o mesmo resultado é alcançado através da revolução.

- Através da preservação, quando os ‘inputs’ [entradas, dados] que ameaçam o sistema são eliminados pela força, e as relações dentro do sistema são cuidadosamente preservadas numa base de relação desigual (seja entre classes, estratos sociais, castas ou nações).

O método de preservação foi tentado pelas dinastias Ming e Qing na China, bem como a de Tokugawa Shogunate no Japão. Foi utilizado com sucesso (no século XIX) antes da era da globalização capitalista. Mas, nenhuma dessas civilizações orientais (embora bastante robustas internamente) sobreviveu à sua colisão com a civilização européia, tecnologicamente mais avançada (e, portanto, mais militarmente e politicamente poderosa). O Japão encontrou sua resposta no caminho da modernização (reforma) na segunda metade do século XIX, a China passou um século imersa no pântano da dependência semi-colonial e sangrentas guerras civis, até que a nova liderança de Deng Xiaoping foi capaz de articular sua própria visão de reformas de modernização.

Este ponto nos leva à conclusão de que um sistema pode ser preservado somente se ele estiver protegido contra qualquer influência externa indesejada, ou seja, se ele controlar o mundo globalizado.

A contradição entre o conceito de escapar da crise, que tem sido adotada pela elite dos EUA, e o conceito alternativo — proposto pela Rússia e apoiado pela China, em seguida, pelas outras nações do grupo BRICS, e, agora, uma grande parte do mundo — baseia-se no fato de que os políticos em Washington tomaram decisões a partir da premissa de que eles seriam capazes de totalmente controlar o mundo globalizado e orientar o seu desenvolvimento na direção que eles desejassem. Portanto, face à falta de recursos para sustentar os mecanismos que perpetuassem a sua hegemonia global, eles tentaram resolver o problema suprimindo energicamente os potenciais adversários para realocar recursos globais a seu favor.

Se tivessem sidos bem-sucedidos, os Estados Unidos teriam sido capazes de reprisar os acontecimentos do final da década de 1980-início da década de 1990, quando o colapso da União Soviética e do sistema socialista global sob o seu controle permitiu que o oeste escapasse da crise. Nesta nova fase, a questão é que não se trata simplesmente de realocar recursos a favor do Ocidente como um todo coletivo, mas unicamente a favor dos Estados Unidos. Esta mudança ofereceu ao sistema uma pausa que poderia ser usada para criar um regime para preservar relações desiguais, durante a qual o controle definitivo da elite americana sobre os recursos de energia, matérias-primas, finanças, e recursos industriais salvaguardá-la-ia do perigo de implosão interna do sistema, enquanto a eliminação de centros de poder alternativo protegeria o sistema de violações externas, tornando-o eterno (pelo menos por um período historicamente previsível).

A abordagem alternativa postulou que a totalidade dos recursos do sistema poderia ser esgotada antes que os Estados Unidos conseguissem gerar os mecanismos para perpetuar sua hegemonia global. Por sua vez, isso vai levar à tensão (e distensão) das forças que garantem a repressão imperial das nações existentes na periferia global, para o benefício do centro baseado em Washington, o que mais tarde suscitará o inevitável colapso do sistema.

Duzentos, ou mesmo cem anos atrás, os políticos teriam agido sob o princípio de que "o que está caindo, deve-se também empurrar" e se preparado para distribuir a herança de outro império em ruínas. No entanto, a globalização não só da indústria e do comércio mundial (que foi alcançada no final do século XIX), mas também a finança global, provocou o colapso do império americano através de uma política extremamente perigosa e cara para todo o mundo. Falando sem rodeios, os Estados Unidos poderiam ter enterrado a civilização sob seus próprios destroços.

Consequentemente, a abordagem russo-chinesa fez questão de oferecer a Washington uma opção de compromisso que endossa a erosão gradual, evolutiva da hegemonia americana, além da reforma incremental das relações internacionais financeiras, econômicas, militares e políticas com base no atual sistema de direito internacional.

A possibilidade de uma "aterragem suave" foi oferecida à elite dos Estados Unidos da América [1], a qual preservaria a grande parte da sua influência e ativos, enquanto gradualmente adaptando o sistema para melhor corresponder aos presentes fatos da vida (alinhando-o à reserva de recursos disponíveis), levando em conta os interesses da humanidade e não apenas de seu "escalão superior", como exemplificado pelas "300 famílias" que estão na verdade diminuindo para não mais de trinta.

No final, é sempre melhor negociar do que construir um mundo novo sobre as cinzas do velho. Especialmente porque houve um precedente global de acordos semelhantes.

Até 2015, a elite dos EUA (ou pelo menos aqueles que determinam a política dos EEUU) tinha certeza de que possuía força financeira, econômica, militar e política suficiente para paralisar o resto do mundo, preservando a hegemonia de Washington enquanto privando todos, incluindo (em sua fase final) mesmo o povo americano, de qualquer soberania política real ou direitos econômicos. Os burocratas europeus foram importantes aliados para essa elite – ou seja, o setor da burguesia cosmopolita, compradora da elite da UE, cujo bem-estar dependia de uma maior integração transatlântica (isto é, sob controle dos Estados Unidos) das entidades da UE (em que a premissa da solidariedade atlântica tornou-se dogma geopolítico) e da OTAN, embora isto estivesse em conflito com os interesses dos membros da União Europeia.

No entanto, a crise na Ucrânia, que se arrasta muito mais do que o inicialmente previsto, o impressionante surto de energia política e militar da Rússia ao mobilizar-se para resolver a crise Síria [2] (algo para o qual os EUA não tiveram uma resposta adequada) e, mais importante, a criação progressiva de entidades financeiras e econômicas alternativas que questionam a posição do dólar como moeda mundial de fato [3], forçaram um setor da elite da América, que é passível de comprometer-se, a despertar (por mais de 15 anos essa elite foi efetivamente excluída da participação em todas as decisões estratégicas).

As últimas declarações de Kerry [4] e Obama [5] – que hesitaram entre a vontade de considerar um acordo mutuamente aceitável em todas as questões contenciosas (até a Kiev foram dadas instruções "para implementar Minsk") e a determinação de continuar a política de confronto – são prova da crescente batalha que está sendo travada em Washington.

É impossível prever o resultado desta luta – muitos políticos de alto status e famílias influentes ataram seus futuros a uma agenda que preserva a dominação imperial para que ela seja renunciada sem dor. Na realidade, bilhões de dólares e dinastias políticas inteiras estão em jogo.

