29 de mai. de 2016

Golpe paraguaio no Brasil: made in the USA

Reproduzo abaixo texto de Altamiro Borges, com excelente artigo anexo de Caco Schmitt e links para outros artigos.
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EUA retiram embaixadora.  Missão cumprida?
Altamiro Borges, 27 de maio de 2016
 
Liliana Ayalde, embaixadora dos Estados Unidos no Brasil. Seu posto anterior foi na embaixada dos EUA no Paraguai. Coincidência?

Num gesto inusitado, o presidente Barack Obama anunciou nesta quarta-feira (24) mudanças na embaixada ianque no Brasil.  A sinistra Liliana Ayalde, que ocupava o cargo nevrálgico desde 2014, será substituída pelo diplomata Peter McKinley.  Seu nome ainda será submetido ao Senado dos EUA, mas já recebeu, no mesmo dia, o agrément (anuência formal) do governo brasileiro – agora sob o comando do subserviente chanceler José Serra.  O novo embaixador tem 62 anos e conhece bem a realidade da América Latina.  Filho de estadunidenses, ele nasceu na Venezuela, fala português e espanhol com fluência e já atuou em vários países da região, sempre defendendo os interesses políticos e econômicos do império.

Segundo notinha publicada na Folha, jornal colonizado que padece do grave complexo de vira-lata, “McKinley é considerado no Departamento de Estado um diplomata experiente e talentoso – e, segundo várias fontes, uma escolha de peso.  O fato de ter sido embaixador no Afeganistão, um país em guerra, é citado como prova de competência...  Seu primeiro posto no exterior foi na Bolívia, onde trabalhou no setor consular.  De volta a Washington, continuou trabalhando com temas latino-americanos, como pesquisador e analista de inteligência com foco em El Salvador e Cuba.  Em seguida foi chefe do departamento que cuida de Angola e Namíbia e depois assistente especial para a África”.

Ainda são desconhecidos os motivos que levaram à inesperada troca na embaixada dos EUA no Brasil.  Chama atenção, porém, que nos últimos meses cresceram as críticas à atuação da “diplomata” Liliana Ayalde.  Ela foi acusada por vários especialistas em relações exteriores de participar, nos bastidores, do complô que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff.  Jornalistas e estudiosos do tema lembraram que Liliana Ayalde sempre foi destacada para desempenhar as suas funções em países “hostis” à politica imperialista dos EUA.  Agora, concluída a sua missão desestabilizadora, ela deixa o Brasil sem maior alarde ou questionamentos.

Em artigo publicado neste blog em setembro de 2013, os temores sobre a atuação da “diplomata” já tinham sido apontados: "Além de chegar ao país em meio ao escândalo da arapongagem da Agência de Segurança Nacional (NSA), Liliana Ayalde também traz inúmeras suspeitas em sua própria biografia.  Há quem garanta que a nova embaixadora é, na verdade, uma “espiã” do império.  Durante 24 anos, ela trabalhou na Usaid – a agência ianque de “ajuda internacional”, acusada de ser um dos principais braços da famigerada CIA e de servir de fachada para operações de espionagem e corrupção.  Este organismo teve ativa presença no Brasil no sombrio período da ditadura militar, financiando vários projetos de “cooperação”.  Em abril passado, o governo de Evo Morales expulsou os agentes da Usaid da Bolívia, acusando-os de ingerência política".

"Liliana Ayalde substitui o embaixador Thomas Shannon, que ficou no posto três anos e meio e deixou Brasília no início de setembro.  A substituição já estava prevista há três meses.  Diplomata de carreira, Ayalde serviu aos EUA na Nicarágua (1997-1999), Bolívia (1999-2005), Colômbia (2005-2008) e Paraguai (2008-2011) – nações com fortes tensões políticas e que despertam enorme cobiça do império.  Antes de desembarcar no Brasil, ela exercia o cargo de secretária assistente adjunta para a América Latina do Departamento de Estado dos EUA, chefiado pela sionista Roberta Jacobson...  Diante desta sinistra biografia, o governo brasileiro deve ficar de olho bem aberto para acompanhar os passos da “nova embaixadora”.  Os EUA já demonstraram do que são capazes para defender os seus interesses imperiais", concluía o artigo.

