27 de jan. de 2011

O Golpe da Terra

Numa entrevista extremamente importante publicada pelo Jornal Sem Terra (ver abaixo), o engenheiro agrônomo e cientista social Horácio Martins de Carvalho nos relata alguns aspéctos sórdidos da ocupação da terra no Brasil que têm passado 'despercebidos' pelo governo mas que estão na raiz de muitos dos problemas que nos afligem no campo e nas cidades.  Trata-se de um golpe.  Não se pode esperar que a mídia comercial divulgue tal golpe à nação – aliás, seu silêncio denuncia sua conivência com tal golpe.  Os fatos relatados nesta entrevista são, agora, do conhecimento das organizações que representam os movimentos social, sindical e estudantil.  A luta dos trabalhadores deverá voltar-se com determinação para acabar com esse golpe, ampliando os limites de suas reivindicações.


Leia e confira:

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O Brasil é uma economia agrícola subalterna

Nesta entrevista ao Jornal Sem Terra de janeiro, o engenheiro agrônomo e cientista social Horácio Martins de Carvalho faz uma profunda análise sobre a organização do agronegócio no mundo hoje e o lugar do Brasil nesse cenário.  País com o maior estoque de terras agricultáveis, clima favorável à produção e governos entreguistas, o Brasil se configura, segundo Horácio, como o terceiro país na lista de prioridades dos planos de investimentos das grandes empresas transnacionais, que controlam os mercados de alimentos e agroenergia.

Joana Tavares, Jornal Sem Terra – Setor de Comunicação do MST /MST, 25 de janeiro de 2011

JST – Como se explica o aumento da busca por terras em todo o mundo e quais as consequências no controle estrangeiro sobre as terras agricultáveis?

HC – O Incra estima que 4,34 milhões de hectares em todo o Brasil já estejam em mãos de capitalistas de outros países.  Essa é uma estatística modesta devido à camuflagem que a concepção vigente de ‘empresa nacional’ proporciona, ao tolerar servilmente na sua composição societária a participação de mais de 90% de capital estrangeiro.  O que motiva a apropriação privada de terras agricultáveis pelas empresas transnacionais é a possibilidade efetiva de poucas dessas empresas exercerem o controle mundial sobre a oferta, comercialização e beneficiamento de alimentos e agrocombustíveis, além de se afirmarem como um império setorial sobre um setor fundamental da vida dos povos.  A apropriação privada das terras agricultáveis passou a ser considerada pelas agências multilaterais Banco Mundial, FAO, UNCTAD e FIDA como investimentos agrícolas para o ‘desenvolvimento econômico nacional’.  Para acobertar essa ocupação neocolonial das terras agricultáveis no mundo, foi elaborado, pelas agências acima citadas, um Código de Conduta, apresentado em abril de 2010 em Washington, capital dos Estados Unidos, durante a conferência anual de terras do Banco Mundial.  O código objetiva a legitimação do mercado mundial de terras agricultáveis pelas grandes empresas transnacionais privadas e estatais.  E como o recurso terra é limitado, o seu controle pela apropriação privada e ou pelo arrendamento das terras agricultáveis em todo o mundo se tornou prioridade geopolítica estratégica do agronegócio internacional.  O Brasil é o país que possui o maior estoque de terras agricultáveis, um clima favorável à produção agrícola e governos entreguistas.  Essa conjugação de fatores tem facilitado a aquisição de terras por estrangeiros e contribuído decisivamente para a negação da soberania alimentar e a nacional, submetendo os destinos do país às estratégias de negócios das grandes empresas nacionais e transnacionais. 

JST – Calcula-se que o agronegócio tenha recebido cerca de R$ 90 bilhões de crédito para gerar um PIB de R$ 120 bi em 2010.  Como se explica essa pouca produtividade?

HC – A regra na lógica do agronegócio é a reprodução dos interesses privados na agricultura a partir de recursos públicos, na sua maior parte a fundos politicamente perdidos para o contribuinte brasileiro.  Isso inclui não apenas o crédito rural subsidiado e constantemente renegociado como as renúncias fiscais, redução de alíquotas e isenções de impostos.  Sob essa lógica, ser grande empresário do agronegócio não é difícil, ainda que suas lideranças apregoem ideologicamente o livre mercado, a concorrência e a ausência do Estado na condução dos seus negócios.  Não fazem mais do que sempre fizeram as classes dominantes no campo desde o período do Brasil colonial:  falar contra a presença do Estado na economia e usufruir dele o máximo possível, sempre em detrimento da maioria da população.  Nessas condições se explica, mesmo sendo imoral, que o agronegócio receba cerca de R$ 90 bilhões de crédito para gerar um PIB de R$ 120, de um total do PIB agrícola de R$ 160 bilhões.  Não é de se estranhar, portanto, que o Brasil seja o terceiro país na lista de prioridades nos planos de investimentos no exterior das grandes empresas transnacionais.

JST – Por que se favorece o agronegócio quando a pequena agricultura produz mais alimentos para o mercado interno?

HC – O agronegócio se constitui numa fração importante da classe dominante no país:  se apropriou privadamente da maior parte do território rural.  A ‘modernização e a artificialização’ da agricultura, iniciada na década de 1950, tornou a burguesia agrária no Brasil forte compradora de produtos (insumos agrícolas, máquinas) de outras frações da burguesia.  E os principais fornecedores desses insumos têm sido as empresas transnacionais do ramo da indústria química como a Bayer, Basf, Aventis, Dow, Monsanto e Syngenta.  Os camponeses produzem mais alimentos do que o agronegócio, representam 84,4% do total de estabelecimentos rurais do país e defendem a soberania alimentar e popular.  No entanto, não faz parte da concepção de mundo hegemônica no Brasil a proposta social de soberania alimentar e, menos ainda, de soberania popular.  É mais fácil para os governos e para as empresas do agronegócio garantirem a segurança alimentar (não a soberania alimentar) pela importação de alimentos do que destinar recursos públicos para a melhoria da produção e da produtividade dos camponeses.  Essa tendência se consolida quando os alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e leite, entre outros, se constituem em mercadorias, com preços definidos nos mercados.  Esses produtos, outrora produzidos predominantemente pelos camponeses, passam a se constituir, também, em objeto de cobiça do agronegócio pelas margens de lucro que podem e poderão obter nas condições oligopolistas, tanto no mercado nacional como internacional.  Ora, como poderia o governo liberal brasileiro deixar de fornecer acesso facilitado aos recursos públicos para o agronegócio se este é um dos elos fundamentais da cadeia de interesses do complexo mundial da indústria química, de alimentos e de agroenergia?  E se no ano de 2010 o Brasil passou a ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo?

JST – Quais os principais impactos do elevado consumo de agrotóxicos?  Por que o Brasil se sujeita a aceitar venenos em sua agricultura proibidos em outros países?

HC – Os principais impactos do elevado uso de agrotóxicos são a contaminação e degradação do meio ambiente, o comprometimento da saúde dos trabalhadores rurais e dos camponeses e a redução da biodiversidade.  Esses impactos resultam em um modelo tecnológico onde somente o lucro comanda a lógica da produção.  E não é o Brasil que se sujeita a aceitar venenos para a sua agricultura proibidos em outros países.  São parcelas do empresariado do agronegócio que, movidos por uma constante ganância incontida, buscam as formas mais infames de obter tais produtos.  Os cinco cultivos que mais consumiram agrotóxicos em 2008 foram soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e citros, representando 87,21% do total comercializado no país nesse ano.  E esses cultivos são os de maior presença no Valor Bruto da Produção (VBP) agrícola nacional.  As sementes híbridas e os organismos geneticamente modificados (OGMs) são os principais responsáveis pela demanda de agrotóxicos.  As grandes empresas transnacionais como a Dupont, Aventis, AstraZenec e Monsanto têm nos OGMs parte importante de suas estratégias comerciais para vender agrotóxicos.  As maiores empresas produtores desses venenos são Syngenta, Bayer, Monsanto, Basf, Dow, DuPont e Nufarm, as quais lucraram nos seus negócios mundiais em 2008 cerca de 40 bilhões de dólares.