No entanto, podemos dizer com certeza absoluta que há uma determinada janela de oportunidade durante o qual pode ser feita qualquer decisão. E uma janela de oportunidade está se fechando que permitiria aos EUA fazer uma aterragem suave com alguns ‘trade-offs’ [compromissos, condições] básicos. A elite de Washington não pode escapar do fato de que eles estão enfrentando problemas muito mais graves do que aqueles de 10 a 15 anos atrás. Agora, a grande questão é como eles irão aterrizar, e embora esse pouso seja mais difícil do que poderia ter sido, e virá com custos, a situação ainda não é um desastre.

Mas, os EEUU precisam pensar rápido. Seus recursos estão encolhendo muito mais rápido do que os autores do plano de preservação imperial tinham esperado. À sua perda de controle dos países do BRICS pode ser adicionada a incipiente mas ainda razoavelmente rápida perda de controle sobre a política da UE, bem como o início das manobras geopolíticas entre as monarquias do Oriente Médio. As entidades financeiras e econômicas criadas e postas em marcha pelas nações do grupo BRICS estão a desenvolver-se em conformidade com a sua própria lógica, e Moscou e Pequim não serão capazes de retardar seu desenvolvimento enquanto aguardam que os EEUU descubram de repente sua capacidade de negociação.

O ponto de não retorno vai passar de uma vez por todas em 2016, e depois disso a elite dos EUA já não mais será capaz de escolher entre as disposições do compromisso e do colapso. A única coisa que ela então será capaz de fazer será bater a porta ruidosamente, tentando arrastar o resto do mundo atrás de si para o abismo.

Tradução: Marisa Choguill

Fonte: Oriental Review (Rússia)










[1] “The Foreign Policy of Russia: A New Phase”, by Sergey Lavrov, Voltaire Network, 17 December 2007.
[2] “KALIBRating the foe: strategic implications of the Russian cruise missiles’ launch”, by Vladimir Kozin, Oriental Review (Russia), Voltaire Network, 14 October 2015.
[3] “Grandmaster Putin’s Trap”, Dmitry Kalinichenko, Oriental Review, December 25, 2014.
[4] “Interview With Askar Alimzhanov of Mir TV”, John Kerry, November 2, 2015.
[5] “Speech by Barack Obama at 70th UN General Assembly”, by Barack Obama, Voltaire Network, 28 September 2015.

2 de nov. de 2015

O mundo está mudando rápido!


Por um bom tempo, deixei de publicar neste blog. Havia, e ainda há, muito desespero no ar, muita incerteza... O mundo está mudando rapidamente, e a cada dia as apreciações eram, e ainda são, alteradas por novos acontecimentos. Mas, hoje, parece que, finalmente, está havendo alguma possibilidade de previsão do que o futuro nos espera.

O artigo abaixo, do intelectual francês Thierry Meyssan, revela, pela primeira vez, o rumo que essa mudança no mundo está tomando. Há ainda muito conflito no ar; mas, já podemos começar a ter esperança em um mundo mais justo, mesmo que leve tempo para se realizar.
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Em direção a uma inversão da situação no Oriente Próximo

Os dias da «Primavera árabe» estão quase no fim. A partir de agora, a Casa Branca e o Kremlin estão redesenhando os contornos do «Grande Oriente Médio ». No entanto, o seu acordo, que foi celebrado antes da intervenção militar russa na Síria, ainda pode ser modificado pelas alterações no equilíbrio do poder. Não há nenhuma prova de que Moscou irá aceitar a estabilização da Síria ou ignorar a partição da Turquia e da Arábia Saudita, que estão prestes a começar. Em qualquer caso, a agitação futura irá modificar o status quo que tem estado em vigor nos últimos cinco anos. A maioria dos poderes implicados, portanto, está lutando para mudar de lado antes dos outros jogadores.

por Thierry Meyssan, RedeVoltaire | Damasco (Síria) | 2 de novembro de 2015




Qualquer que seja seu país de origem, a imprensa está atualmente demasiadamente ocupada com a análise da posição do seu próprio Estado no conflito do Oriente Próximo para tomar qualquer conhecimento das negociações globais em curso entre a Casa Branca e o Kremlin [1]. Como resultado, ela está interpretando mal certos eventos secundários. A fim de clarificar a atual agitação diplomática, temos de rever o acordo EUA-Rússia de setembro passado.

A parte pública do presente acordo foi formulada pela Rússia em um documento distribuído em 29 de setembro no Conselho de Segurança das Nações Unidas [2]. Ele indica que para restabelecer a paz e estabilidade, no norte da África e no Oriente Médio, é essencial – e suficiente-
(1) aplicar as resoluções do Conselho de Segurança – o que implica nomeadamente a retirada de Israel para suas fronteiras de 1967 – e
(2) combater a ideologia terrorista – em outras palavras, lutar contra a Irmandade Muçulmana, criada pelo Reino Unido e apoiada pela Turquia, e o Wahabismo propagado pela Arábia Saudita.

Havia sido originalmente planejado que a Rússia iria clamar pela adoção de uma resolução para este fim durante a reunião do Conselho de Segurança de 30 de setembro. No entanto, os Estados Unidos se opuseram a essa iniciativa menos de uma hora antes dessa reunião [3]. Sergey Lavrov, portanto, presidiu as conversações sem mencionar seu projeto. Este grande evento apenas pode ser interpretado como um desacordo tático, o qual não deve bloquear o acordo estratégico.

No dia 20 de outubro, no Kremlin, o Presidente Vladimir Putin recebeu seu homólogo sírio, Bachar el-Assad, na presença de seus Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, o Secretário-Geral do Conselho Russo de Segurança Nacional e o Chefe dos Serviços Secretos. A reunião centrou-se na aplicação do plano Rússia-EUA, incluindo o acordo do Comunicado de Genebra de 30 de junho de 2012 [4]. O Presidente el-Assad apontou que ele estava seguindo as instruções desse Comunicado e, em particular, que ele tinha integrado no seu governo os partidos da oposição que haviam solicitado participação, como exigido no documento do Comunicado por um Corpo Governante de Transição.

Tendo verificado que ambos tinham o mesmo entendimento do Comunicado de Genebra, Rússia e Estados Unidos decidiram trazer os Estados dissidentes em linha, ou seja, França, Turquia e Arábia Saudita. Desde que eles entenderam que a posição francesa não se baseava em quaisquer interesses realistas e só poderia ser explicada por uma fantasia colonial e pela corrupção do governo francês pelo dinheiro da Arábia Saudita e da Turquia [5], a Casa Branca e o Kremlin decidiram agir somente sobre a origem do problema - em outras palavras, Turquia e Arábia Saudita. No dia 23 de outubro, John Kerry e Sergey Lavrov, portanto, receberam suas contrapartes turcas e sauditas em Viena. Nenhum texto final foi publicado. No entanto, parece que a Rússia ameaçou os dois hóspedes sem que os Estados Unidos tivesse vindo à sua defesa.