Ainda sobre a ação desestabilizadora da embaixadora agora substituída vale conferir o artigo de Caco Schmitt, postado no final de abril no blog RS-Urgente:

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O golpe é Paraguaio... e a embaixadora dos EUA é a mesma
Caco Schmitt, Marco Aurélio Weissheimer, abril, 2016

“O controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis.  Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro”.

A afirmação não é de agora e nem de quem critica o STF por não prender o Cunha, por enrolar a posse do Lula etc..  Foi feita há cinco anos pela pessoa que hoje é a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde.  A diplomata exercia o cargo de embaixadora no Paraguai  (de 2008 a 2011) quando se reportou ao governo norte-americano, relatando a situação do país.  Ela deixou o cargo poucos meses antes do golpe que destituiu o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, mas deixou o caminho azeitado.  Aqui no Brasil, no cargo desde outubro de 2013, essa personagem é cercada de mistérios e sua vinda pra cá, logo após o golpe parlamentar paraguaio, não foi gratuita.

Liliana Ayalde assumiu seu posto no Brasil cinco meses antes da Operação Lava Jato começar a fase quente.  Chegou discretamente, sem entrevistas coletivas, em meio à crise provocada pela denúncia do Wikleaks de que os norte-americanos espionavam a presidenta Dilma, o governo brasileiro e a Petrobras.  Segundo Edward Snowden, “a comunidade de espionagem dos USA e a embaixada norte-americana têm espionado o Brasil nos últimos anos como nenhum outro país na América Latina.  Em 2013, o Brasil foi o país mais espionado do mundo”, afirmou o ex-funcionário da CIA e ex-contratista da NSA.

A mídia brasileira, por óbvio, já preparando o golpe, de modo totalmente impatriótico, não divulgou para o povo brasileiro.  E escondeu a grave denúncia de Snowden, que afirmou:  “NSA e CIA mantiveram em Brasília equipe para coleta de dados filtrados de satélite.  Brasília fez parte da rede de 16 bases dedicadas a programa de coleta de informações – desde a presidente Dilma, seus funcionários, a Petrobras, até os cidadãos mais comuns foram controlados de perto pelos Estados Unidos”.

Liliana Ayalde veio ao Brasil comandar a embaixada de um país que fortalecia o bloco chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), contrário aos interesses do grande capital norte-americano;  e de um país que exerce forte influência sobre os países sul-americanos com governos populares, todos contrários aos interesses militares dos Estados Unidos na América do Sul.  A vinda da embaixadora pode ser mera coincidência?

Não.  Segundo informações oficiais da própria Embaixada norte-americana, Ayalde chegou ao Brasil com 30 anos de experiência no serviço diplomático.  Trabalhou na Guatemala, Nicarágua, Bolívia, Colômbia e, recentemente, como subsecretária de Estado adjunta para Assuntos do Hemisfério Ocidental, com responsabilidade pela supervisão das relações bilaterais dos Estados Unidos com Cuba, América Central e Caribe.  Anteriormente, serviu como vice-administradora sênior adjunta da USAID no Bureau para América Latina e Caribe.  Entre 2008 e 2011, ela serviu como embaixadora dos Estados Unidos no Paraguai”.  Ou seja:  sabe tudo de América Latina…

As “pegadas” reveladas

Na internet encontramos vários textos e análises feitas depois do golpe no Paraguai de 2012 que hoje ficam mais claros e elucidam os fatos.  Vejam o que escreveu o jornalista Alery Corrêa no Brasil em 5 Minutos:  “O golpe de Estado contra Fernando Lugo, presidente paraguaio, começou a ser orquestrado em 2008, mesmo ano de sua eleição, a qual colocou fim ao reinado de 60 anos do partido Colorado, mesmo partido do antigo ditador Alfredo Stroessner… A mesma Ayalde assumiu em agosto de 2013, sem muito alarde, a embaixada brasileira.  Segundo a Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil, ‘a embaixadora Liliana Ayalde vem ao Brasil com 30 anos de experiência no serviço diplomático’.  Em um momento de intenso acirramento político e disputa de poder.  O impeachment entra em pauta.  A imprensa mais agressiva do que nunca.  Não se tratasse de política, diríamos que foi mero acaso.  Ma,s sabemos que não existe falta de pretensão quando se trata dos interesses norte-americanos.  Na verdade, eles veem crescer a oportunidade de colocar as mãos no Pré-Sal brasileiro e estão conscientes das chances reais que possuem com e sem o PT em cena.  E, certamente, todas as possibilidades já foram avaliadas pelo imperialismo norte-americano.”