JST – Qual o papel da agricultura brasileira no jogo de forças internacional?

HC – A estrutura da produção agropecuária e florestal dos médios e grandes estabelecimentos rurais no Brasil sempre se moldou de forma a atender aos interesses da burguesia agroexportadora, assim como à demanda mundial de produtos do setor primário.  E essa tendência se torna cada vez mais acentuada na medida direta que as grandes empresas transnacionais dominam a oferta interna de sementes, insumos, máquinas e a agroindustrialização, assim como o comércio internacional de commodities.  Isso significa que essas empresas transnacionais possuem o controle estratégico da produção agropecuária e florestal no país.  Essa situação é agravada pela incipiente agregação de valor aos produtos da produção agropecuária e florestal que são exportados.  A agricultura brasileira se reafirma na divisão internacional da produção social como produtora de matérias-primas para a agroindústria.  A partir da racionalidade do agronegócio, se confirma como um ramo da indústria.  Portanto, uma economia agrícola subalterna.

JST – Segundo o anuário do agronegócio referente a 2010, os ativos das 50 maiores empresas atingiram R$ 189 bilhões.  Como se explica o poder do capital financeiro sobre a agricultura e qual a perspectiva para 2011?

HC – A agricultura do agronegócio, ao se tornar efetivamente um ramo da indústria, proporcionou condições mais efetivas para o domínio dos grandes conglomerados de empresas transnacionais da indústria química sobre a produção de alimentos, fibras e a agroenergia.  A oligopolização desses mercados foi uma consequência esperada sob a concepção neoliberal de sociedade.  A terra, a água doce, as florestas, o litoral, enfim, os recursos naturais, amplo senso, tornaram-se mercadorias, portanto, objeto de lucro e de negociação nas bolsas.  Vivenciamos, há algumas décadas, uma transição fundamental na economia mundial provocada pela hegemonia do capital financeiro:  todas as dimensões da vida se tornaram mercadoria e o lucro, a única referência na gestão das sociedades.

JST – Quais são as perspectivas políticas para o próximo período em relação à agricultura?

HC – A não ser que os movimentos sociais e sindicais populares no campo superem o abestalhamento a que foram reduzidos devido aos processos já crônicos de reivindicação, protesto e dependência financeira dos governos, tudo leva a crer que a expansão capitalista no campo, com a consequente concentração e centralização da renda e da riqueza, irá se ampliar.  A luta de classes se tornou “luta com classe”.  A desagregação do campesinato e dos pequenos e médios produtores rurais se dará sob diversas maneiras, desde aquelas tradicionais movidas pela truculência física e econômica da criadagem do grande capital, até a cooptação pelos contratos de produção com as agroindústrias.  A proliferação dos contratos de produção com amplas parcelas do campesinato evidencia que as empresas capitalistas desejam controlar não apenas os recursos naturais e, em especial, a terra, mas também a oferta dos produtos que compõem a dieta básica da população.  A correlação de forças para a adoção e implantação de políticas públicas que sejam favoráveis à soberania alimentar é bastante desfavorável no contexto atual devido, em especial, às disposições governamentais favoráveis ao agronegócio e ao capital transnacional.  Porém, será a natureza imperialista da transferência de tecnologia agropecuária por setores governamentais do país, em consonância com os interesses das empresas transnacionais de insumos agrícolas e das agências multilaterais, que marcará a presença indesejável do Brasil nos países do Hemisfério Sul.  A Via Campesina do Brasil e o MST poderão marcar presença não apenas pela sua militância crítica, mas, sobretudo, se forem capazes de concretizar uma aliança social popular no campo, munida tanto de uma crítica social radical ao projeto capitalista hegemônico, como de uma proposta para um novo marco civilizatório no campo.

26 de jan. de 2011

Agenda Unificada

O artigo abaixo descreve o desabrochar de uma importante união na luta por interesses comuns maiores:

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MST, UNE e centrais buscam unificar agenda

Luana Bonone, Vermelho, 24 janeiro 2011

As maiores organizações que representam os movimentos social, sindical e estudantil do país planejam a elaboração de uma agenda conjunta, a ser oferecida à presidente Dilma Rousseff. Nela, constarão as prioridades pelas quais o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as centrais sindicais - sobretudo a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) – e a União Nacional dos Estudantes (UNE) brigarão juntos.

O fortalecimento deste bloco de representação, cujas entidades já se organizam na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), foi discutido em agosto do ano passado, durante as eleições presidenciais - todos apoiaram a presidente eleita no segundo turno - e a conversa será retomada nas próximas semanas.

"A CUT elaborou um documento com 213 propostas para o novo governo. Como nós, as outras organizações estão fazendo o mesmo, o que cria um volume grande de pautas", avalia o presidente da central, Artur Henrique. "A ideia é que essas organizações peguem só os pontos prioritários para que possamos batalhar juntos", acrescenta. A redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, a mudança dos índices de produtividade rural e a destinação de 50% do fundo social do pré-sal para a educação são pontos de convergência na pauta de CUT, CTB, MST e UNE e segundo seus representantes, seguramente farão parte da agenda.

Até o momento, as entidades aguardam para saber como será o relacionamento com o novo governo. De certo, deve ficar a cargo de Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, a tarefa de intermediar o contato, cumprindo a função que foi de Luiz Dulci durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Diálogo
Os presidentes de CUT, CTB, MST e UNE concordam que o relacionamento com o governo melhorou muito nos últimos oito anos, mas cobram que Dilma dê o próximo passo: "Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), nós nunca fomos nem recebidos pelo presidente. Isso melhorou radicalmente com Lula. Mas agora, queremos influenciar na política, na tomada de decisões, assim como os empresários e outros personagens da sociedade", afirma Artur Henrique.

O presidente da CTB, Wagner Gomes, completa, pautando a necessidade de mais diálogo acerca de questões como a valorização do salário mínimo e a política macroeconômica: “precisamos de uma interlocução maior com o novo governo. São duas decisões [aumento da taxa Selic e manutenção do mínimo em R$ 540] que vão na contramão daquilo que o país precisa, algo que não contribuirá em nada para o desenvolvimento do país”, argumenta Wagner Gomes.

Apesar da postura crítica, o presidente da CTB acredita que Dilma Rousseff manterá o mesmo olhar voltado para o social que o presidente Lula. “É inegável que grande parte do sucesso do governo passado se deve à política de valorização do salário mínimo, um grande instrumento de distribuição de renda. Não podemos ver o país se desenvolver a altas taxas de crescimento sem que isso se reverta para a sociedade, especialmente para os assalariados”, destaca, ao lembrar que é preciso gerar mais emprego e renda através de medidas que promovam o desenvolvimento e o bem-estar social.

Para José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, "houve muito diálogo, mas pouca efetividade". Batista cita como maior avanço do governo Lula na relação com os sem-terra a assimilação da produção do grupo com garantia de preço. "No entanto, a implantação de escolas nos assentamentos, uma prioridade, ainda não ocorreu. Mas melhorou muito o relacionamento. Nosso acesso hoje é bom até no Ministério da Agricultura", observa. Augusto Chagas, presidente da UNE, afirma que o ex-presidente recebeu a UNE "pelo menos quatro vezes por ano, durante os dois mandatos".

As decisões de cunho econômico também são alvo das organizações, que pleiteiam participação na efetivação de propostas de campanha, como a desoneração da folha de pagamentos: "Queremos saber qual será a contrapartida para o trabalhador", diz Artur Henrique. Para os sindicalistas, a valorização do salário mínimo, por eles defendida, foi fator essencial para o enfrentamento da crise econômica mundial, em 2008, o que lhes daria gabarito para ter maior influência na tomada de decisões.