Assustada com a idéia de um possível acordo entre a Rússia e os Estados Unidos contra a Turquia e a Arábia Saudita, a França convocou um «jantar de trabalho» (em vez de uma «cúpula diplomática») em Paris. Alemanha, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Itália, Jordão, Qatar, Reino Unido e Turquia «evocaram» (em vez de «decidiram») o destino da Síria. O formato deste encontro correspondeu à assembleia do «grupo» de «Amigos da Síria», com exceção do Egito, que secretamente já se aliou à Síria. O fato de terem sido obrigados a convidar os Estados Unidos poluiu a atmosfera da reunião e, mais uma vez, nenhum texto final foi publicado.

Finalmente, no dia 30 de outubro, os Estados Unidos e a Rússia organizaram uma assembleia qualificada mais ampla que incluiu todos os participantes das duas reuniões anteriores, além de Egito, China, Iraque, Irã, Líbano, Omã, União Europeia e Nações Unidas. Enquanto a imprensa revelou a presença do Irã, cuja participação tinha sido rejeitada em qualquer discussão sobre resolução desde o início do conflito, ela nada disse sobre o retorno do Egito de al-Sissi, que originalmente havia sido excluído pela França, mas que agora está entrando no estágio internacional graças à sua recente descoberta de reservas de petróleo. A imprensa também não disse nada sobre a ausência persistente da grande potência regional, Israel. Este último ponto só pode ser explicado no caso que o Estado hebreu ter obtido anteriormente uma garantia de que seria capaz de realizar um dos seus objetivos de guerra, a criação de um Estado colonial no norte da Síria.

Todos os participantes foram obrigados a assinar uma declaração final que apenas Rússia e Irã decidiram publicar [6]. Há uma boa razão para esta omissão – ela assinala a derrota dos falcões (do inglês ‘hawks’; aves de rapina) dos EUA. Com efeito, o ponto 8 do texto afirma que o «processo político» (e não a «fase de transição») será liderado pelos sírios, apropriado pelos sírios, e que o povo sírio vai decidir o futuro da Síria. Esta concepção de peso invalida o documento de Feltman que, por mais de três anos, constituiu-se no objetivo dos vários ‘hawks’ dos Estados Unidos, franceses, turcos e sauditas – ou seja, a capitulação total e incondicional da República Árabe Síria [7].

O projeto dos EUA continua, apesar do acordo com a Rússia

O próximo passo lógico, portanto, deve ser o comandado por Turquia, Arábia Saudita e França, que deve ser viável, enquanto os objetivos originais dos EUA são perseguidos.

Com relação à Turquia, seja qual for o resultado das eleições gerais de 1º de novembro, e especialmente no caso de uma vitória para o AKP – o partido da justiça e desenvolvimento [8], a guerra civil provavelmente continuará e se espalhará [9] até que o país seja dividido em dois, seguido pela fusão do Curdistão turco com o Curdistão iraquiano e um território árabe sírio ocupado pelos curdos sírios e pelos Estados Unidos. Já, as YPG (Unidades de Proteção do Povo) e os Estados Unidos estão trabalhando juntos para conquistar um território árabe no norte da Síria. Agora, as YPG, que, até o mês passado, estavam recebendo suas armas e sendo pagas por Damasco, virou-se contra a República Árabe da Síria. Sua milícia está invadindo as aldeias conquistadas, expulsando os professores, e reforçando a 'Curdização' das escolas. A língua falada pelos curdos, o curdo, que tinha anteriormente sido falada e ensinada nas escolas, tornou-se a linguagem única e obrigatória. A milícia da República Árabe Síria, particularmente os assírios, está agora reduzida à defesa de suas escolas contra seus compatriotas curdos [10].

Quanto ao rei Salman da Arábia Saudita, ele terá que engolir sua derrota no Iêmen – um vizinho que, oficialmente, ele tinha invadido para apoiar seu Presidente ausente, mas, na realidade, a fim de explorar, com Israel, a gasolina do «Setor Vazio» [11]. Um após o outro, os Emirados Árabes Unidos e o Egito deixaram a coligação; o primeiro após ter sofrido grandes perdas entre os seus oficiais, e o último, mais discretamente, deixando as operações militares inteiramente nas mãos dos israelenses. Os Houthis, empurrados para o norte pelos bombardeamentos, fizeram várias incursões na Arábia Saudita, onde eles destruíram bases aéreas militares e equipamentos. Os soldados sauditas, dos quais quase todos são estrangeiros lutando sob a bandeira da Arábia Saudita, desertaram em massa, obrigando o rei a emitir uma ordem legal contra a deserção. Para evitar um desastre militar, a Arábia Saudita, por conseguinte, solicitou a ajuda de novos aliados. Em troca de dinheiro, o Senegal enviou 6.000 homens, e o Sudão 2.000. a Mauritânia está hesitante quanto a enviar um contingente. Há um boato de que o rei também contatou o exército privado Academi (ex-Blackwater/Xe) que está atualmente a recrutar mercenários na Colômbia. Este fiasco é diretamente imputável ao príncipe Mohammed ben Salmane, que clama a iniciativa desta guerra. Desta forma, ele está enfraquecendo a autoridade de seu pai, o rei Salman, e causando descontentamento entre os dois clãs excluídos do poder, aqueles do ex-rei Abdallah e o do príncipe Bandar. Logicamente, o conflito deve levar a uma partilha da herança entre os três clãs e, consequentemente, à separação do Reino em três Estados diferentes.

Será somente depois da solução desses novos conflitos que a paz poderá vir para a região, exceto pela parte árabe que é colonizada pelo novo Curdistão, destinado a se tornar o ponto focal para a expressão do antagonismo regional em lugar da Palestina.

Mas, mesmo que já esteja escrito, o futuro permanece incerto. A inversão do equilíbrio de poder entre Washington e Moscou [12] terá modificado seu acordo.

Os ratos estão deixando o navio

Enquanto maus perdedores anunciam sem pestanejar que a intervenção militar na Síria não está produzindo os resultados esperados por Moscou, os jihadistas em fuga estão se reunindo no Iraque e na Turquia. O Chefe do Estado Maior dos EUA, General Joseph Dunford, admitiu durante uma audiência no Senado, no dia 27 de outubro, que a guerra estava a evoluir favoravelmente à República Árabe Síria [13]. E o Comandante Supremo da OTAN, General de Philip Breedlove, declarou durante uma Conferência de Imprensa no Pentágono, no dia 30 de outubro, que é um eufemismo dizer que a situação está evoluindo a cada dia e agora está ameaçando a segurança da Europa [14].

