14 de nov. de 2015

O tempo das grandes mudanças chegou!




O artigo abaixo alastrou-se pela Internet, recentemente, em diversas línguas. Trata-se de uma perspectiva da situação mundial do ponto de vista de um analista de sistemas. É um artigo fascinante! O autor, Rostislav Ischenko, fornece uma visão esclarecedora da luta que está a ocorrer nos mais altos escalões de comando do sistema capitalista, bem como nos dá alguma pista sobre para qual direção as decisões estão nos levando. Infelizmente, ele também mostra que não há nenhuma entrada democrática no jogo – por exemplo, os representantes (políticos) que escolhemos não estão realmente nos representando; e além disso, dado o nível de lavagem cerebral (privação de acesso à verdade) pela mídia convencional de massa (MCM), não haverá uma revolta popular para mudar essa situação... Na verdade, eu arriscaria dizer que, se não fosse pelas decisões corajosas tomadas pela Rússia no domínio militar, e pela China no econômico, nós já estaríamos caindo no abismo...

 

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O tempo está se esgotando para os apologistas da Pax Americana

Desde que a guerra na Síria demonstrou a inferioridade do armamento dos EUA comparado ao da Rússia, a questão do fim da hegemonia americana deve ser revista. De acordo com Rostislav Ischenko, Washington precisa rapidamente tomar as decisões certas. Se Washington não conseguir superar suas próprias divisões imediatamente, perderá o controle dos eventos.

Rostislav Ischenko, Rede Voltaire, Moscow (Rússia), 

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O paradoxo da atual crise global é que, nos últimos cinco anos, todas as Nações relativamente responsáveis e independentes têm feito esforços tremendos para salvar os Estados Unidos do desastre financeiro, econômico, militar e político que avulta. E isto apesar dos movimentos igualmente sistemáticos de Washington para desestabilizar a ordem mundial, corretamente conhecida como a "Pax Americana" ("paz americana").

Desde que a política não é um jogo de soma-zero, isto é, perda de um dos participantes não implica necessariamente em ganho para o outro, este paradoxo tem uma explicação lógica. Uma crise surge dentro de qualquer sistema quando há uma discrepância entre a sua estrutura interna e a soma total dos recursos disponíveis (ou seja, aqueles recursos eventualmente provarão ser inadequados para o sistema funcionar normalmente e como de costume).

Há pelo menos três opções básicas para lidar com esta situação:

- Através da reforma, quando a estrutura interna do sistema evolui de forma a melhor corresponder aos recursos disponíveis.

- Através do colapso do sistema, quando o mesmo resultado é alcançado através da revolução.

- Através da preservação, quando os ‘inputs’ [entradas, dados] que ameaçam o sistema são eliminados pela força, e as relações dentro do sistema são cuidadosamente preservadas numa base de relação desigual (seja entre classes, estratos sociais, castas ou nações).

O método de preservação foi tentado pelas dinastias Ming e Qing na China, bem como a de Tokugawa Shogunate no Japão. Foi utilizado com sucesso (no século XIX) antes da era da globalização capitalista. Mas, nenhuma dessas civilizações orientais (embora bastante robustas internamente) sobreviveu à sua colisão com a civilização européia, tecnologicamente mais avançada (e, portanto, mais militarmente e politicamente poderosa). O Japão encontrou sua resposta no caminho da modernização (reforma) na segunda metade do século XIX, a China passou um século imersa no pântano da dependência semi-colonial e sangrentas guerras civis, até que a nova liderança de Deng Xiaoping foi capaz de articular sua própria visão de reformas de modernização.

Este ponto nos leva à conclusão de que um sistema pode ser preservado somente se ele estiver protegido contra qualquer influência externa indesejada, ou seja, se ele controlar o mundo globalizado.