Agendas previstas
As centrais prometem ocupar o Congresso Nacional a partir de fevereiro, com a reabertura dos trabalhos das Casas Legislativas, caso não haja acordo nas negociações com o governo federal acerca do valor do salário mínimo.

Em março, a UNE prepara uma série de passeatas, em todas as capitais, com vistas de pressionar o Congresso Nacional a incluir no Plano Nacional de Educação (PNE), a ser votado neste ano, o investimento obrigatório de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) anual do país na educação: "Hoje, menos de 40% dos jovens entre 18 e 24 anos concluem o ensino médio. Para um país que quer ser desenvolvido, estamos desperdiçando um potencial imenso", observa Chagas.

O MST já está realizando ocupações, sobretudo em São Paulo, pautando a urgência da Reforma Agrária.

Além das agendas próprias, que prometem grandes mobilizações, as quatro entidades se reúnem com outras organizações na próxima quarta-feira (26), em reunião da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) que debaterá as agendas conjuntas de 2011 e a participação do movimento social brasileiro no próximo Fórum Social Mundial, que ocorre de 6 a 11 de fevereiro em Dacar (Senegal). O objetivo da articulação na CMS é fortalecer a pressão nas ruas para garantir as bandeiras que unificam a luta dos movimentos sociais no país.

Com informações de Valor Econômico

25 de jan. de 2011

Reforma Agrária: prioridade máxima

Reproduzo abaixo o excelente artigo da Comissão Pastoral da Terra.

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2010, o pior ano para a Reforma Agrária no governo Lula

Comissão Pastoral da Terra, Correio da Cidadania, 20 janeiro 2011

Ao fim de mais um ano, que representa o encerramento de dois mandatos do presidente Lula, os desafios e impasses históricos da Reforma Agrária no Brasil não foram superados. Em 2010, vimos a redução de 44% do número de famílias assentadas com relação ao ano passado, além da redução de 72% no número de hectares destinados à Reforma Agrária. O Incra tornou-se ainda mais ineficaz com o seu orçamento reduzido em quase a metade em relação a 2009.

Os números deste último ano da Era Lula explicitam: a Reforma Agrária não foi uma prioridade para o governo federal. A Reforma Agrária que deveria ser assimilada enquanto um projeto de nação e de desenvolvimento sustentável transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das reais demandas dos homens e mulheres do campo.

Balanço da Reforma Agrária 2010
2010, que encerra a chamada Era Lula, foi o pior ano para a Reforma Agrária brasileira dentre os últimos oito. A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a Reforma Agrária com uma canetada não foi cumprida.

A situação dos camponeses e trabalhadores rurais é bastante grave! O campo exige mudanças a favor da cidadania, do desenvolvimento sustentável, contra a concentração de terra e contra o fortalecimento do já poderoso agronegócio brasileiro!

Em 2010, houve uma redução das famílias assentadas em 44% com relação ao ano passado, o qual já foi bastante insuficiente diante das promessas e dos deveres de um governo de fazer a Reforma Agrária e, sobretudo, diante das necessidades das famílias camponesas.

Também ocorreu neste ano uma drástica redução de 72% no número de hectares destinados à Reforma Agrária, conforme os números divulgados pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é exagero afirmar que em 2010 houve uma intensa estagnação no processo de Reforma Agrária em todo o país.

De fato, o orçamento do Incra foi reduzido em quase a metade em relação ao ano passado. Esse profundo corte dos recursos confirma que a Reforma Agrária não foi uma prioridade para o Governo Federal. O quadro se agravou ainda mais porque além do corte o orçamento destinado para a Reforma Agrária neste ano se encerrou no mês de junho e o governo nada fez para evitar que o Congresso Nacional vetasse a suplementação orçamentária. O dinheiro que já era pouco faltou por quase um semestre.

A Reforma Agrária, como um conjunto de medidas estratégicas para enfrentar a concentração da propriedade da terra e para promover um desenvolvimento sustentável e igualitário no campo, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária.

É lamentável que o governo Lula, nestes oito anos, tenha relegado esta pauta à periferia das políticas públicas e tenha consumado uma surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio.

A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderosos de sempre. De um lado, se favorece com recursos públicos abundantes o agronegócio agroexportador e destruidor do planeta. De outro lado, praticamente se relega a um plano inferior a agricultura familiar e camponesa que é responsável pela produção dos alimentos, do abastecimento do mercado interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, segundo o último Censo agropecuário de 2006.

Com a expansão do setor sucroalcooleiro e maior investimento governamental para a produção de etanol, os números de trabalhadores encontrados em situação de escravidão subiram significativamente. Na era FHC, cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados do trabalho escravo no campo. Na Era Lula esse número sobe drasticamente para 32 mil. Atribuímos este aumento a uma maior atuação do Grupo Móvel de combate ao Trabalho Escravo, pressionados por uma maior mobilização social em torno do tema, criações de campanhas, denúncias nacionais e internacionais (OIT), visibilidade na imprensa, a criação da lista suja, além de outros mecanismos jurídicos como a alteração da definição penal do crime de Trabalho Escravo (TE), no art. 149.

No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma. Com efeito, não houve vontade política em demarcar os territórios quilombolas, além de o Incra não dispor de pessoal capacitado e de estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de relatórios técnicos, mantendo-se inerte diante dessa dívida histórica com o povo dos quilombos, remanescente ainda sofrido da odiosa escravidão.

Como resultado disso, são insignificantes os dados divulgados pelo Instituto, que revelam que o governo Lula chega ao seu último ano emitindo apenas 11 títulos às comunidades quilombolas. Número bastante irrisório diante da demanda de mais de 3.000 comunidades em 24 estados brasileiros.

Também nessa questão, o agronegócio tem exercido pressões contrárias à titulação das terras e, infelizmente, o governo tem sido mais sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores políticos ligados ao agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o direito de auto-identificação, conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.

A postura do governo federal foi ainda mais lamentável quando a Casa Civil passou a reter todos os processos de regularização territorial dessas comunidades, embora o Supremo Tribunal Federal tenha negado o pedido liminar do DEM na ADIN que pretende julgar inconstitucional o decreto que regulamenta a matéria.

Na Reforma Agrária, como nos remanescentes dos quilombos, lamentavelmente, o governo Lula manteve o passivo de conflitos de terra recebido do governo anterior. A atual política econômica é uma aliada das empresas transnacionais, mineradoras e do agronegócio e, assim, penaliza cada vez mais a agricultura familiar e camponesa.

Embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos últimos anos, em especial em 2010, o número de famílias envolvidas na luta pela terra na Era Lula não é tão distante do da Era FHC (570 mil famílias, 3.880 ocupações). Os dados do governo Lula, relativos aos dois mandatos, ainda não foram fechados, mas estimativas indicam a participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621 ocupações de terra ao longo desse período (dados do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária - NERA).

No Sertão Nordestino também são visíveis os efeitos perversos desse abandono de prioridade das políticas públicas. Tem se intensificado o crescimento do agronegócio e da mineração, com o decisivo apoio dos governos federal e estaduais, através de ações e de recursos públicos. É o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, no alto sertão paraibano e no sertão pernambucano.

Todos são projetos de mineração, de fruticultura irrigada, com uso intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e, sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores.

Em todos esses grandes projetos, os resultados imediatos na geração de empregos e de investimentos mascaram um futuro nada sustentável, com a geração de danos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, bem como com a intensificação da concentração de renda e de terras, com graves impactos nas populações tradicionais.

Com esses moldes e parâmetros, o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, que o governo tanto divulga e festeja, é mais um projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó, na Paraíba, a exploração das atividades de mineração só fez aumentar a grilagem de terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.

Na Zona da Mata pernambucana, o governo federal não questionou o domínio territorial do decadente agronegócio canavieiro. Nem a tragédia ambiental, com a inundação de dezenas de cidades em Alagoas e Pernambuco, em decorrência da devastação provocada pela cana de açúcar, sensibilizou os governos federal e estaduais.

Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas para obrigar as Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor os seus passivos ambientais, a forte pressão do setor e o apoio do Ministério Público Federal fez com que houvesse uma trégua da Justiça para com essas empresas seculares, enquanto a população mais pobre perdia tudo que tinha na devastadora enchente de 2010.

Diante desses fatos, a reconstrução das cidades está se dando em áreas desapropriadas das Usinas, sem que qualquer medida preventiva ou estrutural de recomposição da Mata Atlântica destruída tenha sido tomada.

No que se refere à aquisição de terras por estrangeiros, o governo federal perdeu o controle que existiu de 1971 até 1994 e deu continuidade à política de FHC, com a permissão de compras de extensas áreas de terras por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por estrangeiros.

Apenas em 2010, a Advocacia Geral da União reviu seu parecer e passou a entender que a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros estaria limitada ao máximo de cinco mil hectares, cuja soma das áreas rurais controladas por esses grupos não poderia ultrapassar 25% da superfície do município.

A decisão veio tardia e foi ineficaz, além de consolidar todas as aquisições anteriormente realizadas, configurando-se uma medida de extrema gravidade e atentatória à soberania nacional, ao manter sob domínio estrangeiro áreas próximas às fronteiras e na região amazônica.

Assim, no governo Lula, pouco há a comemorar em favor da agricultura camponesa. Mas temos o dever de registrar essas exceções para estimular a sua multiplicação. Por exemplo, o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) foram transformados em políticas públicas permanentes, através de decretos assinados por Lula.

Um outro fato positivo foi a reestruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que praticamente não existia e que virou um instrumento importante para a comercialização da agricultura familiar e camponesa.

Também é merecedor de reconhecimento que o governo federal tenha deixado de ser um agente ativo na criminalização de trabalhadores sem terras, de suas lideranças e de seus movimentos. O que dificultou os esforços do agronegócio junto à Justiça, um poder que pouco tem melhorado nesses anos, no trato das questões agrárias e no reconhecimento dos direitos de cidadãos humildes e explorados.

Diante da existência dessas poucas ações importantes e positivas, em contraste com a abundância do mau desempenho do governo Lula na Reforma Agrária, o próximo governo tem que ter um posicionamento firme, com ações concretas, nas questões estratégicas da Reforma Agrária, tais como:

1) assumir efetivamente a vontade política de realizar a reforma agrária e de defender a agricultura familiar e camponesa;

2) ter um orçamento compatível e do tamanho das demandas, da dignidade e dos direitos do povo do campo;

3) propor um modelo que priorize a soberania alimentar baseado na produção camponesa;

4) limitar o tamanho da propriedade da terra;

5) assegurar a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 PEC que prevê o confisco de terras de escravagistas;

6) garantir a demarcação das terras indígenas e quilombolas;

7) promover a aferição da função social da terra pelos vários pontos fixados pela Constituição Federal;

8) atualizar, enfim, os índices de produtividade.

No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático e sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente, todo o mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade de salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e camponesa são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar a sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e nos modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o governo Lula beneficiou o latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do projeto do novo Código Florestal.

O período que agora se encerrou com o final do segundo mandato do presidente Lula produziu resultados evidentes na formação de consumidores, mas não na formação de cidadãos. Os desafios são imensos para que a migração que ocorreu entre as classes sociais não seja meramente provisória. Na verdade, o fato positivo de poder consumir é apenas uma parte da cidadania, a qual somente se estabiliza com o acesso ao conhecimento, à educação, a terra, às condições de nela produzir, dentre outros atributos que o governo Lula não soube, nem quis, assegurar ao povo do campo.

Assim, diante das demandas da reforma agrária e da agricultura familiar e camponesa, é imensa a missão da presidenta da República recentemente eleita. Com o apoio da maioria do Congresso Nacional, a futura presidenta efetivamente terá, nesses campos estratégicos, a missão de fazer a Reforma Agrária que nunca foi feita no Brasil.

15 de jan. de 2011

A explosiva questão da reforma da terra no Brasil

Tratar seriamente da tragédia dos deslizamentos de terra no Rio implica em tratar da necessidade de reforma urbana no Brasil como solução para o problema dos assentamentos urbanos em zonas de alto risco.

Entretanto, a solução dessa questão não é tão simples quanto parece.  Há muito mais a se considerar se olharmos para outros aspéctos do problema, como a estrutura da produção e da distribuição da renda no país, a expansão das metrópoles e o esvaziamento do campo.

Em outras palavras, não se trata apenas de fazer reforma urbana;  é preciso considerar também a baixa renda da grande maioria dos atingidos por essa tragédia – razão principal pela qual ocupam (ou ocupavam) zonas de risco.  A reforma urbana em si poderia ajudar a relocá-los;  mas, não podendo atender a todas as necessidades de locação, não lhes garantiria emprego ou renda adequada.

O que se precisa, de fato, é de uma política nacional de desenvolvimento responsável, que seja a base de suporte de um planejamento integral com foco não apenas no output econômico das emprêsas mas também na distribuição da renda, na distribuição da terra – urbana e rural – de forma adequada para que, gerando oportunidades, atenda os interesses de todos e não apenas os de uma minoria.

Fala-se também em descentralização urbana como uma saída para se acalmar o crescimento desenfreado das grandes metrópoles e estimular a ocupação das cidades menores.  Entretanto, essa idéia não passa de utopia enquanto a terra não for redistribuída e os objetivos da produção nacional não forem repensados.  Isso porque as cidades não são apenas locais de moradia e centros de atividades sociais e culturais.  As cidades são essencialmente centros econômicos, postos de troca para a produção local e para as regiões produtivas que as cercam.  São as atividades produtivas das cidades e do campo que viabilizam a adequada ordenação do território.

Sem uma reforma agrária, e sem um redirecionamento da produção nacional para o atendimento das necessidades básicas do povo, não haverá produção local suficiente para estimular as trocas econômicas nas vilas e cidades menores, e as estradas continuarão a ser meros corredores de transporte para as exportações e para os emigrantes rurais e urbanos em direção aos grandes centros.

No Brasil e na América Latina, desde o início da colonização européia, a 'fazenda' é o modêlo social vigente e o 'fazendeiro' ainda é venerado como um 'deus todo-poderoso'.  Obviamente, as elites rurais, 'proprietárias' da terra, não querem mudanças.  Mas, a terra deve ser um bem-social, deve ser distribuída de acordo com as necessidades da sociedade, como acontece na grande maioria dos países hoje desenvolvidos e que, há séculos, realizaram sucessivas reformas agrárias distributivas  (por exemplo:  EEUU nos séculos XVIII e XIX;  França e Suécia no século XVIII;  Finlândia nos séculos XVIII, XIX e XX;  Irlanda nos séculos XIX e XX;  Dinamarca, Canadá e Grécia no século XIX;  Japão nos séculos XIX e XX;  China no século XX.  Ver Wikipedia).  Em uma sociedade democrática como é a nossa hoje, essa questão precisa ser examinada com atenção.  Diante de uma ampla reforma da terra no país, talvez possamos pensar essa ideologia da 'propriedade rural', do 'fazendeiro', em termos de uma estratégia de re-locação.

A tragédia do Rio está a despertar um debate fundamental que precisa ser ampliado mas que somente o será à medida em que nossa democracia se torne mais participativa, ampliando-se, e à medida em que temas fundamentais passem a ser submetidos à população para sua análise e posicionamento, o que talvez somente seja possível através da democratização da comunicação no país (vê-se, aqui, mais uma razão para promovermos tal democratização).  Há mérito em nos lembrarmos da necessidade da reforma urbana;  entretanto, ao fazê-lo, apenas nos acercamos timidamente da ainda mais complexa e explosiva questão, realmente crucial e que deve ser abordada simultaneamente:  a questão da reforma agrária.