Outro texto é o da jornalista Mariana Serafini, no Portal Vermelho.  “Em um despacho ao departamento de Estado do dia 25 de agosto de 2009 – um ano depois da posse de Lugo – Ayalde afirmou que ‘a interferência política é a norma;  a administração da Justiça se tornou tão distorcida que os cidadãos perderam a confiança na instituição.’  Ou seja, apesar da agilidade do processo de impeachment, a embaixadora já monitorava a movimentação golpista três anos antes do julgamento político.  No mesmo despacho, afirmou que o ‘controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis.  Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro’.  ‘A presidência e vice-presidência da Corte são fundamentais para garantir o controle político, e os Colorados  (partido de oposição a Lugo, que ocupava a presidência) controlam esses cargos desde 2004.  Nos últimos cinco anos, também passaram a controlar a Câmara Constitucional da Corte’, relatou a embaixadora dos USA no Paraguai”.

No Paraguai, a embaixadora não ficou indiferente ao processo de impeachment, como ela mesma disse no relatório confidencial:  “Atores políticos de todos os espectros nos procuram para ouvir conselhos.  E a nossa influência aqui é muito maior do que as nossas pegadas”.

E deixaram muitas pegadas, segundo artigo de Edu Montesanti:  “No Paraguai, os golpistas agiam em torno da embaixadora.  Em 21 de março de 2011, a embaixadora recebeu em sua residência blogueiros paraguaios a fim de ‘conversar’ sobre paradigmas e diretrizes para aqueles setores societários que já estavam desempenhando importante papel na sociedade local.  Em tese, para conhecer melhor o trabalho deles, discutir a importância dos blogs na sociedade, e a importância da aproximação deles com os governos”.

Laboratório de golpes

Blogs, movimentos de internet, Senado, Suprema Corte… qualquer semelhança entre o golpe em curso no Brasil e o golpe paraguaio não é mera coincidência.  O golpe no Paraguai é considerado um dos mais rápidos da história:  foi consumado em 48 horas.  O presidente Fernando Lugo foi derrotado no Senado por 39 votos favoráveis ao impeachment e quatro contra.  Caiu em 22 de junho de 2012.  Uma queda rápida;  mas, que teve uma longa preparação…  Assim como no Brasil, cujo golpe começou a ser gestado não no dia das eleições presidenciais de outubro de 2014, quando a oposição questionou a seriedade das urnas e queria recontagem de votos, mas bem antes...  Quando?  Depois que o modelo paraguaio de golpe deu certo, conseguindo afastar pela via parlamentar um presidente democraticamente eleito pelo voto.

No seu artigo de junho de 2015, o jornalista Frederico Larsen afirma: “a destituição de Lugo, em 2012, foi o melhor ensaio realizado a respeito do que se conhece como golpe brando, o golpe de luva branca.  Trata-se de um método para desbaratar um governo sem a intervenção direta das Forças Armadas ou o emprego clássico da violência.  Para alcançar isso, basta gerar um clima político instável, apresentar o governo em exercício como o culpado pela crise, e encontrar as formas de dobrar a lei para derrubá-lo.  Foi isto o que, três anos atrás, aconteceu no Paraguai.”

E José de Souza Castro, em artigo no blog O Tempo, em 5 de fevereiro de 2015, profetizou:  “Dilma pode sentir na pele o golpe paraguaio”.  E destacou o papel da embaixadora Liliana:  “No Paraguai, ela preparou, com grande competência, o golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo.”

É o que acontece agora no Brasil:  um golpe parlamentar, com apoio da mídia golpista.  Um golpe paraguaio.

