29 de mar. de 2014

EEUU pretendem o isolamento da Rússia

No mundo do capital, o isolamento da Rússia é uma missão impossível. Entretanto, tudo indica que os EEUU estão dispostos a tudo para manter sua hegemonia. Confira.
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O "escudo"da nova Guerra Fria
Washington está tirando vantagem de sua derrota na Ucrânia: está fazendo os europeus se isolarem economicamente da Rússia, e já está impondo sobre eles a expansão de sua cobertura de míssil. Enquanto os meios de comunicação ocidentais focam na narrativa de eventos da OTAN (a assim chamada " anexação militar" da Criméia), a Aliança está implantando silenciosamente seu aparato imperial.


por Manlio Dinucci, REDE VOLTAIRE, Roma (Itália), 22 de março de 2014



O vice-presidente Joe Biden fez uma rápida visita à Polônia e a Estônia para garantir que, em face de "incursão desavergonhada da Rússia" na Ucrânia – um país determinado a construir "um governo para o povo" (garantido pelos neo-nazistas [1] que alçaram o poder pelo golpe de estado do "novo Gladio" [2]) –, os Estados Unidos reiteram o seu firme compromisso em conformidade com o Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte na "defesa coletiva". Como a Ucrânia é agora um membro de fato, mas não oficial, da OTAN, há sempre um "não-Artigo 5º", incitando membros a "executar missões em evolução não descritas nos termos do Artigo 5º", que foi promovido pelo governo italiano de Massimo D’Alema durante a guerra da OTAN na Iugoslávia em 1999, e mais tarde também aplicado para as guerras no Afeganistão, na Líbia e na Síria.

Para ajudar "a OTAN a emergir desta crise mais forte... do que ’nunca’", os Estados Unidos retomaram seu compromisso com a "defesa contra míssil" da Europa. No entanto, correlacionando a "defesa contra mísseis" à crise ucraniana, Joe Biden entregou o jogo. Washington manteve persistentemente que"escudo" dos EUA na Europa não é dirigido contra a Rússia, mas contra a ameaça dos mísseis iranianos. Em Moscou, pelo contrário, isso foi sempre entendido como uma tentativa de ganhar uma vantagem estratégica decisiva sobre a Rússia: os EUA poderiam manter isso sob a ameaça de um primeiro ataque nuclear, contando com a capacidade do "escudo" para neutralizar os efeitos de retaliação.[3]  O novo plano lançado pelo Presidente Obama, em comparação com o anterior, prevê um maior número de mísseis alinhados às portas da Rússia. Desde que estão sob controle dos EUA, ninguém pode descobrir se eles são interceptores ou mísseis nucleares.

Tendo rejeitado a proposta para gerenciar em conjunto com a Rússia a estação de radar de Gabala no Azerbaijão, os Estados Unidos começaram a construir na Polônia o local que hospedará 24 mísseis SM-3 do sistema Aegis. Além disso, o governo polaco comprometeu-se a dispor de mais de 30 bilhões euros para alcançar (com tecnologias dos EUA) o seu próprio "escudo" destinado a se integrar à estrutura dos Estados Unidos e da OTAN. E Joe Biden aplaudiu a Polônia pela sua disponibilidade a assumir "parte dos encargos financeiros, algo que todos os aliados devem fazer" (a Itália considerada). Outro local de míssil 24 SM-3, atualmente em construção na base aérea Deveselu na Romênia, vai se tornar operacional em 2015 e vai ser comandado por 500 soldados americanos. Essas instalações de mísseis compõem um super poderoso radar instalado na Turquia e radares móveis que pode ser rapidamente transportado para "posições avançadas".

O "escudo" também inclui a implantação no Mediterrâneo de navios de guerra equipados com radares e mísseis Aegis SM – 3. O primeiro – um míssil destróier USS Donald Cook – chegou no início de fevereiro na Base Naval de Rota, na Espanha, onde 1.200 marinheiros e 1.600 membros das suas famílias serão eventualmente alojados. Será seguido por outras três unidades (USS Ross, USS Porter e USS Carney). Mas é provável que o número será maior, pois a Marinha dos EUA já tem cerca de 30 desses navios. Eles patrulham continuamente o Mediterrâneo, prontos a entrar em ação a qualquer momento, conduzindo ao mesmo tempo, de acordo com a OTAN, "uma gama completa de operações de segurança marítima e exercícios bilaterais e multilaterais com as marinhas aliadas". A Marinha Espanhola já tem quatro fragatas equipadas com o sistema de combate integrado Aegis, o que os faz inter-operacionais com os navios dos EUA. O mesmo será feito com o Fremmfrigates da marinha italiana.