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A tragédia das chuvas só tem uma resposta óbvia:  reforma urbana

Luana Bonone, Vermelho, 13 janeiro 2011

Mais de 480 vítimas fatais até agora. Mais de 13.500 desabrigados. Pelo menos 300 desaparecidos. Incontáveis feridos ou doentes vitimados pela tragédia. Os números, dignos de uma guerra, revelam o triste cenário que serve de sinistro alerta para a importância de políticas estruturais de planejamento urbano, saneamento básico e regularização imobiliária. Este é, até agora, o extrato numérico e político das conseqüências provocadas pelas fortes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro.

Moradores de Teresópolis (RJ) ajudam a Defesa Civil na busca por sobreviventes. Foto:  Vanderlei Almeida/AFP

Em reação ao cenário desolador, a presidente Dilma Rousseff visitou as regiões mais devastadas, o Ministério da Saúde doará sete toneladas de remédios e o governo federal anuncia o investimento de R$ 780 milhões para combater os efeitos trágicos das chuvas.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, segue ritual parecido, apesar de repetir o cacoete de outros governadores e de prefeitos das regiões mais atingidas: culpou a natureza e outros políticos, tendo criticado "décadas de permissividade" com a ocupação de áreas irregulares. Disse ainda que, pela Constituição de 1988, o solo urbano é de responsabilidade das prefeituras.

Solidariedade
Entidades dos movimentos sociais organizam campanhas de doação de roupas, comida, colchões, remédio e até sangue. O PCdoB Petrópolis criou o núcleo "PCdoB Solidário", que ajudará as vítimas das tragédias da região serrana do Rio de Janeiro. O partido local estuda ainda a possibilidade de montar uma tenda no centro da cidade e divulga lugares em Petrópolis que já estão recebendo doações: Bauhaus, no Parque de Exposição de Itaipava, Estácio de Sá, Bikers Lounge, CEAC no Valparaíso.

A necessidade maior é de água potável. A reclamação comum é quanto ao “descaso das autoridades locais” e a cobrança é acertadíssima: “é hora de enfrentar com coragem a questão das ocupações irregulares, independentemente de serem habitadas por ricos ou pobres”.

A solidariedade vem também de fora. O internacionalismo proletário se fez presente por meio de uma nota da Federação Sindical Mundial, organização à qual a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) é filiada.

A juventude, que participará de eventos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) na próxima semana na cidade do Rio de Janeiro, estuda colocar tendas para recolhimento de doações em suas atividades.

O Brasil está mobilizado por força da solidariedade, como esteve em todas as enchentes anteriores. O ritual é repetido ano a ano, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em outras capitais, além de cidades no interior dos respectivos estados. Todo verão os noticiários são inundados de números informando o tamanho da tragédia causada pelas chuvas.

Ocorre que a cada ano a tragédia é maior, os investimentos emergenciais são maiores, e as políticas de prevenção não parecem crescer na mesma proporção.

A presidente Dilma e o governador Sérgio Cabral visitaram as áreas mais devastadas pelas chuvas no estado do Rio de Janeiro. Foto: Roberto Stuckert Filho / PR

Soluções estruturais
É preciso travar o combate às tragédias causadas pelas condições climáticas e pela imprudência imobiliária. Isso exige uma postura firme e organizada dos governos federal, estaduais e municipais, agindo de forma integrada e em diálogo com a comunidade.

Pois, ao contrário disso, as notícias mais comuns após o mês de março em geral são a respeito de grandes obras para desafogar o trânsito – geralmente aumentando a quantidade de áreas cobertas por asfalto, o que reduz a permeabilidade do solo. Há também notícias que merecem menos destaque nos grandes veículos de comunicação, como a redução da verba para a limpeza urbana na cidade de São Paulo, ou os constantes despejos sem alternativa de moradia às famílias desalojadas, resultando em situações como o acampamento recentemente realizado por famílias despejadas em frente à Câmara Municipal de São Paulo. No Rio de Janeiro, os movimentos de luta pela moradia encontram cenário semelhante.

Urge a implementação de políticas de reforma urbana que utilizem imóveis em locais habitáveis das cidades para fins de moradia, políticas de desassoreamento de rios e limpeza de canais, políticas de limpeza urbana que valorizem a reciclagem e a reutilização, políticas de regularização imobiliária que impeçam a construção de moradias em locais inapropriados – e que ofereçam alternativas à população que ainda não tem acesso ao sonho da casa própria. É urgente uma união de esforços que vá além da solidariedade imediata pós-tragédia, que não se limite a ações imediatas e “firmes”, como acertadamente prometeu a presidente Dilma, mas que consiga implementar soluções estruturais.

Tão urgente quanto socorrer as vítimas diretas da tragédia da vez, é estabelecer políticas e investimentos de médio e longo prazo que dêem conta de responder à altura os desafios que o crescimento das cidades apresenta ao desenvolvimento do país. Pois a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro e em São Paulo só tem uma resposta óbvia, embora nada simples: reforma urbana.

Com informações de agências

13 de jan. de 2011

Previsões sobre a economia mundial

O autor do artigo anexo abaixo, Walden Bello, é professor de sociologia na Universidade das Filipinas, fundador e analista senior da ONG Focus on the Global South, membro do Transnational Institute de Amsterdam, e presidente da ONG Freedom from Debt Coalition.  Ele é conhecido por acadêmicos e militantes de esquerda por sua posição crítica ao modêlo corrente de globalização econômica.

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Perspectivas da economia mundial em 2011

O que alguns analistas chamam de regresso da China a um padrão de crescimento orientado à exportação se chocará com os esforços dos EUA e da Europa para impulsionar a recuperação mediante um crescimento orientado à exportação simultaneamente com a adoção de barreiras à entrada de importações asiáticas.  O resultado mais provável dessa volátil mistura de estímulo à exportação e proteção interna por parte dos três setores que encabeçam a economia mundial não será expansão global, mas sim deflação global.  O humor dominante nos círculos econômicos liberais no final de 2010 é sombrio, para não dizer apocalíptico.  O artigo é de Walden Bello.

Walden Bello, tradução de Marco Aurélio Weissheimer, Sin Permiso/Carta Maior, 3 janeiro 2011

Em contraste com suas previsões otimistas, no final de 2009, de uma recuperação sustentada, o humor dominante nos círculos econômicos liberais no final de 2010 é sombrio, para não dizer apocalíptico.  Os falcões fiscais ganharam a batalha política nos EUA e na Europa, para alarme dos defensores do gasto público, como o prêmio Nobel Paul Krugman e o colunista do Financial Times, Martin Wolf, que consideram as restrições orçamentárias como a receita mais segura para matar a incipiente recuperação nas economias centrais.

Mas ainda que os EUA e a Europa pareçam presos a uma crise mais profunda no curto prazo e à estagnação no longo prazo, alguns analistas falam de um “desacoplamento” do Leste Asiático e de outras áreas em desenvolvimento em relação às economias ocidentais.  Essa tendência se iniciou em 2009 na esteira do programa de estímulos massivos da China, que não só reestabeleceu o crescimento chinês de dois dígitos, como tirou da recessão e levou à recuperação várias economias vizinhas, desde Singapura até a Coréia do Sul.  Em 2010, a produção industrial asiática recuperou a sua tendência histórica, “quase como se a Grande Recessão nunca tivesse ocorrido”, segundo The Economist.

Será que a Ásia está seguindo realmente um caminho separado da Europa e dos Estados Unidos? Será que estamos realmente assistindo a um desacoplamento?

O triunfo da austeridade
Nas economias centrais, a indignação com os excessos das instituições financeiras que precipitaram a crise econômica deram lugar à preocupação com os déficits públicos massivos em que os governos incorreram para poder estabilizar o sistema financeiro, frear o colapso da economia real e enfrentar o desemprego.  Nos Estados Unidos, o déficit se situa acima de 9% do PIB.  Não é um déficit descontrolado, mas a direita norteamericana conseguiu a façanha de que o medo do déficit e da dívida federal pesasse mais no espírito da opinião pública do que o medo do aprofundamento da estagnação e do aumento do desemprego.  Na Inglaterra e nos EUA, os conservadores fiscais conseguiram um mandato eleitoral claro em 2010, enquanto que, na Europa Continental, uma Alemanha retornando ao crescimento anunciou ao resto da eurozona que não seguiria subsidiando os déficits dos membros mais fracos das economias meridionais ou periféricas, como Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal.