A contradição entre o conceito de escapar da crise, que tem sido adotada pela elite dos EUA, e o conceito alternativo — proposto pela Rússia e apoiado pela China, em seguida, pelas outras nações do grupo BRICS, e, agora, uma grande parte do mundo — baseia-se no fato de que os políticos em Washington tomaram decisões a partir da premissa de que eles seriam capazes de totalmente controlar o mundo globalizado e orientar o seu desenvolvimento na direção que eles desejassem. Portanto, face à falta de recursos para sustentar os mecanismos que perpetuassem a sua hegemonia global, eles tentaram resolver o problema suprimindo energicamente os potenciais adversários para realocar recursos globais a seu favor.

Se tivessem sidos bem-sucedidos, os Estados Unidos teriam sido capazes de reprisar os acontecimentos do final da década de 1980-início da década de 1990, quando o colapso da União Soviética e do sistema socialista global sob o seu controle permitiu que o oeste escapasse da crise. Nesta nova fase, a questão é que não se trata simplesmente de realocar recursos a favor do Ocidente como um todo coletivo, mas unicamente a favor dos Estados Unidos. Esta mudança ofereceu ao sistema uma pausa que poderia ser usada para criar um regime para preservar relações desiguais, durante a qual o controle definitivo da elite americana sobre os recursos de energia, matérias-primas, finanças, e recursos industriais salvaguardá-la-ia do perigo de implosão interna do sistema, enquanto a eliminação de centros de poder alternativo protegeria o sistema de violações externas, tornando-o eterno (pelo menos por um período historicamente previsível).

A abordagem alternativa postulou que a totalidade dos recursos do sistema poderia ser esgotada antes que os Estados Unidos conseguissem gerar os mecanismos para perpetuar sua hegemonia global. Por sua vez, isso vai levar à tensão (e distensão) das forças que garantem a repressão imperial das nações existentes na periferia global, para o benefício do centro baseado em Washington, o que mais tarde suscitará o inevitável colapso do sistema.

Duzentos, ou mesmo cem anos atrás, os políticos teriam agido sob o princípio de que "o que está caindo, deve-se também empurrar" e se preparado para distribuir a herança de outro império em ruínas. No entanto, a globalização não só da indústria e do comércio mundial (que foi alcançada no final do século XIX), mas também a finança global, provocou o colapso do império americano através de uma política extremamente perigosa e cara para todo o mundo. Falando sem rodeios, os Estados Unidos poderiam ter enterrado a civilização sob seus próprios destroços.

Consequentemente, a abordagem russo-chinesa fez questão de oferecer a Washington uma opção de compromisso que endossa a erosão gradual, evolutiva da hegemonia americana, além da reforma incremental das relações internacionais financeiras, econômicas, militares e políticas com base no atual sistema de direito internacional.

A possibilidade de uma "aterragem suave" foi oferecida à elite dos Estados Unidos da América [1], a qual preservaria a grande parte da sua influência e ativos, enquanto gradualmente adaptando o sistema para melhor corresponder aos presentes fatos da vida (alinhando-o à reserva de recursos disponíveis), levando em conta os interesses da humanidade e não apenas de seu "escalão superior", como exemplificado pelas "300 famílias" que estão na verdade diminuindo para não mais de trinta.

No final, é sempre melhor negociar do que construir um mundo novo sobre as cinzas do velho. Especialmente porque houve um precedente global de acordos semelhantes.

Até 2015, a elite dos EUA (ou pelo menos aqueles que determinam a política dos EEUU) tinha certeza de que possuía força financeira, econômica, militar e política suficiente para paralisar o resto do mundo, preservando a hegemonia de Washington enquanto privando todos, incluindo (em sua fase final) mesmo o povo americano, de qualquer soberania política real ou direitos econômicos. Os burocratas europeus foram importantes aliados para essa elite – ou seja, o setor da burguesia cosmopolita, compradora da elite da UE, cujo bem-estar dependia de uma maior integração transatlântica (isto é, sob controle dos Estados Unidos) das entidades da UE (em que a premissa da solidariedade atlântica tornou-se dogma geopolítico) e da OTAN, embora isto estivesse em conflito com os interesses dos membros da União Europeia.