Um papel cada vez mais importante no "escudo" será desempenhado pelas diretivas e bases os EUA e da NATO na Itália: em Nápoles, casa do quartel-general dos EE e das forças navais aliadas; na Sicília, onde se situa a Estação Naval e Aérea Sigonella (que atenderá as unidades Aegis no Mediterrâneo); além do Sistema Objetivo Móvel do Usuário (Mobile User Objective System – MUOS), em Niscemi [4], para comunicações por satélite de alta freqüência. Todas as unidades navais Aegisno Mediterrâneo, novamente de acordo com a OTAN, estarão "sob o comando e o controle dos EUA." Isto significa que a decisão de lançar o míssil interceptador, presume-se, será prerrogativa exclusiva do Pentágono.

Enquanto prepara o "escudo", os EUA afiam suas facas. Para a crise ucraniana, eles implantaram outros 12 bombardeiros F-16na Polônia e outros 10 F-15 na Estônia, Letônia e Lituânia. Em breve, eles serão capazes de transportar as novas bombas nucleares B61-12 armazenadas na Europa (incluindo a Itália), para ser usadas como abrigo contra bombas Bunker. Moscou está tomando medidas defensivas, mas Washington marcou o primeiro ponto: a crescente tensão na Europa permite que os Estados Unidos aumentem sua influência sobre seus aliados europeus.

Com o Artigo 5º ou o não-Artigo 5º.

Tradução
Marisa Choguill

NOTAS:

[1] “Quem são os nazis no governo ucraniano?”, por Thierry Meyssan, Traduction Alva, Rede Voltaire, 5 de Março de 2014.

[2] « Le nouveau Gladio en Ukraine », par Manlio Dinucci, Traduction Marie-Ange Patrizio, Il Manifesto (Italie), Réseau Voltaire, 18 mars 2014.

[3] « Le bouclier antimissile et la première frappe », par Manlio Dinucci, Tommaso di Francesco, Traduction Marie-Ange Patrizio, Il Manifesto (Italie), Réseau Voltaire, 12 mars 2010.

[4] « Muos : Niscemi résiste à l’Empire », par Manlio Dinucci, Traduction Marie-Ange Patrizio, Il Manifesto (Italie), Réseau Voltaire, 21 mai 2013.

Síria, Ucrânia... O que pode acontecer, agora?

Até quando os ataques contra a Rússia vão continuar? Esta é uma pergunta que muitos têm feito, e a possibilidade de uma guerra termonuclear chegou até mesmo a ser sugerida.
No artigo abaixo, outras sugestões são feitas. Confira.
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Confronto global após Síria e Ucrânia
Ghaleb Kandil, REDE VOLTAIRE, Beirute (Líbano), 26 de março de 2014 



O que aconteceu na Ucrânia é um golpe de estado preparado pelos serviços de inteligência ocidentais para modificar o novo equilíbrio global, que ameaça a hegemonia americana unilateral. O objetivo é testar as possibilidades para frear a ascensão da Rússia – como uma potência rival dos Estados Unidos – e da aliança internacional em total desenvolvimento econômico, defendendo o estabelecimento de novas regras, com base em uma parceria justa e equilibrada, incluindo potências emergentes, Rússia, Irã, China, África do Sul, Índia, Brasil e outros países.

A visão estratégica americana, que foi usar a superioridade militar, econômica e tecnológica para evitar o aparecimento de um poder rival, teve inicio um quarto de século atrás. Essa visão foi desenvolvida em um relatório do Conselho Americano de Segurança Nacional e totalmente analisada e comentada pelo grande cientista francês Alain Joxe em seu livro O Mercenário Americano, que evoca a arrogância da guerra para punir estados, governos e movimentos hostis à hegemonia americana no mundo.

A invasão do Iraque, em 2003, foi vista por muitos analistas como uma demonstração de força para assustar os adversários, com base em uma violação flagrante da Carta das Nações Unidas, uma organização que os estrategistas americanos queriam destruir e substituir pela OTAN como a estrutura a conduzir o mundo.

Deve-se recordar neste contexto que os adversários dos Estados Unidos evitaram, na época, o confronto. Somente a Síria, em conformidade com seus princípios nacionalistas árabes, se opôs à invasão do Iraque. Com o Irã e a Resistência, Damasco se opôs a três grandes guerras iniciadas pelos Estados Unidos contra o Líbano e Gaza através do exército israelense.