Somos obrigados a constatar que a aliança entre os partidários do caos e os partidários da recolonização não só perdeu na Síria, mas que a própria Aliança Atlântica já não pode pretender exercer a dominação global. Como resultado, uma tempestade repentina de agitação está soprando pelas chancelarias, muitas das quais agora estão declarando que está na hora de encontrar uma solução pacífica – o que sugere que até agora, pensavam diferente.

As consequências primárias das próximas «inversões de marcha» com relação à Síria serão primeiro a consagração dos papeis internacionais da República Islâmica do Irã e da Federação da Rússia – dois atores que a imprensa ocidental estava apresentando, há quatro meses, como estando totalmente isolados e em perigo de sofrer terríveis dificuldades econômicas. Esses dois poderes são agora poderosas forças militares - o Irã sendo grande força militar regional e a Rússia global. A segunda consequência será a permanência no poder do  Presidente el-Assad - o homem que, nos últimos cinco anos, todos diziam que «teria que sair».

Neste contexto, a propaganda de guerra continua livre, com a afirmação de que tanto o bombardeio russo ou o sírio está matando civis. Essas acusações são sustentadas pela organização central dos grupos terroristas, a Irmandade Muçulmana, por meio de seu Observatório Sírio para os Direitos Humanos. Ou então alega-se que a Rússia está ansiosa para negociar rapidamente porque sua intervenção está custando muito dinheiro – como se eles de alguma forma tivessem negligenciado questões orçamentárias durante a longa fase de preparação. Sempre com ideias brilhantes, o diretor da CIA, John Brennan, pretende que a Rússia se prepara para abandonar o Presidente el-Assad, mesmo depois de o Presidente Putin ter ridicularizado essa tentativa de auto-persuasão alguns dias antes, no Clube de Discussão Valdai Internacional.

Na França, a revolta está ganhando a classe política. Os quatro principais líderes da direita, Dominique de Villepin, François Fillon, Alain Juppé e Nicolas Sarkozy, cada um declarou que é um absurdo alienar a Rússia e se recusam a admitir a derrota na Síria. No entanto, Alain Juppé, que teve um papel central no início da guerra, particularmente através da assinatura de um tratado secreto com a Turquia, persiste em conservar o objetivo de derrubar a República Árabe Síria, mais tarde. À esquerda, vários líderes estão planejando viagens para Damasco, para o futuro próximo.

O pânico diante dessas mudanças evidentes é, na verdade, geral. Nicolas Sarkozy apressou-se ao lado do Presidente Putin, como fez o alemão Vice-Chanceler Sigmard Gabriel [15]. Ele declarou ser o caso para fechar o livro sobre as disputas e amarguras do passado e renovar o diálogo com a Rússia. Está mesmo na hora.


Lembre-se:
  •  A Declaração de Viena e o Programa de Ação de 30 de outubro de 2015 modificam o Comunicado de Genebra de 30 de junho de 2012. Não haverá nenhuma «fase de transição» na Síria porque a República Árabe Síria ganhou a guerra; mas, haverá um «processo político», que será determinado pelo voto do povo.

  •  A guerra na Síria deve acabar nos próximos meses, exceto no norte, onde os Estados Unidos e Israel estão tentando criar um estado independente colonial, dominado pelos curdos.

  •  Novas guerras estão em preparação – antes de tudo ao redor de um pseudo-Curdistão imposto sobre populações colonizadas não-curdas, e em seguida na Turquia e Arábia Saudita, a fim de dividir esses grandes Estados em vários Estados menores, em conformidade com o plano de 2001 para a «remodelação do Vasto Oriente Médio». Washington não hesita em destruir seus próprios aliados desobedientes, enquanto Moscou quer terminar com a Irmandade Muçulmana e o Wahabismo.

  •  A oposição na França e toda a classe dominante na Alemanha tomaram nota da ascensão do poder russo e iraniano e da queda futura da Turquia e da Arábia Saudita. Como resultado, eles estão buscando modificar a sua política.

Tradução
Marisa Choguill

NOTAS:
[1] “Moscovo e Washington entendem refundar as relações internacionais”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Outubro de 2015.
[2] « Proposition russe d’un débat au Conseil de sécurité sur le terrorisme », Réseau Voltaire, 1er octobre 2015.
[3] “Lavrov to chair Security Council’s meeting on fighting terrorism”, Tass, September 30, 2015.
[4] « Communiqué final du Groupe d’action pour la Syrie », Réseau Voltaire, 30 juin 2012.
[5] “Porque quer a França derrubar a República Árabe da Síria?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Outubro de 2015.
[6] “Joint Statement on the outcome of the multilateral talks on Syria”, Voltaire Network, 30 October 2015.
[7] “This political process will be Syrian led and Syrian owned, and the Syrian people will decide the future of Syria”.
[8] “Duas espinhas no pé de Obama”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 31 de Agosto de 2015.
[9] “Em direção ao fim do sistema Erdoğan”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Junho de 2015.
[10] “A Turquia em perigo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 28 de Julho de 2015.
[11] « Les États-Unis et Israël débutent la colonisation du Nord de la Syrie », Réseau Voltaire, 1er novembre 2015.
[12] “Os projectos secretos de Israel e da Arábia Saudita”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Junho de 2015. “Why is the West So Silent About The Yemeni War?”, by Martha Mundy, Counterpunch, Voltaire Network, 4 October 2015.
[13] “O Exército russo afirma a sua superioridade em guerra convencional”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Outubro de 2015.
[14] “Dunford Tells Senate Now is Time to Reinforce Iraqi Success Against ISIL”, Jim Garamone, DoD News, October 27, 2015.
[15] “Department of Defense Press Briefing by General Breedlove in the Pentagon Briefing Room”, October 30, 2015.
[16] “A Alemanha tenta safar-se do conflito sírio”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 29 de Outubro de 2015.





8 de mai. de 2015

Uma guerra está batendo à nossa porta. Como de costume, precisamos de mais um ano.

por Rostislav Ishchenko, The Saker, 2 de maio de 2015, traduzido para o inglês por Eugenia

Alexandre, o Abençoado, precisou de um ano extra para terminar a guerra com a Turquia, treinar recrutas já convocados, e implantar-se na fronteira ocidental não contra um exército de 200 mil, mas de meio milhão de homens de Napoleão, o qual não teria-se incomodado em recuar para o coração do Império.