No entanto, a crise na Ucrânia, que se arrasta muito mais do que o inicialmente previsto, o impressionante surto de energia política e militar da Rússia ao mobilizar-se para resolver a crise Síria [2] (algo para o qual os EUA não tiveram uma resposta adequada) e, mais importante, a criação progressiva de entidades financeiras e econômicas alternativas que questionam a posição do dólar como moeda mundial de fato [3], forçaram um setor da elite da América, que é passível de comprometer-se, a despertar (por mais de 15 anos essa elite foi efetivamente excluída da participação em todas as decisões estratégicas).

As últimas declarações de Kerry [4] e Obama [5] – que hesitaram entre a vontade de considerar um acordo mutuamente aceitável em todas as questões contenciosas (até a Kiev foram dadas instruções "para implementar Minsk") e a determinação de continuar a política de confronto – são prova da crescente batalha que está sendo travada em Washington.

É impossível prever o resultado desta luta – muitos políticos de alto status e famílias influentes ataram seus futuros a uma agenda que preserva a dominação imperial para que ela seja renunciada sem dor. Na realidade, bilhões de dólares e dinastias políticas inteiras estão em jogo.

No entanto, podemos dizer com certeza absoluta que há uma determinada janela de oportunidade durante o qual pode ser feita qualquer decisão. E uma janela de oportunidade está se fechando que permitiria aos EUA fazer uma aterragem suave com alguns ‘trade-offs’ [compromissos, condições] básicos. A elite de Washington não pode escapar do fato de que eles estão enfrentando problemas muito mais graves do que aqueles de 10 a 15 anos atrás. Agora, a grande questão é como eles irão aterrizar, e embora esse pouso seja mais difícil do que poderia ter sido, e virá com custos, a situação ainda não é um desastre.

Mas, os EEUU precisam pensar rápido. Seus recursos estão encolhendo muito mais rápido do que os autores do plano de preservação imperial tinham esperado. À sua perda de controle dos países do BRICS pode ser adicionada a incipiente mas ainda razoavelmente rápida perda de controle sobre a política da UE, bem como o início das manobras geopolíticas entre as monarquias do Oriente Médio. As entidades financeiras e econômicas criadas e postas em marcha pelas nações do grupo BRICS estão a desenvolver-se em conformidade com a sua própria lógica, e Moscou e Pequim não serão capazes de retardar seu desenvolvimento enquanto aguardam que os EEUU descubram de repente sua capacidade de negociação.

O ponto de não retorno vai passar de uma vez por todas em 2016, e depois disso a elite dos EUA já não mais será capaz de escolher entre as disposições do compromisso e do colapso. A única coisa que ela então será capaz de fazer será bater a porta ruidosamente, tentando arrastar o resto do mundo atrás de si para o abismo.

Tradução: Marisa Choguill

Fonte: Oriental Review (Rússia)










[1] “The Foreign Policy of Russia: A New Phase”, by Sergey Lavrov, Voltaire Network, 17 December 2007.
[2] “KALIBRating the foe: strategic implications of the Russian cruise missiles’ launch”, by Vladimir Kozin, Oriental Review (Russia), Voltaire Network, 14 October 2015.
[3] “Grandmaster Putin’s Trap”, Dmitry Kalinichenko, Oriental Review, December 25, 2014.
[4] “Interview With Askar Alimzhanov of Mir TV”, John Kerry, November 2, 2015.
[5] “Speech by Barack Obama at 70th UN General Assembly”, by Barack Obama, Voltaire Network, 28 September 2015.

2 de nov. de 2015

O mundo está mudando rápido!


Por um bom tempo, deixei de publicar neste blog. Havia, e ainda há, muito desespero no ar, muita incerteza... O mundo está mudando rapidamente, e a cada dia as apreciações eram, e ainda são, alteradas por novos acontecimentos. Mas, hoje, parece que, finalmente, está havendo alguma possibilidade de previsão do que o futuro nos espera.