A nova agressão colonialista americana contra a Síria quebrou-se na determinação do estado sírio, seu exército, e amplas camadas da população, sob a liderança do Presidente Bashar al-Assad. Este espírito de resistência permitiu à Rússia, ao Irã e aos países dos BRICS estabelecer novas equações globais. Eles forçaram Washington a abandonar seu plano para atacar a Síria, a negociar com o Irã, e a reconhecer seu papel regional. Essas novas equações foram consolidadas graças ao empenho do Hezbollah no combate aos Takfiristas mercenários, enviados à Síria de 60 países, como reconheceu, sábado, o Rei Abdullah II da Jordânia. Todos estes desenvolvimentos forçaram os Estados Unidos a retornar à parceria internacional e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, bloqueado pelo veto sino-russo para conter os planos dos EUA. Confrontados pela determinação da Rússia, do Irã e da China, os Estados Unidos não conseguiram impor sua visão de uma parceria sob a sua direção.

É neste contexto que o plano de provocação direta e agressão contra a Rússia foi implementado na tentativa de atar as mãos do poder imperial em seu quintal. O enredo provocou uma resposta russa à mesma escala, através da anexação da Criméia, após um referendo popular. Esta resposta rápida frustrou o plano americano para dobrar Moscou e permitir a Washington impor a lógica de uma parceria global sob sua direção.

A crise ucrâniana abre caminho para um confronto em escala global, como parte de uma nova Guerra Fria contra a arrogância dos Estados Unidos, à espreita por trás de uma Europa fraca e dividida, especialmente a Alemanha cujos interesses nacionais diferem de muitos dos seus parceiros europeus.

Após a Rússia ter feito seus interesses nacionais prevalecerem contra o plano colonialista dos EUA, o Ocidente continua suas provocações através de sanções e contínuas tentativas de penetrar na esfera de influência russa, ao tentar expandir a OTAN para antigas repúblicas soviéticas.

Perante esta abordagem agressiva, o Presidente Vladimir Putin, apoiado por uma esmagadora parte do povo russo e outros de língua russa, implementou seu plano estratégico para a reunificação da Rússia histórica, de acordo com seu discurso diante do Duma [NT: Parlamento]. Isto significa que o Império Russo está determinado a confrontar o Ocidente até que este se resolva a recuar e a aceitar as regras da nova parceria internacional equilibrada defendida por Moscou.

A Rússia histórica se estende para além das fronteiras geográficas da antiga União Soviética e inclui todos os estados da Europa ortodoxa eslava. Especialistas europeus sabem que Moscou também está a olhar para a Grécia.

O sucesso da Rússia passa necessariamente por seu apoio contínuo à Síria e ao fortalecimento de sua aliança com esse país, cuja resistência aos aviões ocidentais permitiu a Moscou adotar posições sólidas e fortes contra os Estados Unidos e seus aliados.

As escolhas e os instrumentos que a Rússia pode trazer em seu confronto com o Ocidente são muitos. Eles vão desde o uso de seu poder econômico, vantagens demográficas devido à presença de milhões de russos nas ex-repúblicas da União Soviética, e treinamento com os parceiros do BRICS em uma frente econômica, política e estratégica adotando uma estrutura de banco capaz de lidar com a hegemonia americana. E se o equilíbrio nuclear é uma garantia para evitar o confronto direto entre a Rússia e a América, guerras regionais, em estados satélites, não estão excluídas. Isto é o que está acontecendo na Síria há três anos e que pode ser estendido a outras partes do mundo.

Tradução
Fonte

A importância histórica da Crimeia para a Rússia

O artigo abaixo, publicado originalmente na REDE VOLTAIRE, relata a importância histórica da Crimeia para a Rússia. Não se trata apenas do que ocorreu há mais de mil anos, mas do que ocorreu em tempos recentes também, incluindo a Guerra da Crimeia em meados do século XIX, o ataque nazista na Segunda Guerra Mundial, e mais recentemente  a anexação gradual das antigas repúblicas soviéticas à OTAN, que teve como objetivo enfraquecer e cercar a Rússia. A OTAN foi criada em 1949, durante o período da Guerra Fria (1945-1991), para fazer frente ao Pacto de Varsóvia, organização militar socialista criada com o objetivo de defender as União das Repúblicas Socialistas Soviéticas contra incursões ocidentais. Após a queda da União Soviética, em 1991, o Pacto de Varsóvia foi dissolvido; entretanto, a despeito de um acordo com os países ocidentais para a concomitante dissolução da OTAN, essa organização continua a existir, tendo expandido sua atribuição de exercer influência nas decisões geopolíticas que afetam os interesses dos EEUU e países aliados. O golpe de estado na Ucrania é apenas o ataque mais recente do ocidente a fim de conter a Rússia.