Iosif Vissarionovic
h Stalin precisou de mais um ano para concluir a atualização técnica do exército, a formação de unidades motorizadas, e a implantação, na fronteira, da força capaz de encontrar o inimigo em igualdade de condições.

Isso por si só não significa que tais forças posicionadas teriam necessariamente lutado com sucesso. Em 1809, os austríacos, e, em 1939-1940, os franceses e britânicos, com mais do que suficiente tempo e recursos para se posicionar contra Napoleão e Hitler, respectivamente, tinham forças pelo menos iguais e, de algumas formas, superiores às dqueles exércitos. Os austríacos em 1809, bem como franceses e britânicos em 1939-1940, tomaram a iniciativa – decidiram quando escolher a ação ofensiva ou defensiva. Em ambos os casos, as derrotas, devido às estratégias superiores do Estado Maior das Forças Armadas de Napoleão e de Hitler, foram catastróficas.

Não obstante, todos concordamos que, antes da guerra, é melhor ter mais um ano que não tê-lo. Quanto melhor você se preparar para a guerra, melhores serão as chances de ganhá-la. E o que é mais importante, sua vitória viria sem um enorme custo em vidas humanas e perdas morais, o que, como regra, acompanha as guerras começadas com falhas.

Desta vez, precisamos novamente de cêrca de um ano…

Dez anos atrás, em 2005 , eu tive uma conversa com um colega meu – especialista em economia e finanças. Eu sempre valorizei as opiniões dele porque ele, uma pessoa de opiniões liberais, não é dogmático, mas capaz de fazer uma avaliação razoável das falhas do sistema, e, muitas vezes, foi capaz de descrever seus problemas com mais precisão do que o mais capaz dos seus adversários marxistas ortodoxos.

Nossa discussão incidiu sobre a inevitável (ambos concordamos nisso) crise do dólar. Argumentei que a crise já está acontecendo, mas Washington ainda tem os recursos para impedir que exploda em campo aberto, com impacto sobre todos os estratos da sociedade e se torna muito aparente, não só para o estreito círculo de políticos com acesso à informação, mas para toda a população do planeta. Meu colega não concordou com a afirmação de que o sistema do dólar esgotou seu potencial; mas, alegou que, com a ajuda de instrumentos financeiros e bancários, a ilusão de bem-estar pode ser mantida indefinidamente.

Deixe-me enfatizar que ele não só conhecia o sistema de dentro para fora (provavelmente, assim como Trotsky conhecia o sistema soviético), mas também foi bastante crítico quanto a ele, consciente de que cada sistema tem suas falhas inerentes e nenhum existe para sempre (cada um tem um recurso limitado). Com o ritmo mais rápido do processo histórico nas últimas décadas, o tempo de vida de cada sistema é medido, na melhor das hipóteses, em décadas (até o momento da nossa conversa, o sistema Bretton Woods já existiam há 60 anos e já havia se encontrado com as crises que resultaram em suas sérias mudanças).

Eu nunca subestimei a quantidade limitada de conhecimento econômico adquirido no curso de economia política, oferecido no Departamento de História da Universidade de Kiev, em 1987-1992, quando eu lá estudei.

É por isso que eu sempre reconheci a importância da economia para as decisões políticas; mas, em minhas próprias avaliações da situação política, inclusive na esfera económica, eu preferia confiar em meu conhecimento dos mecanismos políticos, os quais, a propósito, podem por vezes alterar a realidade econômica de forma irreconhecível.

Como isso pode acontecer – o governo ucraniano nos dá uma demonstração. Há 23 anos, ele tem agido contra os interesses econômicos nacionais; tendo conseguido eliminar quase completamente a economia nacional, ele começou a eliminar a população, também. Assim, a força política que acabou por ser mais forte que as leis econômicas (o poder político é incapaz de fazer essas leis funcionarem como deseja; mas, pode ignorá-las a ponto de provocar o colapso do estado e da sociedade).

Portanto, derivei minha conclusão de que a economia baseada no dólar já está em crise, e, portanto, de que a pax Americana também está entrando em crise, da avaliação dos processos nos ex-territórios soviéticos, iniciados, sem dúvida, pelos EUA. Por esse tempo, quatro tentativas de golpe de estado "coloridas" tinham tomado lugar (duas, entre 2000-2001 e 2004-2005, na Ucrânia, na Geórgia e no Quirguistão). Três delas foram bem sucedidas. Todas elas foram dirigidas contra a Rússia.

Se a economia do dólar estivesse trabalhando normalmente, os EUA não teriam qualquer necessidade de mudança para o modo de confronto nas suas relações com a Rússia. O importante é que Washington, ao contrário de seu comportamento habitual, não tentou iniciar uma guerra econômica contra a Rússia; mas, imediatamente envolveu-se em um confronto político, diplomático e informativo, ou seja, empregou os mecanismos que normalmente precedem as hostilidades militares "quentes", ou são usados  em vez dessas últimas na esperança de que o adversário capitule sem o uso de força militar.

Não é segredo que, naquela época, a Rússia foi integrada ao sistema econômico-financeiro global americano e estava tentando ativamente ser incorporada à estrutura política e militar de domínio global americana. Além disso, a Rússia estava disposta a aceitar o papel de sócio. O único obstáculo era que, estando consciente de suas forças armadas (arsenal nuclear) e econômicas (recursos naturais ilimitados), bem como da importância de sua posição estratégica (conexão de trânsito através da Eurásia), Moscou queria parceria especial. Essa exigência visava essencialmente ocupar a posição, no sistema político de Washington, um passo acima da UE.

A situação não exigia acentuada reação por parte dos Estados Unidos. Dentro do sistema existente, Washington tinha a opção de ir levando as negociações enquanto jogando com o tempo e, no momento oportuno, atinger a Rússia inesperadamente com um "golpe de misericórdia" e instantaneamente destruir sua economia, da mesma forma como destruiu a economia da Argentina, ou dos "Tigres asiáticos".

Em geral, se assumirmos que em 2005 a aparência dos Estados Unidos correspondia à realidade dos processos que ocorriam por trás da fachada, os EEUU não precisavam pagar por revoluções ‘coloridas’. Estrangular a Rússia num abraço poderia ter resolvido tudo de forma mais barata e mais eficaz. Assumindo o risco do confronto político e diplomático com a Rússia (que seria o resultado inevitável de organizar golpes ‘coloridos’), os EEUU ganharam apenas uma coisa – tempo.