O artigo abaixo, do intelectual francês Thierry Meyssan, revela, pela primeira vez, o rumo que essa mudança no mundo está tomando. Há ainda muito conflito no ar; mas, já podemos começar a ter esperança em um mundo mais justo, mesmo que leve tempo para se realizar.
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Em direção a uma inversão da situação no Oriente Próximo

Os dias da «Primavera árabe» estão quase no fim. A partir de agora, a Casa Branca e o Kremlin estão redesenhando os contornos do «Grande Oriente Médio ». No entanto, o seu acordo, que foi celebrado antes da intervenção militar russa na Síria, ainda pode ser modificado pelas alterações no equilíbrio do poder. Não há nenhuma prova de que Moscou irá aceitar a estabilização da Síria ou ignorar a partição da Turquia e da Arábia Saudita, que estão prestes a começar. Em qualquer caso, a agitação futura irá modificar o status quo que tem estado em vigor nos últimos cinco anos. A maioria dos poderes implicados, portanto, está lutando para mudar de lado antes dos outros jogadores.

por Thierry Meyssan, RedeVoltaire | Damasco (Síria) | 2 de novembro de 2015




Qualquer que seja seu país de origem, a imprensa está atualmente demasiadamente ocupada com a análise da posição do seu próprio Estado no conflito do Oriente Próximo para tomar qualquer conhecimento das negociações globais em curso entre a Casa Branca e o Kremlin [1]. Como resultado, ela está interpretando mal certos eventos secundários. A fim de clarificar a atual agitação diplomática, temos de rever o acordo EUA-Rússia de setembro passado.

A parte pública do presente acordo foi formulada pela Rússia em um documento distribuído em 29 de setembro no Conselho de Segurança das Nações Unidas [2]. Ele indica que para restabelecer a paz e estabilidade, no norte da África e no Oriente Médio, é essencial – e suficiente-
(1) aplicar as resoluções do Conselho de Segurança – o que implica nomeadamente a retirada de Israel para suas fronteiras de 1967 – e
(2) combater a ideologia terrorista – em outras palavras, lutar contra a Irmandade Muçulmana, criada pelo Reino Unido e apoiada pela Turquia, e o Wahabismo propagado pela Arábia Saudita.

Havia sido originalmente planejado que a Rússia iria clamar pela adoção de uma resolução para este fim durante a reunião do Conselho de Segurança de 30 de setembro. No entanto, os Estados Unidos se opuseram a essa iniciativa menos de uma hora antes dessa reunião [3]. Sergey Lavrov, portanto, presidiu as conversações sem mencionar seu projeto. Este grande evento apenas pode ser interpretado como um desacordo tático, o qual não deve bloquear o acordo estratégico.

No dia 20 de outubro, no Kremlin, o Presidente Vladimir Putin recebeu seu homólogo sírio, Bachar el-Assad, na presença de seus Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, o Secretário-Geral do Conselho Russo de Segurança Nacional e o Chefe dos Serviços Secretos. A reunião centrou-se na aplicação do plano Rússia-EUA, incluindo o acordo do Comunicado de Genebra de 30 de junho de 2012 [4]. O Presidente el-Assad apontou que ele estava seguindo as instruções desse Comunicado e, em particular, que ele tinha integrado no seu governo os partidos da oposição que haviam solicitado participação, como exigido no documento do Comunicado por um Corpo Governante de Transição.

Tendo verificado que ambos tinham o mesmo entendimento do Comunicado de Genebra, Rússia e Estados Unidos decidiram trazer os Estados dissidentes em linha, ou seja, França, Turquia e Arábia Saudita. Desde que eles entenderam que a posição francesa não se baseava em quaisquer interesses realistas e só poderia ser explicada por uma fantasia colonial e pela corrupção do governo francês pelo dinheiro da Arábia Saudita e da Turquia [5], a Casa Branca e o Kremlin decidiram agir somente sobre a origem do problema - em outras palavras, Turquia e Arábia Saudita. No dia 23 de outubro, John Kerry e Sergey Lavrov, portanto, receberam suas contrapartes turcas e sauditas em Viena. Nenhum texto final foi publicado. No entanto, parece que a Rússia ameaçou os dois hóspedes sem que os Estados Unidos tivesse vindo à sua defesa.