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O que significa a Crimeia para a Rússia?

REDE VOLTAIREMoscou (Rússia), 29 de março de 2014


A Crimeia não é um território estrangeiro para a Rússia, que de repente decidiu se juntar a ela. Ela é um elemento essencial da sua história, sem a qual a Rússia hoje não poderia existir. Oriental Review lança uma luz sobre a ligação física que os une.



Em 18 de março de 2014, o presidente russo Vladimir Putin fez um discurso histórico sobre a reunificação da Crimeia e da Rússia. Um referendo realizado na Crimeia dois dias antes, em plena conformidade com os procedimentos democráticos e as regras do direito internacional, chocou a muitos por seus resultados: houve 82% de participação, com quase 97% das pessoas lançando seus votos a favor da reunificação com a Rússia. Esses números foram tão surpreendentes que ainda parece haver muitas pessoas no Ocidente que não conseguem acreditar no quanto os crimeanos verdadeiramente desejavam ‘voltar para casa’. E, de fato, sem a consciência da história heróica de nesta terra que tem sido tão liberalmente lavada no sangue Russo, esse entusiasmo público pode parecer irracional, ou mesmo artificial.



Batismo de São Vladimir, o Grande Príncipe, em Quersoneso em 988 AD (ícone).

Entender por que eles fizeram essa escolha requer um olhar cuidadoso sobre o que a Rússia sempre significou para a Crimeia, e vice-versa. Essa história e orgulho comuns emanam literalmente de cada lugar e objeto na Crimeia. A antiga cidade grega de Quersoneso, onde em 988 AD São Vladimir, o Grande Príncipe de Kiev, foi batizado, foi fundada aqui. Seria difícil exagerar a importância que essa lendária região detém para a Rússia. A colônia foi criada na península da Crimeia pelos antigos gregos, 500 anos antes do nascimento de Cristo. Os passos de Santo André, um dos discípulos originais de Jesus, que é conhecido como ’o apóstolo da costa sul, leste e norte do mar Negro’, encontram-se aqui. Crimeia é o lugar onde o sangue do apóstolo São Clemente, discípulo de Pedro, foi derramado para Cristo, consagrando a logo-a-ser-criada Rus’ cristã [Rus’ é uma abreviação comum de Rússia] , e aqui os apóstolos eslovenos São Cyril e São Methodius pregaram o evangelho. A conversão do Príncipe Vladimir ao cristianismo na cidade de Quersoneso na Crimeia pavimentou o caminho para a civilização russa e constituiu-se numa contribuição inestimável para a cultura e a história do mundo.

No décimo século, príncipes russos fundaram o Principado de Tmutarakan, nas margens dos mares Negro e Azov, na costa da Crimeia, na Península de Kerch, juntamente com a cidade de Korchev (agora conhecida como Kerch). Este foi o período histórico durante o qual os eslavos da Rus’ Kievana [nome dado à federação de tribos eslávicas do este europeu, de fins do século IX a meados do século XIII; Rus’ é o nome da região ethno-cultural do este europeu habitada por eslavos do este – historicamente, compreende a parte norte da Ucrânia, o noroeste da Russia, Belarus e algums partes dos países vizinhos: Finlândia, estados Bálticos, Polônia e Eslováquia. - NT] gradualmente fincaram raízes em toda a Crimeia. Foi na velha Crimeia, em Sudak, Mangup e Quersoneso que os eslavos constituíram-se na parte mais significativa da população.

Tmutarakan rapidamente tornou-se o segundo porto mais importante do mundo, depois de Constantinopla, através do qual passaram quase todas as rotas de comércio dos séculos XI-XII que cruzaram o mar ou a estepe. O filho do Grande Príncipe Vladimir, Mstislav, que governou o Principado até 1036, consolidou e expandiu suas fronteiras. No final do século X, os remanescentes do restaurado Reino Bizantino de Bósforo foram incorporados ao Principado. Mais tarde, uma laje de mármore foi encontrada na Península de Taman, com uma inscrição datando de 1068:

"No verão de 6576 [desde a criação do mundo, o que corresponde ao ano de 1068 - NR], o Príncipe Gleb mediu, através do mar congelado, de Tmutarakan a Korcheva, 14.000 sazhen [que é de cerca de 28 km - NR]".