Mas, o tempo se torna fator-chave em uma situação apenas quando você percebe que você está ficando mais fraco mais rápido do que o ritmo normal dos eventos históricos lhe daria chance de triunfo sobre seu adversário. Simplificando, você precisa derrotá-lo antes de que ele tenha a oportunidade de lhe destruir. No caso dos EEUU, uma súbita fraqueza crítica poderia atacar somente devido à crise da economia do dólar – todos os outros aspectos do poder dos EUA são derivados do poderoso dólar.

Sabendo que as elites dos Estados Unidos não são diferentes das elites chinêsa, russa ou de Madagascar, que vêem a crise apenas quando já está em cima deles (eles recebem todo tipo de previsões e acreditam sempre nas mais desejáveis; que é, aliás, como todas essas "corporações Rand" ganham dinheiro), eu tiro a única conclusão possível. Se, em 2005, os EUA organizaram um ataque à Rússia em tal escala que não puderia ser eventualmente interpretado como algo não intencional, ou uma provocação insignificante, ou o resultado da negligência de um ou dois departamentos, isso significa que a elite americana está plenamente ciente da crise. Eles começaram a gastar recursos a fim de a esconder do mundo e, tendo o conhecimento dos recursos disponíveis e de quão rápido eles são usados, podiam prever que o momento da quebra estava dentro de um ou dois anos.

A propósito, considerando a certeza de meu colega de que com a ajuda dos instrumentos bancários e outras manipulações financeiras os EUA poderiam sentir-se seguros até 2020, e corrigindo tal otimismo de um economista liberal, cheguei à conclusão de que o colapso inevitável do sistema ocorrerá entre 2015 e 2020. É por isso que escrevi na época que a filiação na União Aduaneira teria permitido Yanukovych não só continuar a ser presidente até 2015, mas mesmo se reeleger por mais 5 anos, após o qual o problema dos Estados Unidos teria ido embora, e ele teria sido salvo. Pela mesma razão, continuo insistindo por mais de um ano e meio que a solução militar para a crise ucraniana é possível a qualquer momento a partir do inverno de 2014 e até o início de 2016 (com uma solução mais cedo sendo mais provável do que mais tarde), considerando que tal solução política é possível não antes do fim de 2016-começo de 2017. Pode até ser mais tarde do que isso, visto que, até que os EUA capitulem, nada será resolvido;  mas, os EUA não desistirão facilmente e vão lutar até o amargo fim, como o terceiro Reich. Eles têm tudo a perder, e não se arrependem de nada e nem têm pena de ninguém.

Quero salientar mais uma vez que estas conclusões não são suportadas pelas colunas de dados estatísticos, pelo tamanho do exército ou pelo número e qualidade do armamento, dados sobre o crescimento econômico, etc. Em primeiro lugar, é quase impossível obter números precisos. Na maioria das vezes, mesmo os dados disponíveis para os escritórios do governo, para uso interno ,são imprecisos. Em segundo lugar, os dados são menos importantes do que sua interpretação por aqueles que tomam decisões. Desde que nós não temos nenhuma informação sobre as decisões tomadas, as ordens emitidas, ou operações iniciadas sob sigilo, podemos apenas avaliar a situação política baseando-nos nos movimentos que observamos.

Ou seja, na vida e no jogo de xadrez, na guerra e na política, cada movimento atravessa um conjunto de possíveis soluções e abre-se outras. Quanto mais movimentos você faz, mais claras podem ser vistas as metas (afinal, você sempre propositadamente evitar algo e igualmente propositadamente procura algo). Em determinadas fases de uma doença, um médico pode, com base apenas em dados médicos objetivos, diagnosticá-la sem sequer vê-la, determinar o prognóstico, e até mesmo dizer aproximadamente quanto tempo o paciente tem de vida. O mesmo é verdade no nosso caso – todos os lados têm feito um número suficiente de movimentos para evitar a possibilidade de retirada. As variações da vitória poderiam ser previstas nesta fase das hostilidades tão facilmente como se poderia prever a vitória na Grande Guerra Patriótica, em abril de 1943.

Deixe-nos considerar como a situação se desenvolveu. Quando os EUA iniciaram o ataque ‘colorido’ à Rússia, Moscou estava despreparada para responder adequadamente nas esferas políticas, econômicas ou militares. A Rússia foi completamente incorporada à economia do dólar, e qualquer tentativa de prejudicar a economia dos EUA resultaria em um efeito bumerangue amplificado muitas vezes para a economia russa. No início de 2000, a estabilidade política de hoje só poderia ser sonhada – oligarcas ainda estavam lutando com o estado pelo controle real sobre o país. Ao mesmo tempo, o crescente sentimento anti-oligarca na sociedade poderia a qualquer momento resultar em uma revolta popular "sem sentido e impiedosa", após a qual nada teria sido deixado do estado. O norte do Cáucaso ainda não se estabilizara; o país estava enfrentando uma ameaça terrorista. E, finalmente, a única força do exército russo na época era o arsenal nuclear. Mas não é aconselhável começar uma guerra nuclear com a menor provocação...

Assim, os dirigentes russos começaram lutas posicionais externas às vezes recuando, quando era inteiramente impossível segurar-se, às vezes contra-atacando, como, por exemplo, na Geórgia e na Síria. Não obstante, Moscou agiu muito cuidadosamente, evitando suspeita de oposição deliberada aos planos americanos. O Kremlin continuava insistindo sobre a parceria e acomodou solicitações americanas (como aprovando o trânsito ao Afeganistão). A diplomacia russa pública quase se humilhou implorando ao ocidente para retornar ao diálogo construtivo. A countra-intriga, com o estabelecimento de ONGs amigas-da-Rússia nos países sujeitos aos ataques ‘coloridos’, não era aparente, e o trabalho disfarçado com estruturas simples era invisível e não poderia possivelmente contrabalançar as ações maciças dos Estados Unidos.

Em geral, o objetivo principal era ganhar tempo, preservar criticamente importantes posições estratégicas, e reformar o espaço político e informativo interno, bem como a relação entre os sistemas econômicos e financeiros russos e globais de tal forma que daria a Moscou a chance de disputar com Washington, não só em termos iguais, mas mesmo com algumas vantagens táticas. Ao mesmo tempo, o trabalho clandestino no campo internacional, ou, simplificando, a busca por aliados potenciais e a preparação de alianças, estava sendo feito. E o exército estava sendo treinado e rearmado.

Na verdade, são precisamente esses planos de rearmamento do exército e da Marinha que nos provam que liderança russa considera o período entre 2015 e 2020 como crítico. Em 2015, esperava-se que o exército pudesse alcançar a capacidade de realizar uma operação estratégica por tempo limitado no teatro europeu, enquanto proporcionando segurança ao longo do perímetro de toda a fronteira russa. Até 2020, o exército (a julgar pelo sincronismo da entrega de armas e equipamentos) terá alcançado o nível de preparação para a guerra em grande escala na Europa.