Assustada com a idéia de um possível acordo entre a Rússia e os Estados Unidos contra a Turquia e a Arábia Saudita, a França convocou um «jantar de trabalho» (em vez de uma «cúpula diplomática») em Paris. Alemanha, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Itália, Jordão, Qatar, Reino Unido e Turquia «evocaram» (em vez de «decidiram») o destino da Síria. O formato deste encontro correspondeu à assembleia do «grupo» de «Amigos da Síria», com exceção do Egito, que secretamente já se aliou à Síria. O fato de terem sido obrigados a convidar os Estados Unidos poluiu a atmosfera da reunião e, mais uma vez, nenhum texto final foi publicado.

Finalmente, no dia 30 de outubro, os Estados Unidos e a Rússia organizaram uma assembleia qualificada mais ampla que incluiu todos os participantes das duas reuniões anteriores, além de Egito, China, Iraque, Irã, Líbano, Omã, União Europeia e Nações Unidas. Enquanto a imprensa revelou a presença do Irã, cuja participação tinha sido rejeitada em qualquer discussão sobre resolução desde o início do conflito, ela nada disse sobre o retorno do Egito de al-Sissi, que originalmente havia sido excluído pela França, mas que agora está entrando no estágio internacional graças à sua recente descoberta de reservas de petróleo. A imprensa também não disse nada sobre a ausência persistente da grande potência regional, Israel. Este último ponto só pode ser explicado no caso que o Estado hebreu ter obtido anteriormente uma garantia de que seria capaz de realizar um dos seus objetivos de guerra, a criação de um Estado colonial no norte da Síria.

Todos os participantes foram obrigados a assinar uma declaração final que apenas Rússia e Irã decidiram publicar [6]. Há uma boa razão para esta omissão – ela assinala a derrota dos falcões (do inglês ‘hawks’; aves de rapina) dos EUA. Com efeito, o ponto 8 do texto afirma que o «processo político» (e não a «fase de transição») será liderado pelos sírios, apropriado pelos sírios, e que o povo sírio vai decidir o futuro da Síria. Esta concepção de peso invalida o documento de Feltman que, por mais de três anos, constituiu-se no objetivo dos vários ‘hawks’ dos Estados Unidos, franceses, turcos e sauditas – ou seja, a capitulação total e incondicional da República Árabe Síria [7].

O projeto dos EUA continua, apesar do acordo com a Rússia

O próximo passo lógico, portanto, deve ser o comandado por Turquia, Arábia Saudita e França, que deve ser viável, enquanto os objetivos originais dos EUA são perseguidos.

Com relação à Turquia, seja qual for o resultado das eleições gerais de 1º de novembro, e especialmente no caso de uma vitória para o AKP – o partido da justiça e desenvolvimento [8], a guerra civil provavelmente continuará e se espalhará [9] até que o país seja dividido em dois, seguido pela fusão do Curdistão turco com o Curdistão iraquiano e um território árabe sírio ocupado pelos curdos sírios e pelos Estados Unidos. Já, as YPG (Unidades de Proteção do Povo) e os Estados Unidos estão trabalhando juntos para conquistar um território árabe no norte da Síria. Agora, as YPG, que, até o mês passado, estavam recebendo suas armas e sendo pagas por Damasco, virou-se contra a República Árabe da Síria. Sua milícia está invadindo as aldeias conquistadas, expulsando os professores, e reforçando a 'Curdização' das escolas. A língua falada pelos curdos, o curdo, que tinha anteriormente sido falada e ensinada nas escolas, tornou-se a linguagem única e obrigatória. A milícia da República Árabe Síria, particularmente os assírios, está agora reduzida à defesa de suas escolas contra seus compatriotas curdos [10].

