29 de set. de 2012

Alimentos básicos e indústria alimentar versus alimentação saudável

Por Marisa Choguill, http://mc-alerta.blogspot.com/, 29 de setembro de 2012

Como o título deste artigo indica, existe uma contradição entre indústria alimentar e alimentação saudável.  Isto porque os alimentos denominados básicos (‘staple foods’) – tais como os grãos dos cereais como o trigo, o arroz e o milho, além das sementes de leguminosas como a soja e outras –, que são a matéria prima da indústria alimentar, estão sendo condenados por médicos e nutricionistas em todo o mundo, os quais afirmam que seu consumo nunca deveria ter sido elevado ao nível de ‘alimentos básicos’ pois sua digestão é muito complicada, causando problemas gástricos, carências nutricionais e doenças.

De acordo com historiadores, nutricionistas e especialistas da área médica, tais alimentos foram consumidos por nossos antepassados em pequenas quantidades pois causavam sérios problemas digestivos.  O grão do cereal trigo entrou na cadeia alimentar humana há cêrca de 10.000 anos, mas até o século passado seu consumo era muito reduzido.  Os grãos dos cereais contêm fitatos – substâncias irritantes e inflamatórias que prejudicam a absorção de nutrientes e causam problemas de saúde.  Além do alto conteúdo de carbohidratos (= açúcares), o trigo também contém gluten, uma proteina conhecida por causar sérios problemas digestivos e outros problemas de saúde.  Quanto à soja, embora os chineses a conhecessem há milênios, só começou a ser consumida, em pequenas quantidades, há cêrca de 2.500 anos, quando um laboroso processo de fermentação foi descoberto na China.

Há cêrca de um século, entretanto, a ambiciosa indústria alimentar tomou, como matéria prima básica, o trigo, a soja, e alguns outros grãos e sementes de leguminosas, e deu início ao processamento complexo de tais grãos e sementes fazendo uso de ácidos e outros agentes químicos e físicos com o objetivo de transformá-los em alimentos digeríveis e palatáveis.  Assim, alimentos altamente processados, sintéticos, foram promovidos à posição de alimentos básicos em escala mundial.[1]

Conforme vários especialistas da área médica afirmam, o trigo e a soja, da forma como têm sido processados, são tão nocivos à saúde que deveriam ser eliminados completamente da nossa dieta.  ‘Doenças modernas’ como obesidade, diabete do tipo 2, problemas cardio-vasculares, diversas formas de cancer, problemas gástricos, doenças do sistema imunológico, alérgicas e degenerativas como asma, esclerose múltipla, psoríases, Parkinson’s e Alzeheimer’s, entre outras, estão ligadas ao consumo de tais alimentos.
[2]

Trata-se de uma pandemia de doenças novas, em escala global.  Cêrca de 36% dos americanos são obesos.[3]  O número de pessoas com diabetes do tipo 2, nos EEUU, deve triplicar até 2050.[4]  Conforme dados da ONU, 1 em cada 2 americanos irá contrair cancer durante a vida.[5]  A FAO afirma que, na China, de 2006 a 2015, o governo gastará cêrca de 550 bilhões de dolares com tratamentos de diabetes, doenças cardíacas e enfartes.[6]  Todos os países do mundo estão sendo afetados por tais doenças modernas, que se originam na dieta moderna, baseada em grãos de cereais e sementes de leguminosas.

Tais alimentos básicos deveriam ser substituídos por alimentos integrais e verdadeiramente saudáveis como verduras e hortaliças, carnes, ovos, castanhas, nozes, e frutas.  Entretanto, há cêrca de um século, estamos cada vez mais sendo obrigados a consumir os ‘alimentos’ processados que são promovidos pela mídia comercial e que, enquanto habitantes das cidades, encontramos embalados e convenientemente preparados para o consumo nos supermercados.  Ao mesmo tempo, as formas tradicionais de preparar alimentos, e os costumes alimentares tradicionais, estão desaparecendo...

Nos supermercados, 60% dos alimentos contém soja ou sub-produtos da soja, que são altamente nocivos à saúde – inclusive ‘fórmulas’ para bebês, substitutos do leite e da carne, margarina (substituto da manteiga), óleo, e muitos outros...  O trigo está presente em quase tudo aquilo que consumimos:  pão, bolachas, bolos, macarrão, sobremesas, tortas, empadas, etc., enquanto médicos e nutricionistas afirmam que não precisamos dos carbohidratos (= açúcares) do trigo e de outros grãos para viver.  Em outras palavras:  estamos doentes e subnutridos, pois consumimos poucos tipos de alimentos, inadequados e altamente processados, e em grande quantidade, quando deveriamos consumir uma variedade de alimentos naturais, integrais, e em pequenas quantidades.