Para realizar tudo isso, era preciso convencer os EUA de que a Rússia não iria romper as relações estabelecidas. Nesse sentido, até mesmo a reação de Moscou à agressão da Georgia na Ossétia do Sul foi medida requintadamente e, ao que parece,  não levantou sérias suspeitas em Washington. O uso das tropas russas depois do ataque às forças de paz russas foi compreensível para Washington. Um governo que se recusasse a responder adequadamente a tal situação perderia o apoio público e pode enfrentar o ressentimento das forças armadas. O fato de que os russos se absteveram de tomar Tbilisi e de destruir o estado georgiano também teve um efeito calmante. Ainda mais porque, naquela época, Medvedev era o Presidente da Rússia.

Recordemos o termo "parceria" [‘tandem’], amplamente usado não há muito tempo mas agora esquecido. Antes de a associação Putin-Medvedev emergir, o Kremlin demonstrara ao ocidente uma luta entre os liberais e os "siloviki" (ministérios de poder), assustando os EUA com a idéia de que, se os "siloviki" ganhassem, haveria um pandemônio. Mas os "liberais" ganharam. A propósito, estou convencido de que em Moscou os liberais e "siloviki" sinceramente acreditavam que estavam envolvidos em uma luta incessante uns com os outros (e realmente brigaram). Caso contrário, teria vazado há muito tempo a informação de que tudo isso era só blefe. Como o velho amigo Muller costumava dizer: "no Reich, não se pode acreditar em ninguém. Mas você pode acreditar em mim". No entanto, muito antes dessa frase de Bronevoy aparecer no filme "Os 17 Momentos da Primavera", todos os conhecidos ‘tecnólogos políticos’ (de Shang Yang a Machiavelli) aconselharam os governantes a, se possível, não compartilhar seus planos com ninguém, para evitar que eles se tornam conhecidos pelo inimigo. Como sabemos, é melhor prevenir do que remediar.

Por quatro anos, Washington esperou que Medvedev pudesse ser reeleito para o segundo mandato. Essa esperança não era totalmente infundada – receberam os sinais apropriados de Moscou. Só em 2012, quando Putin retornou ao posto de Presidente, e Medvedev, a despeito de toda a esperança liberal e os rumores sobre uma concorrência feroz na "parceria", nada fez para continuar no poder, os americanos parecem ter começado a entender que foram enganados. Mas, eles não estavam inteiramente convencidos. Afinal, o governo liberal de Medvedev, tão irritante para os patriotas, ainda permanecia. Assim, a lenda sobre a luta entre os liberais e os patriotas nos arredores de Putin parecia ainda válida. Muitos na Rússia ainda acreditam nela. Mas, não em Washington; não mais...

Mas, era tarde demais. A Rússia ganhara os necessários 10 anos para si. Se em 2004 os Estados Unidos tivessem organizado um confronto da mesma intensidade alcançada em 2014, Moscou teria pouca chance de resistir a ele. Naquela época, as sanções econômicas não passariam quase despercebidas pela maioria da população; metade dos aliados de hoje teria ficado no campo oposto, e a União Europeia, que hoje está sabotando abertamente (pelo menos, a ‘velha Europa’) a ‘cruzada’ americana, teria se juntado aos anti-russos sem um murmúrio. Além disso, a "quinta coluna" na Rússia era ainda forte. E muito mais do que isso foi realizado em dez anos.

Eu sei que tornou-se de bom gosto fazer comentários divertidos sobre o plano ‘inteligente’ de Putin;  mas, quero enfatizar que uma liderança atuando sem um plano estratégico é raramente bem sucedida, particularmente tão bem sucedida e em uma situação tão crítica. A Rússia de 2000 e a Rússia de 2015 são dois países diferentes. Se Putin alcançou tal sucesso sem um plano, sem um esforço coordenado de uma equipe bem escolhida (mesmo que nem todos na equipe soubessem precisamente o que estavam fazendo e por que), se tudo isso foi apenas uma série de coincidências, então as coisas são ainda melhores, já que o próprio Deus está do lado de Putin. Tão notável número de coincidências só poderia ser explicado por um plano estratégico, ou por intervenção divina, ou ambos. Todos estão livres para selecionar a explicação que preferem.

O que é importante para nós, porém, é que a Rússia conseguiu adiar, por quase dez anos, o grande confronto com a América, e usou esse tempo para se preparar para tal confronto, embora não completamente. Deixe-me dizer que apenas Yanukovych não percebeu a preparação para o golpe de estado na Ucrânia. O momento era óbvio – 2015. O falso começo do golpe em 2013 foi uma surpresa desagradável, não só para Moscou, mas também para Washington. A Rússia foi forçada a um conflito direto com a América antes do esperado. Os EUA não estavam ainda suficientemente desgastados e a Rússia ainda não ganhara força suficiente. No entanto, a situação na Ucrânia em outubro-novembro de 2013 deu motivos para otimismo cauteloso. Moscou poderia ter ganho, e teria ganho se não tivesse sido pela covardia patológica, estupidez e traição final de Yanukovych, complementada pela total incompetência e venalidade dos seus associados.

As capacidades militares do tipo resposta rápida foram suficientes para a Crimeia. Só podemos supor se teriam sido suficientes para a Ucrânia inteira. Muitos ainda pensam que tal risco deveria ter sido tomado. Infelizmente, esses ‘muitos’ nunca comandaram algo maior do que um batalhão de rebelde e nunca dirigiram nada mais significativo do que sua própria família. Aquele risco poderia vir a justificar-se; mas, também poderia ter levado a conseqüências muito desagradáveis. É por isso que é chamado "risco":  é impossível calcular todas as possibilidades, e as ações dos outros jogadores são desconhecidas. Assim, é possível alcançar-se um grande ganho, como, também, uma perda tão grande. Neste caso, Putin não apostou – ele era responsável pelo destino da Rússia. É por Isso que ele escolheu a opção mais segura – de jogar para ganhar tempo.

Sim, a luta do Donbass deu à Rússia o presente desse ano extra e pagou por esse ano com o sangue do seu povo. Agora, chegou a hora não só de pagar de volta as dívidas. O que chegou é o momento da verdade. A Rússia não poderia ter contado em esticar o jogo de gato e rato com Washington a fim de estender o período de calma para além de 2015. Devemos nos considerar com sorte pelo que obtivemos. A Rússia é muito mais forte agora e se libertou da dependência prejudicial da economia do dólar. Os EUA enfraqueceram tanto que os economistas que apenas há alguns anos pronunciavam, com autoridade, que até mesmo o pensamento de opor-se aos EUA seria impossível, dado o tamanho do PNB dos EEUU, de repente mudaram de idéia e agora pomposamente argumentam se a economia dos EUA quebraria este ano ou em 2016, e como exatamente isso aconteceria.