Nos EUA, a lógica da razão deu lugar à lógica da ideologia.  O impecável argumento dos Democratas de que o gasto público em estímulos à economia era necessário para salvar e criar postos de trabalho não conseguiu resistir ao assalto da tórrida mensagem Republicana, segundo a qual um maior estímulo público, acrescido dos 787 bilhões de dólares do pacote de Obama em 2009, significaria um passo mais na direção do “socialismo” e da “perda da liberdade individual”.  Na Europa, os keynesianos argumentaram que o relaxamento fiscal não só ajudaria a Irlanda e as economias meridionais com problemas, como também a poderosa maquinaria econômica alemã, pois essas economias absorvem as exportações da Alemanha.  Do mesmo modo que nos EUA, os argumentos racionais sucumbiram às imagens sensacionalistas, neste caso ao retrato midiático de uns esforçados alemães subsidiando hedonistas mediterrâneos e esbanjadores irlandeses.  A contragosto, a Alemanha aprovou pacotes de resgate para a Grécia e a Irlanda, mas só sob a condição de que gregos e irlandeses fossem submetidos a selvagens programas de austeridade, descritos por nada menos que dois ex-ministros alemães no Financial Times como medidas antissociais “sem precedente na história moderna”.

O desacoplamento ressuscitado
O triunfo da austeridade nos EUA e na Europa, sem dúvida alguma, eliminará essas duas áreas como motores para a recuperação econômica global.  Mas será que a Ásia encontra-se em um caminho diferente?  Será que ela pode suportar, como Sísifo, o peso do crescimento global?

A idéia de que o futuro econômico da Ásia se desacoplou do das economias do centro não é nova.  Esteve na moda antes da crise financeira derrubar a economia norteamericana em 2007-2008.  Mas se revelou ilusória quando a recessão atingiu os EUA, país do qual a China e outras economias do Leste Asiático dependiam para absorver seus excedentes.  Entre fins de 2008 e início de 2009, a Ásia foi atingida repentina e drasticamente.  São desse período as imagens televisivas de milhões de trabalhadores chineses migrantes abandonando as zonas econômicas costeiras e regressando para o campo.

Para enfrentar a contração econômica, a China, tomada de pânico, lançou o que Charles Dumas, autor de Globalisation Fractures, caracterizou como um “violento estímulo interior” de 4 bilhões de yuanes (580 bilhões de dólares).  Isso significava cerca de 13% do PIB em 2008 e constituiu “provavelmente o maior programa da história deste tipo, incluídos os anos de guerras”.  O estímulo não só restituiu o crescimento de dois dígitos; também transmitiu às economias do Leste asiático um impulso recuperador, enquanto Europa e os EUA caíam na estagnação.  Essa notável inversão é o que levou ao renascimento da idéia do desacoplamento.

O governante Partido Comunista da China reforçou essa idéia ao sustentar que se produziu uma mudança de política que prioriza o consumo interno em relação ao consumo orientado para a exportação.  Mas se observamos o quadro com mais atenção, vemos que isso é mais retórica que qualquer outra coisa.  Com efeito, o crescimento orientado para a exportação segue sendo o eixo estratégico, algo que é sublinhado pela continuada negativa chinesa de valorizar o yuan, uma política destinada a manter competitivas suas exportações.  A fase de incentivo do consumo interno parece ter acabado e a China fala agora, como observa Dumas, “em processo de mudança massivo, desde o estímulo benéfico da demanda interior até algo muito parecido ao modelo de 2005-2007:  crescimento orientado para a exportação com um pouco de reaquecimento.

Não só analistas ocidentais como Dumas tem chamado a atenção sobre esse regresso ao crescimento orientado para a exportação.  Yu Yongding, um influente tecnocrata que trabalhou como membro do comitê monetário do Banco Central chinês, confirma que, de fato, se voltou à prática econômica habitual:  “Na China, com razões comércio/PIB e exportações/PIB que excedem já, respectivamente, 60% e 30%, a economia não pode seguir dependendo da demanda externa para sustentar o crescimento.  Desgraçadamente, com um enorme setor exportador que emprega milhões e milhões de trabalhadores, essa dependência se tornou estrutural.  Isso significa que reduzir a dependência e o excedente comercial da China passa por saturar mais do que por ajustar a política macroeconômica.

O regresso ao crescimento orientado à exportação não é simplesmente um assunto de dependência estrutural.  Tem a ver com um conjunto de interesses procedentes do período da reforma, interesses que, como diz Yu, “se transformaram em interesses corporativos que lutam duramente para proteger o que têm”.  O lobby exportador, que junta empresários privados, altos executivos de empresas públicas, investidores estrangeiros e tecnocratas de Estado, é o lobby mais poderoso de Beijing neste momento.  Se a justificativa oferecida para o estímulo público foi derrotada pela ideologia nos EUA, na China a argumentação igualmente racional em defesa do crescimento centrado no mercado interno foi aniquilada por interesses materiais setoriais.

Deflação global
O que os analistas como Dumas chamam de regresso da China ao tipo de crescimento orientado à exportação se chocará com os esforços dos EUA e da Europa para impulsionar a recuperação mediante um crescimento orientado à exportação simultaneamente com a adoção de barreiras à entrada de importações asiáticas.  O resultado mais provável da promoção competitiva dessa volátil mistura de estímulo à exportação e proteção interna por parte dos três setores que encabeçam a economia mundial em uma época de comércio mundial relativamente menos próspera não será expansão global, mas sim deflação global.  Como escreveu Jeffrey Garten, antigo subsecretário de Comércio no governo Bill Clinton:

Ainda que se tenha prestado muita atenção à demanda de consumo e industrial nos EUA e na China, as políticas deflacionárias que envolvem a União Européia, a maior unidade econômica do mundo, poderiam afetar negativamente o crescimento econômico global.  As dificuldades de levar a Europa a redobrar seu desempenho nas exportações ao mesmo tempo em que EUA, Ásia e América Latina estão posicionando suas economias para vender mais em todo o mundo, não poderia senão exacerbar as tensões, já suficientemente altas, nos mercados de divisas.  Poderia levar a um ressurgimento das políticas industriais patrocinadas pelos estados, cujo crescimento já pode ser observado em todas as partes.  Tomados em conjunto, todos esses fatores poderiam propagar o incêndio protecionista tão temido por todos.

A crise da Velha Ordem
O que nos aguarda em 2011 e nos próximos anos, adverte Garten, são momentos de “turbulência excepcional, à medida em que o ocaso da ordem econômica global tal como a conhecemos avança de modo caótico e, talvez, destrutivamente”.  Garten destila um pessimismo que está tomando conta cada vez mais de boa parte da elite global que outrora anunciava a boa nova da globalização e que agora a vê desintegrar-se literalmente ante seus próprios olhos.  E esta ansiedade fin de siècle não é monopólio dos ocidentais.  Ela é compartilhada pelo influente tecnocrata chinês Yu Yongding, que sustenta que o “impulso do crescimento chinês praticamente esgotou seu potencial”.  A China, economia que conseguiu cavalgar a onda globalizadora com maior êxito, “chegou a uma disjuntiva crucial: se não implementar penosíssimos ajustes estruturais, poderá perder subitamente a força de seu crescimento econômico.  O rápido crescimento econômico foi obtido a um custo extremamente alto.  Só as próximas gerações conhecerão o verdadeiro preço a ser pago”.