Enquanto isso, a indústria farmacêutica – e a quase totalidade da profissão médica – também lucra ao nos vender remédios que tratam apenas dos sintomas das nossas doenças, pois a cura de tais doenças só é possível se mudarmos nossa insalubre ‘dieta moderna’ por uma dieta genuinamente adequada ao consumo humano e, portanto, saudável.

Felizmente, existe um movimento contra a indústria alimentar que está crescendo, principalmente na Europa, onde os abusos dessa indústria estão sendo reconhecidos e divulgados.  O consumo do pão, por exemplo, já está caindo.
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Nesse movimento esclarecedor, a Internet tem tido um papel relevante.  Certamente, a indústria alimentar já está reagindo contra isso...

Reduzir o consumo de grãos de cerais e sementes de leguminosas, substituindo tais alimentos por outros mais saudáveis, parece ser uma missão impossível.  Entretanto, se uma campanha de esclarecimento for feita para modificar
 costumes enraizados de consumir tais alimentos, substituí-los por outros mais saudáveis é uma tarefa simples pois a produção de verduras, hortaliças e outros alimentos, inclusive carnes, derivados do leite e ovos, nas regiões próximas às cidades, tem sido uma atividade popular há séculos em muitos países, embora em reduzidas quantidades.  Trata-se da tradicional agricultura urbana, isto é, da produção tradicional de alimentos saudáveis e nutritivos, a serem consumidos frescos.  Além de melhorar a qualidade alimentar, a agricultura urbana também cria empregos, barateia o preço dos alimentos pois reduz a necessidade do transporte à distância, e reduz a poluição ambiental.

Ironicamente, Cuba parece fornecer o mais significativo exemplo de agricultura urbana no mundo, hoje.  Por questões de necessidade – em função das sanções econômicas impostas pelos EEUU e das mudanças ocorridas na URSS –, Cuba implementou nos anos de 1990 uma ambiciosa política de agricultura urbana que se tornou um grande sucesso, empregando cêrca de 10% da mão-de-obra ativa e produzindo grandes quantidades de alimentos.  Hoje, Havana produz mais verduras, hortaliças e alimentos frescos do que necessita para seu consumo interno![8]

Enfim, a experiência cubana demonstra que é possível quebrar-se o monopólio da indutria alimentar, e, desta forma, promover-se dietas saudáveis.  Em outros cantos do mundo, governos preocupados com a sa
úde do povo certamente deveriam implementar políticas de agricultura urbana semelhantes à de Cuba.

NOTAS:


[1] Veja:  Pollan, M., In Defense of Food;:  an eater’s manifesto, Penguin, New York, 2008;  Cordain, L., The Paleo Diet: lose weight and get healthy by eating the foods you were designed to eat, John Wiley and Sons, Hoboken, NJ, USA, 2010;  entre outros.
[2] Veja:  Cordain, L., "Cereal grains: humanity's double-edged sword", World Review of Nutrition and Dietetics, vol. 84, 1999, pp. 19-73;  Ottoboni, F. and Ottoboni, M., The Modern Nutritional Diseases and how to prevent them:  heart disease, stroke, type-2 diabetes, obesity, cancer, Vincente Books, Berkeley, CA, USA, 2002;  Taubes, G., Good Calories, Bad Calories:  challenging the conventional wisdom on diet, weight control, and disease, Knopf, New York, 2007;  Daniel, Kaayla T., The Whole Soy Story, New Trends Publishing, Washington, 2007;  Barry Groves, Trick and Treat:  How Healthy Eating is Making Us Ill, London, Hammersmith Press Limited, 2008;  Cordain, L., The Paleo Diet: lose weight and get healthy by eating the foods you were designed to eat, op. cit.;  Challem, J., The Inflammation Syndrome, John Wiley and Sons, Hoboken, NJ, USA, 2010;  Davis, W., Wheat Belly, Rodale, New York, 2011;  Briffa, J., Escape the Diet Trap, Fourth Estate, London, 2012;  entre outros.
[8] Veja:  Koont, Sinan, ‘The Urban Agriculture of Havana’, Monthly Review, 2009, Volume 60, Issue 08 (January).