E agora, finalmente, eu cheguei a estes poucos parágrafos que são o objetivo de todo este artigo. Tudo oaquilo escrito acima serve o propósito de clarificar a linha de raciocínio. Deixe-me lembrá-lo de que, na minha opinião, os políticos sempre têm um número de opções que lhes permitem ignorar a situação economica real e as reais necessidades da economia nacional e tornar decisões obstinadas que, no entanto, são implementadas e muitas vezes levam a conseqüências catastróficas.

Eu mencionei a Ucrânia como um exemplo. Mais uma vez vou lembrá-lo de que, neste país, com a economia erradicada, o tesouro vazio, os sistemas políticos e administrativos destruidos, onde mercenários agrupados com gangues atuam no lugar da polícia ou da guarda nacional, neste país dilacerado pela guerra civil, os políticos (fracos políticos, inclusive na esfera intelectual) permanecem em suas posições por quase um ano e meio apesar do fato de que todas as suas decisões, sem exceção, vão contra os interesses da Ucrânia , da economia nacional, da sobrevivência da população e até mesmo do senso comum. Isto é devido ao recurso à estabilidade do estado, que se mantém em curso por inércia quando as estruturas do estado já estão essencialmente mortas. Como uma galinha que caminha por alguns minutos depois que sua cabeça foi cortada.

Por favor, lembre-se que a Ucrânia foi empurrada para uma guerra pelos EUA, os quais nem se incomodaram em esconder que o que eles precisavam não era a guerra de Kiev contra o Donbass, mas a guerra de Kiev contra a Rússia.

Atualmente , dos EUA estão à beira do colapso econômico e, possivelmente, desintegração territorial devido ao desaparecimento da estrutura política e administrativa. Este cenário é real e os EEUU irão enfrenta-lo em um futuro próximo. Obama ficaria feliz se isso não ocorresse em seu turno. Portanto, estrategicamente, os EUA perderam a guerra para a Rússia sem disparar um único tiro. No entanto, em 1943, a Alemanha também perdeu a guerra estrategicamente. Isso não impediu que Hitler tentasse vencer taticamente na batalha de Kursk. Não podemos dizer que tal tentativa foi completamente sem esperança de sucesso. Os alemães criaram uma ameaça real e, em lugares lugares, quase quebraram a frente. O cerco e a destruição do grupo de exércitos de Kursk teria conduzido à perda de quase um terço do pessoal e das armas que a URSS tinha na frente. Essa teria sido a terceira derrota massiva da URSS desde 1941. Os recursos de um país, incluindo os humanos, não são ilimitados. Hitler simplesmente tentou forçar a URSS a perder tanto quanto em 1941 – a perder muito mais soldados do que a Alemanha. As perdas, na proporção de 5:1, teriam sangrado a USSR a seco antes de a Alemanha perder a capacidade de resistir, e então teria sido necessário recorrer à paz com Hitler.

Da mesma forma, os americanos estão tentando ganhar taticamente a guerra que perderam estrategicamente. A abordagem principal não mudou – a Rússia deve estar em guerra. So que agora a UE está sendo recrutada, em adição à Ucrânia; pelo menos os membros da Europa oriental. Aqueles que não acreditam nisso devem tentar contar quantas vezes durante os últimos três meses diferentes políticos de vários países da UE têm declarado que a Europa não quer uma guerra com a Rússia, particularmente com a Ucrânia. Quando não há perigo de guerra, ninguém fala sobre isso. Voce já havia ouvido alguém na Mongólia afirmar três vezes em um dia que eles não têm nenhuma intenção de ir à guerra com a Rússia?

Desde que nem eu, nem voce, Putin, Obama, ninguém, exceto Deus, sabe quando a economia dos EUA vai entrar em colapso, em 2016, ou em 2020, os EUA precisa organizar uma guerra já este ano. Eles não vão lutar diretamente, naturalmente (alguém deve tirar as castanhas do fogo para eles). Mas, a guerra deve começar – não há nenhuma outra chance para os EUA se salvarem.

É por isso que estou a dizer que, mais uma vez, nos falta um ano extra. Aconteça o que acontecer com o dólar e a economia dos EUA, o regime de Kiev não tem chance de sobreviver até 2016. Já sobreviveu duas vezes mais do que se deveria razoavelmente contar. A queda da Ucrânia, que se tornou Stalingrado – um lugar simbólico – para os EUA, ou seja, uma derrota lá conduziria à humilhação e ao catastrófico declínio em seu prestígio (muito foi investido pelos Estados Unidos no golpe de Kiev e no apoio ao regime nazista, seus aliados também foram arrastados para a crise profundamente – em geral, muito estava em jogo), bem como à recusa automática da Europa em continuar a participar nos empreendimentos americanos. É por isso que Holland e Merkel ajudaram Putin a jogar com o tempo em Minsk-2. A perda da Europa significaria a perda do domínio global e a quebra do sistema financeiro, econômico e político dos EUA, testemunhados por uma humanidade chocada.

Considerando que os Estados bálticos limítrofes estão prontos para compartilhar o destino da Ucrânia, que um ‘Maidan’ está sendo preparado para a Bielo-Rússia com a finalidade de obter o envolvimento parcial dos recursos russos, que a Polônia está sendo envolvida mais e mais profundamente em seu apoio a Kiev, que os EUA estão empurrando a Roménia (conjuntamente com a Moldávia) a repetir a ‘façanha’ de Saakashvili, não na Ossétia mas na Transnístria, –todos os elementos da guerra a ser iniciada estão reunidos. Os EUA vão coagir a velha Europa a participar assim que os eventos se desdobrem. O que é importante é ter pelo menos um país-membro da UE oficialmente em guerra com a Rússia.

Uma vez que existem os Bálticos suicidas entre os membros recém adquiridos da UE, a guerra está à nossa porta. Pode não acontecer. Durante os últimos anos, os dirigentes russos colocaram o país fora dessas armadilhas; então, nada parece ser impossível. No entanto, a Rússia nunca, desde 1945, esteve tão perto de uma guerra como hoje.

Precisamos sobreviver neste verão. Depois disso, o perigo da guerra deve-se reduzir. Infelizmente, nós não somos os únicos que sabem disso, e não há realmente nenhum partido da paz em Washington.

Tradução:  Marisa Choguill