O Paraguai foi um dos países que mais sofreram com a ditadura militar patrocinada pelos Estados Unidos, nos 35 anos do general Alfredo Stroessner (1954 – 1989).  Foi a primeira democracia latino-americana a cair.  Depois caíram Brasil, Argentina, Chile e Uruguai.  No Paraguai, foi testado o modelo do combate à guerrilha a ser usado, os métodos cruéis de tortura trazidos dos USA pelo sádico Dan Mitrioni, e ali nasceu a famosa Operação Condor, um nefasto acordo operacional entre as ditaduras.  A CIA transformou o Paraguai no laboratório que testou o modelo de golpe militar a ser seguido e que derrubou governos populares e assassinou milhares de pessoas.  Agora, o Paraguai serviu novamente de laboratório de um novo tipo de golpe que está em curso no Brasil.

O que nos aguarda

Se o golpe se concretizar, o Brasil “paraguaizado” terá um destino trágico.  São raros os estudos sobre o que mudou no país vizinho pós-golpe parlamentar e jurídico;  mas, o artigo de um ano atrás de Frederico Larsen joga uma luz sobre as verdadeiras intenções do golpe:  “Suas primeiras medidas se basearam em outorgar poderes especiais ao Executivo, especialmente em matéria de segurança.  Deu vida à Lei de Segurança Interna, que permite ao governo, sem aprovação do Parlamento, a militarização e declaração de Estado de Sítio em regiões inteiras do país com a desculpa da luta contra a insurgência do Exército do Povo Paraguaio  (EPP).  Os movimentos camponeses denunciam que, com essa lei, os militares efetuam despejos e violações aos direitos humanos, favorecendo ainda mais a concentração da terra.  Conseguiu aprovar a lei de Aliança Público-Privada  (APP), que permite a intervenção de empresas nos serviços que são providos pelo Estado, como infraestrutura, saúde e educação.  Em especial, deu um estrondoso impulso à produção transgênica no setor agrícola”.

A publicação Diálogo – revista militar digital –, Forum das Américas, de 14/05/2010, manchetou a exigência da embaixadora Ayalde:  ““Devem ser repudiados todos os fatos que atentem contra a vida das pessoas e contra a propriedade privada”.  Portanto, os deputados golpistas, representantes da oligarquia rural, senhores da terra, e da UDR, que pressionam o golpista Temer para que o Exército cuide dos conflitos de terra, já estão adotando o modelo paraguaio contra os movimentos sociais.

Se o golpe paraguaio vingar no Brasil, retrocederemos em todas as áreas e, mais uma vez, gerações terão seus sonhos abortados, projetos adiados e a parcela fascista, preconceituosa e enfurecida da direita virtual sairá dos computadores e ganhará, de fato, poder nas ruas…


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Leia também:
·         - Embaixadora ou "agente" dos EUA?

27 de mai. de 2016

Mudança inesperada na postura do FMI


Um artigo realmente impressionante acaba de ser publicado no site Zero Hedge, o qual trata de uma mudança inesperada na postura do FMI, com possibilidade de implicações favoráveis aos países do Terceiro Mundo.  Leia e verifique:

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Em impressionante reversão, FMI culpa globalização de espalhar desigualdade, causando crashes no mercado


Tyler Durden, Zero Hedge, 27/05/2016 10:51 -0400


Em uma reviravolta impressionante para uma organização que repousa no alicerce "neoliberal" moderno  (um termo que o próprio FMI  [Fundo Monetário Internacional – International Monetary Fund] usa generosamente), também conhecido como sistema capitalista, durante a noite os autores do FMI Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani, e Davide Furceri publicaram uma pesquisa intitulada "Neoliberalism:  Oversold?" cujo tema é impressionante:  acusa o neoliberalismo e seu desdobramento imediato, a globalização e a ‘abertura financeira’, de causar não só a desigualdade mas, também, por fazer os mercados de capital instáveis.