A esquerda na presente conjuntura
Diferentemente das medrosas apreensões de figuras do establishment como Garten e Yu, muitas pessoas da esquerda vêm a turbulência e o conflito como a necessária companhia do nascimento de uma nova ordem.  E, com efeito, os trabalhadores estão se mobilizando na China e já obtiveram aumentos salariais significativos com greves organizadas em empresas estrangeiras ao longo de 2010.  Os protestos também eclodiram na Irlanda, Grécia, França, Portugal e Grã Bretanha.  Mas, ao contrário da China, na Europa os trabalhadores estão marchando para recuperar direitos perdidos.  O certo é que, nem na China, nem no Ocidente, nem em parte alguma são os trabalhadores portadores de uma visão alternativa à ordem capitalista global.  Ao menos não ainda. 

Democratização da Comunicação II

Há muito a fazer para que se consiga de fato a democratização da comunicação no Brasil.  A pressão das entidades de classe é fundamental para que o processo político se instaure.  O artigo abaixo apresenta alguns dos problemas enfrentados por aqueles grupos que estão lutando pela abertura desse processo.  Verifique:

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Entidades se mobilizam para reivindicar política de comunicações

Entidades e militantes por um novo marco regulatório das comunicações do país pretendem pressionar o governo, via Ministério das Comunicações, para que enfrente as reações das empresas e que mudanças no setor sejam realmente implementadas.

Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual/Vermelho, 12 janeiro 2011

Essa disposição foi novamente manifestada na noite desta terça-feira (11), quando mais de uma centena de pessoas lotou o auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo durante o lançamento dos três volumes do livro Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil, editado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM).

No debate que acompanhou o lançamento — promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé —, o marco regulatório e o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) mereceram destaque.
O jornalista Paulo Henrique Amorim afirmou, por exemplo, que o Brasil tem duas estradas a percorrer — uma representada pelas propostas para a criação de uma Lei de Meios no setor de comunicação.  A outra refere-se às Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs) apresentadas no Supremo Tribunal Federal (STF) devido à falta de regulamentação de artigos da Constituição sobre comunicação.

Amorim defendeu pressão sobre a Advocacia Geral da União (AGU) para que esta não dê parecer contrário às ações, assim como fez no debate sobre a revisão da Lei da Anistia.  "Acredito que essa é uma das poucas páginas cinzentas do governo Lula.  É preciso pressão para que a AGU não traia a nossa expectativa e de quem votou em Dilma Rousseff", afirmou o criador do blog Conversa Afiada.

A respeito do PNBL, o jornalista afirmou que não se pode permitir que o governo "fetichize" a questão.  "Banda larga é trilho, não vagão.  Tecnologia não resolve problema político.  Banda larga não é sinônimo de democracia.  Se dentro do vagão vier o Nelson Jobim, por exemplo, eu não quero banda larga", ironizou.

Amorim disse ainda esperar que o ministro Paulo Bernardo não tenha "medo da Globo" e leve adiante a discussão sobre a regulamentação da comunicação.  "Existe um embrião, e meu receio é que esse embrião tenha o mesmo destino das quatro propostas (sobre o tema, que foram feitas) no governo FHC:  a lata de lixo."

Agenda
Autor das ADOs no STF, o jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que o importante é manter o debate.  "O objetivo das ações não é conseguir uma vitória judicial imediata.  É tornar esse assunto algo permanente na agenda política.  Temos de pressionar o governo e o Congresso para cumprir a Constituição.  Espero que possamos fazer isso com organização e pertinácia", afirmou alertando ainda para o "poder de fogo" do capitalismo, "muito mais arguto, perspicaz e inteligente do que a gente imagina, com capacidade inigualável de atuação e sufocamento do adversário".

É preciso que o Congresso legisle sobre o tema, insistiu o professor, ao lembrar que a comunicação no Brasil, com quatro conglomerados, é ainda mais concentrada do que nos Estados Unidos (cinco).  "A comunicação social autêntica se desenvolve em um espaço público.  Esse espaço público, no Brasil, foi inteiramente privatizado", afirmou Comparato, para quem as concessões que não atuam no interesse público deveriam ser cassadas.

O professor defendeu ainda a garantia do direito de resposta – praticamente eliminado, na sua visão, após a revogação da Lei de Imprensa pelo Supremo, em 2009.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Guto Camargo, observou que a produção crítica sobre o tema não costumava passar pelo governo e, por isso, ressaltou a importância do estudo do IPEA.  Mas os profissionais do setor precisam participar mais, afirmou.  "Os jornalistas precisam ser agentes mais do que têm sido até agora.  Eles sabem como é feita a salsicha", afirmou, em referência à expressão antiga nas redações que compara a confecção de jornais à de embutidos.

Articulação
O presidente do IPEA, Marcio Pochmann, ao apresentar o estudo, afirmou que a dinâmica capitalista global passa por um momento de reestruturação, com dois elementos principais: o deslocamento de poder dos Estados Unidos para a Ásia, o que dá oportunidade inédita ao Brasil, e a transição, na economia, do trabalho material para o imaterial, ou seja, de atividades agroindustriais para o setor de serviços, que já responde por 70% das ocupações.

"Há um processo alienante de aumento da exploração do trabalho.  Estamos levando trabalho para casa, conectados 24 horas por dia.  Estamos dizendo adeus ao descanso semanal remunerado", observou.

Ao mesmo tempo, Pochmann lembrou que a experiência democrática ainda é recente no Brasil, 50 anos em um total de 500.  Mas ao menos os últimos 25 anos foram vividos na democracia, ainda que mais representativa do que participava.  É o momento, defendeu o economista, de discutir as mudanças no setor de comunicação de forma articulada.

O primeiro dos três volumes lançados pelo IPEA traz artigos de especialistas, abordando temas como as redes na internet, políticas públicas, tendências tecnológicas, e a mídia dos BRICs (sigla que abrange Brasil, Rússia, Índia e China).  O segundo inclui textos que tratam da memória das associações científicas e acadêmicas de comunicação no país.  E o terceiro discute as tendências no setor, com diversos gráficos e dados estatísticos.

Pochmann adiantou que existe a perspectiva de se criar um observatório de acompanhamento da comunicação.  Já o Barão de Itararé anunciou para março a realização de um seminário internacional para discutir o panorama das comunicações na América do Sul.

12 de jan. de 2011

Estratégia para o socialismo

Hugo Chávez tem demonstrado, ao longo de sua vida e de seus pronunciamentos, que é um líder em busca de caminhos para implantar o socialismo na Venezuela e em toda a América Latina.

Em seu mais recente pronunciamento, já se preparando para a campanha eleitoral de 2012, ele propõe mudanças no seu partido – o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) – a fim de que todos aqueles que possam se beneficiar de sua política compreendam o seu significado e poder e votem de forma adequada.

Parafrazeando Paulo Freire, o que Hugo Chávez propõe trata-se de educação política para a libertação.  O que se espera é que, no processo, que dependerá da militância do partido, o povo discuta como votar pelos seus interesses, e não por interesses alheios, sempre ocultos na enganosa propaganda eleitoral da elite.

Verifique:

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Chávez propõe um partido para as lutas do povo e o socialismo

Vermelho, 12 de janeiro de 2011

Num pronunciamento em que criticou o burocratismo, a cultura política capitalista e a inércia da máquina eleitoral, o líder da Revolução Bolivariana, em encontro realizado na terça-feira (11) em Caracas com dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) fez um chamamento a que o partido seja efetivamente um condutor das lutas do povo e um poderoso instrumento de propaganda, agitação e comunicação.

Após uma reunião com a direção do PSUV, do qual é o principal dirigente, Chávez deu a conhecer as cinco Linhas de Ação Estratégica para um eficiente funcionamento dessa força com vistas às eleições de 2012.

1.     A primeira, disse, é passar da cultura política capitalista à militância e cultura socialistas.

2.     Acrescentou que é urgente, em segundo lugar, transformar a organização do partido para que o PSUV se transforme num partido-movimento a serviço das lutas concretas do povo, o que alguns chamam de política prática.