Como o povo de Cuman cada vez mais invadia a Rus’ no final do século XI, Tmutarakan praticamente foi cortada da Rus’ Kievana e perdeu sua independência, em cêrca de 1094, encontrando-se sob o domínio dos cumanos, de Bizâncio, da Horda Dourada, Gênova e Turquia.

Imperatriz russa Catarina, a Grande. 

No final do século XVIII, a Imperatriz Catarina, a Grande, lutou para ver a Crimeia retornar à Rússia. Foi o domínio do Império Russo sobre a Crimeia que resgatou as ruínas de Quersoneso, tão sagrada para a história da Rússia, do completo esquecimento. A Imperatriz, com a disposta assistência do Príncipe Grigory Potemkin, é lembrada por ter fundado uma base naval, que foi nomeada de Sebastopol, no porto de Musa (agora conhecido como Baía de Sebastopol). A história de Sebastopol conta a notável história da bravura militar e da coragem russas.

Sebastopol, Balaclava, Kerch, Malakhov Hill e Sapun Ridge são marcos que encarnam glória militar russa e verdadeiro heroísmo. Cada um deles tem sido banhado no sangue de soldados que lutaram corajosamente para defender um futuro de paz. Os 349 dias da heróica defesa de Sebastopol, durante a guerra da Crimeia, serão para sempre comemorados nas histórias da Rússia e destes dois povos afins, como será a defesa de 250-dias da cidade durante a Segunda Grande Guerra.

Os exércitos da Grã-Bretanha, França, Turquia e Sardenha (Itália) invadiram a península da Crimeia em 1854. No dia 13 de setembro, essa cidade, que nunca antes havia enfrentado agressão de qualquer outra direção mas do mar, encontrou-se sob cerco. Fortificações e baterias de armas foram construídas sob o fogo dos inimigos que detinham uma vantagem esmagadora em tropas e canhões. A defesa da cidade foi dirigida pelo comandante da frota do mar Negro, Almirante Vladimir Kornilov e seus subordinado, Vice-Almirante Pavel Nakhimov. Cinco navios de guerra foram afundados para impedir que o inimigo entrasse no porto de Sebastopol, e tripulações e canhões navais chegaram para se juntar aos defensores. A tenacidade e o fervor patriótico dos soldados russos, marinheiros e habitantes da cidade surpreendeu o mundo. No dia 5 de outubro, os invasores começaram o primeiro bombardeio de Sebastopol, durante a qual as defesas da cidade não sofreram grandes perdas, mas o Almirante Kornilov foi ferido mortalmente. O centro da defesa foi então deslocado para Malakhov Hill. Em 28 de março de 1855, os invasores começaram um segundo ataque. Embora à custa de um grande número de baixas, eles conseguiram pressionar as nossas posições. O terceiro e o quarto assaltos terminaram da mesma forma que os ataques anteriores; mas, em 28 de junho, o Vice-Almirante Nakhimov morreu durante uma troca de tiros. O General francês Jean-Jacques Pélissier, o comandante das forças aliadas, foi ordenado por Napoleão III a capturar a fortaleza, independentemente do custo. Depois do quinto (!) e igualmente mal sucedido (!) ataque, as forças aliadas começaram a se preparar para um ataque decisivo sobre as fortificações russas já meio-destruídas. O sexto e último assalto em Sebastopol começou em 27 de agosto. A barragem envolveu oito divisões francêsas e cinco britânicas, além de uma brigada da Sardenha – um total de 60.000 combatentes – que lutou contra 40.000 russos, muitos dos quais haviam sido desviados para a linha de fundo da defesa. O destino da batalha ia de um lado para o outro. Os franceses foram capazes de capturar e manter Malakhov Hill. Por ordem do comandante geral, Mikhail Gorchakov, os defensores recuaram para o lado sul de Sebastopol, explodindo os paióis de pólvora e afundando os restantes navios. Esta aparente derrota em Sebastopol minou a força das tropas dos invasores, e eles foram obrigados a concordar com as negociações de paz em condições que eram muito diferentes daquelas que haviam esperado no início da guerra. A defesa de Sebastopol – a página mais brilhante da história da guerra da Crimeia – mais uma vez demonstrou o espírito incansável do soldado russo e sua capacidade de lutar, mesmo nas condições mais difíceis de cêrco, quando parecia não haver nenhuma chance de escape.