A saber:


Há aspectos da agenda neoliberal que não estão dando resultados como seria esperado.  Nossa avaliação da agenda limita-se aos efeitos de duas condições:  remoção de restrições sobre a circulação de capital nas fronteiras de um país  (também chamada de liberalização da balança de capital) e consolidação fiscal, às vezes chamada de "austeridade", que é uma abreviação usada em referência a políticas para reduzir os déficits fiscais e os níveis de dívida.  Uma avaliação dessas políticas específicas  (ao invés da ampla agenda neoliberal) atinge três conclusões inquietantes:


·       Os benefícios em termos de aumento do crescimento parecem bastante difíceis de se estabelecer quando se olha para um amplo grupo de países.

·       Os custos em termos de maior desigualdade são proeminentes. Tais custos caracterizam o equilíbrio  [trade-off] entre os efeitos de crescimento e equidade de alguns aspectos da agenda neoliberal.

·       O aumento da desigualdade, por sua vez, compromete o nível e a sustentabilidade do crescimento.

Mesmo se o crescimento for o único ou principal objetivo da agenda neoliberal, os defensores da agenda ainda precisam prestar atenção para os efeitos distributivos.


Um momento...  Quer dizer que o FMI está-se tornando, gasp, marxista?  Será que a interação dramática do verão passado com a Grécia e seu breve mas memorável ex-Ministro das Finanças marxista, Yanis Varoufakis, deixou uma marca tão proeminente na subconsciência coletiva do FMI que este agora está rejeitando em demasia os princípios sobre os quais o FMI foi originalmente fundado?

 

Vamos continuar a ler para achar a resposta.


Eis aqui um parágrafo muito notável sobre a "globalização", isto é, a abertura financeira:

Além de aumentar as chances de um crash, a abertura financeira tem efeitos distributivos, aumentando sensivelmente a desigualdade.  Além disso, os efeitos da abertura sobre a desigualdade são muito mais elevados quando um crash acontece.


E o texto fica ainda melhor:


A crescente evidência da alta relação custo/benefício da liberalização da balança de capital, especialmente com relação a fluxos de curto prazo, levou o ex-Primeiro Vice Diretor do FMI, Stanley Fischer, agora o Vice Presidente do Conselho do Banco Central  (Reserva Federal) dos EUA, a exclamar, recentemente:  "a que propósito útil servem os fluxos internacionais de capital a curto prazo?"  Entre os governantes, hoje, há maior aceitação dos controles para limitar os fluxos de dívida a curto prazo que são vistos como susceptíveis de conduzir a – ou contribuir para com – uma crise financeira.  Embora não seja a única ferramenta disponível – taxa de câmbio e políticas financeiras também podem ajudar –, os controles de capital são uma viável, e às vezes a única, opção quando a fonte de uma expansão  [boom] insustentável de crédito é o empréstimo direto do exterior.


O FMI então adota em cheio a ideia da Árvore Mágica de Dinheiro  [Magic Money Tree] e reverte a um estilo observado pela primeira vez há vários anos, quando disse que a austeridade não era apenas ruim, mas a emissão de dívida pública ilimitada era provavelmente boa:


Os mercados em geral atribuem uma probabilidade muito baixa de crise da dívida aos países que têm um forte registro de ser fiscalmente responsáveis.  Tal registro lhes dá pretexto para decidir não aumentar os impostos ou cortar gastos produtivos quando o nível de endividamento é alto.  E para os países com um forte antecedente, o benefício da redução da dívida, em termos de seguro contra uma futura crise fiscal, acaba por ser incrivelmente pequeno, mesmo em níveis muito elevados de dívida/PIB. Por exemplo, mudar de um relação da dívida de 120% do PIB para 100% do PIB ao longo de alguns anos contribui muito pouco em termos de reduzir os risco de uma crise no país.


Mas, mesmo que o benefício do seguro seja pequeno, pode ainda valer a pena a incorrer se o custo é suficientemente baixo.  Acontece, porém, que o custo poderia ser grande, muito maior do que o benefício.  A razão é que, para chegar a um nível inferior de dívida, impostos que distorcem o comportamento econômico precisam ser aumentados temporariamente ou despesas produtivas precisam ser cortadas – ou ambos.  Os custos dos aumentos de impostos ou dos cortes de despesas necessárias para derrubar a dívida podem ser muito maiores do que o risco de redução da crise decorrente da dívida inferior.  Isto não significa negar que a dívida alta é ruim para o crescimento e o bem-estar.  Ela é. Mas o ponto chave é que o custo maior da dívida alta  (os chamados encargos da dívida) é tal que já terá sido incorrido e não pode ser recuperado;  é um custo perdido.  Perante uma escolha entre viver com uma dívida maior – permitindo que a relação da dívida decline organicamente através do crescimento – ou deliberadamente executando excedentes orçamentais para reduzir a dívida, os governos com amplo espaço fiscal farão melhor ao viver com a dívida.