Quanto ao rei Salman da Arábia Saudita, ele terá que engolir sua derrota no Iêmen – um vizinho que, oficialmente, ele tinha invadido para apoiar seu Presidente ausente, mas, na realidade, a fim de explorar, com Israel, a gasolina do «Setor Vazio» [11]. Um após o outro, os Emirados Árabes Unidos e o Egito deixaram a coligação; o primeiro após ter sofrido grandes perdas entre os seus oficiais, e o último, mais discretamente, deixando as operações militares inteiramente nas mãos dos israelenses. Os Houthis, empurrados para o norte pelos bombardeamentos, fizeram várias incursões na Arábia Saudita, onde eles destruíram bases aéreas militares e equipamentos. Os soldados sauditas, dos quais quase todos são estrangeiros lutando sob a bandeira da Arábia Saudita, desertaram em massa, obrigando o rei a emitir uma ordem legal contra a deserção. Para evitar um desastre militar, a Arábia Saudita, por conseguinte, solicitou a ajuda de novos aliados. Em troca de dinheiro, o Senegal enviou 6.000 homens, e o Sudão 2.000. a Mauritânia está hesitante quanto a enviar um contingente. Há um boato de que o rei também contatou o exército privado Academi (ex-Blackwater/Xe) que está atualmente a recrutar mercenários na Colômbia. Este fiasco é diretamente imputável ao príncipe Mohammed ben Salmane, que clama a iniciativa desta guerra. Desta forma, ele está enfraquecendo a autoridade de seu pai, o rei Salman, e causando descontentamento entre os dois clãs excluídos do poder, aqueles do ex-rei Abdallah e o do príncipe Bandar. Logicamente, o conflito deve levar a uma partilha da herança entre os três clãs e, consequentemente, à separação do Reino em três Estados diferentes.

Será somente depois da solução desses novos conflitos que a paz poderá vir para a região, exceto pela parte árabe que é colonizada pelo novo Curdistão, destinado a se tornar o ponto focal para a expressão do antagonismo regional em lugar da Palestina.

Mas, mesmo que já esteja escrito, o futuro permanece incerto. A inversão do equilíbrio de poder entre Washington e Moscou [12] terá modificado seu acordo.

Os ratos estão deixando o navio

Enquanto maus perdedores anunciam sem pestanejar que a intervenção militar na Síria não está produzindo os resultados esperados por Moscou, os jihadistas em fuga estão se reunindo no Iraque e na Turquia. O Chefe do Estado Maior dos EUA, General Joseph Dunford, admitiu durante uma audiência no Senado, no dia 27 de outubro, que a guerra estava a evoluir favoravelmente à República Árabe Síria [13]. E o Comandante Supremo da OTAN, General de Philip Breedlove, declarou durante uma Conferência de Imprensa no Pentágono, no dia 30 de outubro, que é um eufemismo dizer que a situação está evoluindo a cada dia e agora está ameaçando a segurança da Europa [14].

Somos obrigados a constatar que a aliança entre os partidários do caos e os partidários da recolonização não só perdeu na Síria, mas que a própria Aliança Atlântica já não pode pretender exercer a dominação global. Como resultado, uma tempestade repentina de agitação está soprando pelas chancelarias, muitas das quais agora estão declarando que está na hora de encontrar uma solução pacífica – o que sugere que até agora, pensavam diferente.

As consequências primárias das próximas «inversões de marcha» com relação à Síria serão primeiro a consagração dos papeis internacionais da República Islâmica do Irã e da Federação da Rússia – dois atores que a imprensa ocidental estava apresentando, há quatro meses, como estando totalmente isolados e em perigo de sofrer terríveis dificuldades econômicas. Esses dois poderes são agora poderosas forças militares - o Irã sendo grande força militar regional e a Rússia global. A segunda consequência será a permanência no poder do  Presidente el-Assad - o homem que, nos últimos cinco anos, todos diziam que «teria que sair».

Neste contexto, a propaganda de guerra continua livre, com a afirmação de que tanto o bombardeio russo ou o sírio está matando civis. Essas acusações são sustentadas pela organização central dos grupos terroristas, a Irmandade Muçulmana, por meio de seu Observatório Sírio para os Direitos Humanos. Ou então alega-se que a Rússia está ansiosa para negociar rapidamente porque sua intervenção está custando muito dinheiro – como se eles de alguma forma tivessem negligenciado questões orçamentárias durante a longa fase de preparação. Sempre com ideias brilhantes, o diretor da CIA, John Brennan, pretende que a Rússia se prepara para abandonar o Presidente el-Assad, mesmo depois de o Presidente Putin ter ridicularizado essa tentativa de auto-persuasão alguns dias antes, no Clube de Discussão Valdai Internacional.