Depois de 87 anos, um novo cêrco e novamente uma defesa heróica e espírito incansável aguardavam Sebastopol. Tropas nazistas invadiram a Crimeia em 20 de outubro de 1941 e, em 10 dias, atingiram a periferia de Sebastopol. A cidade não havia sido preparada com antecedência para defender-se de uma abordagem por terra, mas a tentativa de tomá-la imediatamente, pelos alemães e romenos, não teve êxito. A obstinada defesa de Sebastopol começara. Fortificações de campo foram construídas enquanto os combates ocorriam, e o fornecimento de suprimentos e reforços, e a evacuação de feridos e civis podiam ser feitos exclusivamente pelo mar, muitas vezes sob ataques inimigos. No dia 4 de novembro, todas as forças soviéticas uniram-se no interior da zona defensiva da cidade. Em 11 de novembro, com significativa superioridade de tropas e artilharia, o inimigo lançou uma ofensiva. Após batalhas ferozes e sofrendo pesadas baixas, os alemães deixaram seus ataques frontais em 21 de novembro e passaram a cercar a cidade. No dia 17 de dezembro, sete divisões de infantaria alemãs e duas brigadas romenas, ultrapassando de longe em número as forças russas, lançaram uma nova ofensiva com o apoio de tanques. Os ataques foram repelidos com o apoio da artilharia naval, e outras incursões foram frustradas quando as tropas russas desembarcaram em Kerch e Feodosia. Além disso, ao forçar os alemães a desviar o 11º Exército de Wehrmacht para Feodosia, que estava sitiando a cidade sob o comando do General Erich von Manstein, os batalhões de defesa regional de Sebastopol começaram uma ofensiva parcial, melhorando sua posição em março de 1942.

Pintura de Alexander Deyneka, "A Defesa de Sebastopol" (1942).

A partir de 27 de maio, Sebastopol foi submetida a bombardeio incessante e ataques aéreos. Na manhã de 7 de junho, o inimigo lançou um ataque punitivo contra todo o perímetro da zona defensiva. Após uma feroz batalha, as tropas russas abandonaram Malakhov Hill em 30 de junho. Mas, a resistência continuou na periferia da cidade devastada. A batalha prosseguiu até 4 de julho, e até 9 de julho em algumas áreas. A maioria dos defensores da cidade foi morta ou feita prisioneira, com apenas alguns conseguindo chegar às montanhas para se juntar aos partidários. A defesa de 250 dias de Sebastopol, apesar de seu trágico fim, mostrou ao mundo que os soldados russos e marinheiros eram capazes de sacrifícios incríveis.

Nos corações e mentes do povo, a Crimeia sempre foi parte integrante da Rússia. Essa crença, baseada na verdade e na justiça, tem sido inabalável. E tem sido transmitida de geração a geração sem consideração de tempo ou circunstância. Mesmo as mudanças dramáticas vividas pela Rússia durante o século XX foram impotentes para alterar essa convicção. Teria sido impossível para qualquer um imaginar como a Ucrânia e a Rússia poderiam ser dois Estados diferentes. Mas, então, a União Soviética se dissolveu. Os eventos progrediram tão rapidamente que poucos na época compreenderam todo o drama do desenrolar dos acontecimentos e suas consequências. E quando, de repente, a Crimeia se tornou parte de outro país, a Rússia sentiu que não só tinha sido roubada, mas saqueada. Milhões de russos foram para a cama em um país e acordaram no dia seguinte em outro, transformados em minorias dentro das ex-repúblicas soviéticas. Assim, a nação russa se tornou uma das maiores, se não a maior nação dividida do mundo. Mas a população foi incapaz de digerir esta flagrante injustiça histórica. Durante anos, as pessoas comuns, bem como muitas figuras públicas, frequentemente, levantaram essa questão, alegando que a Crimeia era terra russa e Sebastopol era uma cidade russa. Há 23 anos, a Crimeia manteve sua alma russa e cada crimeano passou esse tempo a esperar ansioso que a península ‘voltasse para casa’, para a Rússia. E agora aconteceu – para euforia geral, lágrimas de felicidade e alegria tão esperada –: um triunfo da justiça histórica!

Crimeanos celebrando a reunificação com a Rússia, 18 de março de 2014.

Tradução
Marisa Choguill

Fonte
Oriental Review

13 de mar. de 2014

Diplomacia? Talvez, um dia...