Claro, o que tanto o FMI e os lunáticos da Árvore Mágica de Dinheiro não compreendem é que a única razão pela qual os juros da dívida não explodiram em um mundo que nunca teve mais dívida  (um processo que inevitavelmente termina em guerra) é graças à monetarização da dívida pelo banco central, e à atuação dos investidores frente aos bancos centrais.  Vamos voltar aos ‘custos baixos da dívida’ se e quando a inflação obrigar os bancos centrais a inverter o que tem sido um processo de mais de 30 anos que começou com a grande moderação e terminará ou com ‘dinheiro de helicóptero’  (e, portanto, a hiperinflação) ou com os bancos centrais sendo donos de todos os ativos  (e, portanto, a morte do capitalismo).


Mas, voltando ao discurso retórico do FMI, no caso de a dramática inversão da marcha do FMI em seu apoio a uma agenda neoliberal não estava clara, aqui está outra reiteração:


Em suma, os benefícios de algumas condições que são uma parte importante da agenda neoliberal parecem ter sido um pouco exageradas.  No caso da abertura financeira, alguns fluxos de capital, tais como o investimento estrangeiro direto, parecem conferir os benefícios reivindicados para eles.  Mas, para os outros, particularmente os fluxos de capital a curto prazo, os benefícios para o crescimento são difíceis de colher, enquanto que os riscos, em termos de maior volatilidade e risco aumentado de crise, avultam.  No caso de consolidação fiscal, os custos de curto prazo em termos de produção e bem-estar inferior e aumento do desemprego têm sido subestimados e a conveniência para países com amplo espaço fiscal de simplesmente viver com dívida elevada e permitindo que as relações da dívida declinem organicamente através do crescimento é subvalorizada.


Frase de efeito do FMI:


[D]esde que ambos abertura e austeridade estão associados com o aumento da desigualdade de renda, este efeito distribucional configura um ciclo de feedback negativo.  O aumento da desigualdade engendrada pela abertura financeira e pela austeridade pode em si minar o crescimento, a única coisa que a agenda neoliberal tem a intenção de impulsionar.  Agora, há fortes evidências de que a desigualdade pode diminuir significativamente o nível e a durabilidade do crescimento.


E aqui está o FMI a fazer o impensável e acenando para Marx:


A evidência dos danos econômicos da desigualdade sugerem que os responsáveis políticos devem ser mais abertos à redistribuição do que são.


Como um lembrete, isto está acontecendo poucos dias depois do Banco Central  [Fed] de St. Louis admitir que o Banco Central  [Federal Reserve] em si é, indiretamente, o motivo principal da atual desigualdade de riqueza recorde com seu foco sobre o "efeito riqueza" e aumentando os preços dos ativos.




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Qual é a conclusão de tudo isto?  Talvez que a promoção da redistribuição da riqueza global e o fim do capitalismo convencional estejam em andamento.


Como esta transição ocorrerá é desconhecido:  seja por decreto governamental, por mudança de regime, por um governo – paradoxalmente – global  (um em que o FMI teria todo o prazer em administrar a política monetária global) para controlar a globalização, ou mais simples de todos, por ‘dinheiro de helicóptero’, ainda não está claro.


Seja lá como for, alguma coisa está pra acontecer;  porque, para um texto impressionante como esse ser publicado, certamente teve que ser avaliado não só por todos os níveis executivos do FMI, mas certamente pré-aprovado por todas as instituições financeiras instituídas.


E isso deveria causar uma grande apreensão...


Aqui está o papel original do FMI, em inglês:  'Neoliberalism:  Oversold?'  (IMF)