Na França, a revolta está ganhando a classe política. Os quatro principais líderes da direita, Dominique de Villepin, François Fillon, Alain Juppé e Nicolas Sarkozy, cada um declarou que é um absurdo alienar a Rússia e se recusam a admitir a derrota na Síria. No entanto, Alain Juppé, que teve um papel central no início da guerra, particularmente através da assinatura de um tratado secreto com a Turquia, persiste em conservar o objetivo de derrubar a República Árabe Síria, mais tarde. À esquerda, vários líderes estão planejando viagens para Damasco, para o futuro próximo.

O pânico diante dessas mudanças evidentes é, na verdade, geral. Nicolas Sarkozy apressou-se ao lado do Presidente Putin, como fez o alemão Vice-Chanceler Sigmard Gabriel [15]. Ele declarou ser o caso para fechar o livro sobre as disputas e amarguras do passado e renovar o diálogo com a Rússia. Está mesmo na hora.


Lembre-se:
  •  A Declaração de Viena e o Programa de Ação de 30 de outubro de 2015 modificam o Comunicado de Genebra de 30 de junho de 2012. Não haverá nenhuma «fase de transição» na Síria porque a República Árabe Síria ganhou a guerra; mas, haverá um «processo político», que será determinado pelo voto do povo.

  •  A guerra na Síria deve acabar nos próximos meses, exceto no norte, onde os Estados Unidos e Israel estão tentando criar um estado independente colonial, dominado pelos curdos.

  •  Novas guerras estão em preparação – antes de tudo ao redor de um pseudo-Curdistão imposto sobre populações colonizadas não-curdas, e em seguida na Turquia e Arábia Saudita, a fim de dividir esses grandes Estados em vários Estados menores, em conformidade com o plano de 2001 para a «remodelação do Vasto Oriente Médio». Washington não hesita em destruir seus próprios aliados desobedientes, enquanto Moscou quer terminar com a Irmandade Muçulmana e o Wahabismo.

  •  A oposição na França e toda a classe dominante na Alemanha tomaram nota da ascensão do poder russo e iraniano e da queda futura da Turquia e da Arábia Saudita. Como resultado, eles estão buscando modificar a sua política.

Tradução
Marisa Choguill

NOTAS:
[1] “Moscovo e Washington entendem refundar as relações internacionais”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Outubro de 2015.
[2] « Proposition russe d’un débat au Conseil de sécurité sur le terrorisme », Réseau Voltaire, 1er octobre 2015.
[3] “Lavrov to chair Security Council’s meeting on fighting terrorism”, Tass, September 30, 2015.
[4] « Communiqué final du Groupe d’action pour la Syrie », Réseau Voltaire, 30 juin 2012.
[5] “Porque quer a França derrubar a República Árabe da Síria?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Outubro de 2015.
[6] “Joint Statement on the outcome of the multilateral talks on Syria”, Voltaire Network, 30 October 2015.
[7] “This political process will be Syrian led and Syrian owned, and the Syrian people will decide the future of Syria”.
[8] “Duas espinhas no pé de Obama”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 31 de Agosto de 2015.
[9] “Em direção ao fim do sistema Erdoğan”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Junho de 2015.
[10] “A Turquia em perigo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 28 de Julho de 2015.
[11] « Les États-Unis et Israël débutent la colonisation du Nord de la Syrie », Réseau Voltaire, 1er novembre 2015.
[12] “Os projectos secretos de Israel e da Arábia Saudita”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Junho de 2015. “Why is the West So Silent About The Yemeni War?”, by Martha Mundy, Counterpunch, Voltaire Network, 4 October 2015.
[13] “O Exército russo afirma a sua superioridade em guerra convencional”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Outubro de 2015.
[14] “Dunford Tells Senate Now is Time to Reinforce Iraqi Success Against ISIL”, Jim Garamone, DoD News, October 27, 2015.
[15] “Department of Defense Press Briefing by General Breedlove in the Pentagon Briefing Room”, October 30, 2015.
[16] “A Alemanha tenta safar-se do conflito sírio”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 29 de Outubro de 2015.