Estou reproduzindo o artigo abaixo (traduzido) pois apresenta uma visão contrária àquela apresentada pela mídia comercial no Brasil.  Precisamos estar alertas para manipulações dessa mídia, que faz constante lavagem cerebral nos menos avisados...
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Estados Ocidentais em Pé-de-Guerra bloqueiam a diplomacia sobre a Ucrânia
Fini Cunningham, Strategic Culture Foundation, 13.03.2014

Os EUA e seus aliados europeus estão se movendo cada vez mais imprudentemente em direção a uma guerra com a Rússia em conseqüência da crise na Ucrânia.  Manobras militares, retórica inflamatória e a preparação de sanções econômicas contra a Rússia estão criando um impulso grave para o confronto – um que se opõe até mesmo a um mínimo de opções diplomáticas para tentar resolver as tensões crescentes.

Washington e Bruxelas estão condenando a Rússia por «agressão» e «violação» do território ucraniano sem a menor devida consideração para o contexto político da crise, ou para os direitos legais da Rússia de defender os interesses nacionais na República da Crimeia sob um acordo bilateral de longa data.

O Secretário de Estado dos EUA John Kerry, no começo desta semana, rejeitou um convite do seu homólogo russo, Sergei Lavrov, para realizar uma reunião urgente em Moscou.  Em vez disso, com entusiasmo perturbador, Washington enviou caças, aviões espiões, navios de guerra e tropas para a países bálticos, Polônia, Romênia, Bulgária e ao longo da fronteira da Ucrânia.

O Congresso dos EUA votou esta semana para condenar a Rússia e impor uma série de sanções a menos que as forças militares russas se retirem da Ucrânia.  Semelhantes iniciativas para impor sanções contra Moscou foram feitas pelos líderes da Grã-Bretanha, França e Alemanha.  O Ministro dos Negócios estrangeiros francês, Laurent Fabius, disse que as sanções poderiam ser implementadas dentro de dias, enquanto o premier britânico, David Cameron, deu sinal verde para que aviões de reconhecimento da RAF se juntem às forças da OTAN na Polônia.

Enquanto isso, Washington e seus aliados da OTAN declararam que um iminente plebiscito a ser realizado na Crimeia neste fim de semana, para decidir se a república autônoma deve separar-se da Ucrânia e juntar-se à Federação Russa, seria «ilegal».  Essa oposição arbitrária à autodeterminação da Crimeia pelas potências da OTAN está em sintonia com a visão apresentada pelas novas autoridades, apoiadas pelo Ocidente, em Kiev, que também denunciaram a declaração de independência do Parlamento da Crimeia.

Assustadoramente, as potências ocidentais estão evitando qualquer caminho para uma solução diplomática.  Washington e Bruxelas estão impondo exigências impossíveis para Moscou cumprir.  E ainda, apesar dessa truculência, Washington está acusando o presidente russo Vladimir Putin de não demonstrar seriedade em engajar-se em um discurso diplomático.

Não é Putin que não é sério sobre diplomacia.  É Washington e seus aliados da OTAN.

Para começar, a Rússia não «anexou» a Crimeia como o oeste provocativamente afirma.  Sob o acordo bilateral militar entre a Rússia e a Ucrânia, é permitido legalmente a Moscou ter até 25.000 tropas na península da Crimeia, anexadas à base naval de Sebastopol, que é a sede da frota russa do mar Negro.  A Rússia paga por essa autorização uma taxa anual de US $100 milhões.  O acordo foi renovado em 2010 por mais 25 anos.  Então, como pode Rússia anexar um território onde tem legalmente o direito de estar presente?

Ausente em quaisquer declarações ocidentais está o reconhecimento do fato de que o Parlamento da República Autônoma da Crimeia fez um pedido oficial para a proteção militar russa de sua população majoritária, de etnicidade russa, na sequência da agitação violenta em Kiev.  Essa agitação levou à derrubada de um governo eleito em 22 de fevereiro por auto-declarados neo-nazistas e paramilitares brandando ameaças anti-russas.  Posteriormente, em outras partes do leste da Ucrânia, como nas cidades de Donets e Kharkov, vários cidadãos pró-russos foram baleados por homens armados desconhecidos nas ruas, e muitos outros foram feridos em confrontos.

Os ultimatos ocidentais a Moscou para retirar as forças de segurança da Crimeia neste contexto perigoso e volátil, portanto, não são apenas juridicamente infundados;  os ultimatos são uma demanda provocante para a Rússia renunciar a seus interesses nacionais numa área que é contígua com as fronteiras da Rússia e que tem séculos de história partilhada e herança.  Será que o Ocidente realmente espera que Moscou fique de braços cruzados enquanto a vida de seus compatriotas está ameaçada?  Não temos que imaginar muito o que Washington, Londres ou Paris fariam em uma situação semelhante.

Além disso, é a demanda feita por Washington e Bruxelas, de que Moscou envolva-se em conversações com o novo regime em Kiev, que é especialmente insustentável.  O mais alto diplomata dos EUA, John Kerry, e outros líderes ocidentais dizem que Moscou não está demonstrando seriedade para com a diplomacia porque o governo russo se recusa a dialogar com Kiev.  Isso equivale ao Ocidente forçar a Rússia a reconhecer legalmente o grupo apoiado pelo Ocidente que tomou o poder do Presidente eleito Viktor Yanukovych, em Kiev, no final do mês passado.

Essa é uma demanda irracional feita pelas potências ocidentais.  A Rússia tem todo o direito de negar seu reconhecimento da soberana legalidade e legitimidade dos governantes auto-nomeados em Kiev.  A evidência é incontestável de que o novo regime, liderado por Arseniy Yatsenyuk e o assim-chamado presidente interino Oleh Turchynov, chegou ao poder através da violência e intimidação maciça das autoridades titulares eleitas.  Há também evidência perturbadora de que muitas das mortes entre os manifestantes e policiais durante as manifestações de Maidan foram realmente causadas por atiradores trabalhando secretamente para a oposição.  Tais alegações devem ser investigadas por uma Comissão Internacional, e não postas de lado e ignoradas enquanto os alegados autores de assassinato em massa são celebrizados como «incipiente governo» da Ucrânia.

Moscou se opõe profundamente ao governo auto-declarado em Kiev, fortemente composto de neo-nazistas do partido Svoboda, como sendo inconstitucional, se não criminoso.  Sua ascensão ao poder é legalmente definida como um golpe de estado usando a violência e o terrorismo.  Como explicado por Wayne Madsen e outros comentaristas, o golpe de estado em Kiev é o resultado da secreta desestabilização ocidental na Ucrânia, desde o início dos anos 90, com o objetivo expresso de orquestrar mudança a um regime pro-ocidental.  Essa mudança de regime é destinada a dar acesso irrestrito aos recursos ucranianos pelo capital ocidental e a expandir o cerco da Rússia por militares da OTAN.

Washington e seus aliados da OTAN estão, portanto, pedindo à Rússia uma concessão política impossível ao exigir que Moscou conceda reconhecimento oficial a um regime totalmente ilegal e hostil em Kiev.

A recepção concedida ao auto-proclamado primeiro ministro de Kiev, Arseniy Yatsenyuk, pelo Presidente dos EUA, Barack Obama, na Casa Branca, esta semana, não é apenas uma celebração tendenciosa de ilegalidade;  é uma afronta descarada à Rússia como uma grande potência internacional.

Coincidência ou não, o presidente auto-proclamado, Oleh Turchynov, também teve um espaço no New York Times, esta semana, em uma coluna de opinião na qual ele denunciou mais uma vez a «agressão» russa e, ironicamente, acusou Moscou de agir como «piratas somalis» ao se referir à recente ação russa de segurança na Crimeia.

Essa ofensiva americana de alto nível em relação à Rússia mostra um desrespeito grosseiro para com o protocolo e as normas de relações internacionais.

O acúmulo militar rápido em curso pela NATO, do Báltico ao mar Negro;  a recusa mordaz em se engajar no discurso diplomático sobre as verdadeiras causas da instabilidade na Ucrânia;  o adereço dos usurpadores do poder em Kiev, por Washington e Bruxelas – são todos sinais sinistros de que as potências ocidentais estão forçando, desenfreadas, um confronto com a Rússia.

Essa ação rápida no lugar da
diplomacia, dos Estados Unidos em particular, tem ressonâncias com como eles rejeitaram imprudentemente as políticas alternativas para as guerras no Afeganistão e no Iraque em 2001 e 2003, e com o Iraque antes da primeira guerra do Golfo em 1991.

Tudo isso poderia ser o blefe de um jogo selvagem por Washington, no Last Chance Saloon, na tentativa de intimidar a Rússia para que se submita à OTAN.  Mas o que é preocupante é que a intoxicação de Washington, com sua própria arrogância e ilegalidade, cria uma situação altamente perigosa em que blefar bloqueia qualquer alternativa à ação destrutiva.