"Não podemos ficar somente na teoria", disse Chávez, e fez um chamamento a fazer política em cada bairro, em cada comunidade com o objetivo de tonar a vida melhor para os venezuelanos.

"Essa é uma das estratégias fundamentais do partido para deixar de ser uma máquina eleitoral", afirmou o líder da Revolução Bolivariana.

3.     Chávez enumerou, como terceira linha, a importância de transformar o PSUV em um poderoso instrumento de propaganda, agitação e comunicação.

4.     Em quarto lugar, destacou a necessidade de o partido passar da inércia da máquina partidária para liderar a luta do povo e desenvolver o poder popular, a fim de que se converta em sujeito histórico.

5.     Avançar para a construção de um grande Polo Patriótico, em uma audaz política de re-polarização, reunificação e re-politização, é a quinta linha, detalhou o presidente do PSUV e estadista.

Chávez ressaltou que no país há dois polos representados na Assembléia Nacional, que se transformou num importante espaço de debate político onde a oposição mostra seus verdadeiros interesses.

O mandatário informou que a direção nacional do PSUV trabalhou na minuta do documento denominado Linhas Estratégicas de Ação Política do Partido, que será apresentado no dia 21 de janeiro em um encontro nacional com a presença de mais de 1.440 dirigentes revolucionários.

Na última terça-feira (11), a direção nacional do PSUV debateu estas linhas estratégicas com o objetivo de acertar os detalhes sobre as ações da organização no período de quase dois anos que antecede as eleições para presidente da República, governadores e prefeitos.

Ao apontar essas cinco linhas estratégicas, Chávez retoma o debate sobre a construção da vanguarda política da revolução democrática, popular e anti-imperialista que está em curso no país, num esforço voltado acima de tudo para a conscientização e mobilização do povo e a unidade das forças avançadas, demonstrando que a ação política de um partido revolucionário não se limita às eleições, à ocupação de cargos públicos e ao manejo de aparatos de governo.

Com informações da agência Prensa Latina

10 de jan. de 2011

Democratização da Comunicação

É preciso acabar com o atual monopólio da comunicação nas mãos de um pequeno grupo endinheirado.  Atento em defender seus interesses elitistas contra os interesses da grande maioria do povo, esse grupo tem deformado a informação e caluniado aqueles que se posicionam ao lado dos trabalhadores, ao lado do povo.

O excelente artigo anexo (abaixo) da Revista do Brasil, nos informa que algumas iniciativas começam a contecer nessa área.  

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Para democratizar a palavra

Sindicalistas de 27 países da América articulam rede de comunicação para dar voz ao mundo do trabalho.  A iniciativa deve mexer na política e no orçamento das entidades

Leonardo Severo, Revista do Brazil, 03/01/2011

Protesto na Argentina: "Tem coisas que devem mudar.  Por uma nova lei de mídia".  Foto: divulgação

O que há em comum entre o drama dos mineiros soterrados no Chile, os cortes de salários e programas­ sociais na Irlanda, a política de valorização do salário mínimo no Brasil e a exploração eleitoreira de uma bolinha de papel? E entre o aumento da idade em dois anos para o recebimento de pensões e aposentadorias na França e a recente decisão pela redução – em até 10 anos – para o acesso aos mesmos benefícios sociais na Bolívia? Além da óbvia opção sobre distintos projetos de sociedade e de país, são fatos que impactam a vida de milhões de pessoas e nos são contados por meios de comunicação de acordo com os interesses políticos de seus proprietários.  São emissoras de rádio e televisão, portais da internet, jornais e revistas que interpretam a realidade conforme sua visão de mundo – e a distribuem como verdade.

Em espanhol, há um verbo que expressa a desconsideração total, o menosprezo pelo outro e sua transformação em ninguém por parte das grandes empresas comerciais de comunicação: ningunear.  Cansados de se ver e ouvir por fontes que consideram desinformativas, sindicalistas, intelectuais e representantes de movimentos sociais de 20 países têm trabalhado para conformar uma nova rede de comunicação.  “Michel Foucault dizia que o poder se exerce em rede.  Se isso é certo, acrescentamos que o poder se constrói em rede.  E a isso vamos”, afirma Victor Báez, secretário-geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSA), entidade organizadora da iniciativa, que ganhou vida em Montevidéu em novembro passado.  A CSA congrega 59 centrais de 27 países e mais de 50 milhões de trabalhadores.

Conforme Báez, a experiência dos mineiros chilenos demonstrou como o monopólio dos meios pode impactar diretamente a vida dos trabalhadores.  “Naquele episódio, os meios privados se concentraram apenas na ação de resgate.  Com isso, conseguiram ocultar as verdadeiras causas do desastre, ou seja, a falta de investimentos em segurança por parte da empresa e a ausência de fiscalização por parte do governo.” Apesar do alerta dos sindicatos, a denúncia ficou isolada e a notícia não se difundiu.  “Esse fato nos fez recordar o ocorrido no México, em Pasta de Conchos, onde 65 trabalhadores estiveram enterrados a 490 metros de profundidade, sem nenhum tipo de auxílio da empresa.  Ali morreram.  O líder sindical que denunciou o acidente, devido à falta de condições de segurança, teve de se exilar no Canadá, perseguido pela empresa e pelo próprio governo mexicano”, relata.  A soma desses descalabros virou fermento de idéias e foi vitaminando a articulação da rede.

Sem reunir as mínimas condições de segurança, e com risco iminente para os operários, outras 18 minas acabaram sendo fechadas no Chile pelo Serviço Nacional de Geologia e Mineração, após intensa mobilização sindical e da própria sociedade, emocionada pelo drama.  Nas notificações, realizadas após o escândalo, foram evidenciadas violações das normas mais elementares de segurança, como a inexistência de pelo menos duas rotas de fuga, a falta de chaminés de ventilação e mesmo de abrigos subterrâneos.  O leitor deve ter visto a superficialidade da tal cobertura “jornalística”: nenhuma palavra a respeito da falta de pagamento dos salários ou do dinheiro público que precisou entrar para que os mineiros pudessem sair, já que a empresa alegou não dispor de recursos para o socorro.

Nas palavras do jornalista basco Unai Aranzadi, transmitidas em vídeo aos participantes da Conferência Sindical sobre Democratização da Comunicação, que lançou as bases para a rede, muita determinação é necessária, pois as “frentes de guerra número um, dois e três estão nos meios de comunicação e no controle da opinião pública”.  Segundo Aranzadi, padrões de manipulação e de silêncio impostos pelos conglomerados privados “prostituem a informação” em troca da liberdade de empresa e do discurso único do “partido do capital”.

Entusiasta da iniciativa, o uruguaio Aram Aharonian, fundador da emissora Telesul e dirigente do Observatório Comunicação e Democracia, da Venezuela, lembra que há três décadas, para impor-se um modelo político-econômico, se recorria às armas, com um saldo de milhares de mortos, desaparecidos e torturados.  “Hoje, os meios de comunicação de massa levam o bombardeio da mensagem hegemônica diretamente à sala de nossa casa, 24 horas por dia.” Para Aharonian, as grandes corporações manejam um “latifúndio midiático” e criam imaginários coletivos virtuais.  “Elas decidem quem tem a palavra, quem é o protagonista e o antagonista e trabalham para que as grandes maiorias sigam mudas e invisíveis.”

Presente boliviano
A aprovação da nova Lei de Pensões apresentada pelo governo de Evo Morales, em conjunto com a Central Obrera Boliviana (COB), rebaixa a idade da aposentadoria de 65 para 58 anos, restabelece a contribuição patronal de 3% – desde 1996 os empresários não contribuíam com a previdência –, elimina as administradoras privadas de pensões, que estavam concentradas no grupo suíço Zurich e no espanhol BBV, e cria uma única administradora e gestora dos benefícios, de caráter público.  Para os bolivianos, um “presente de Natal”.  Para a imprensa do continente, um exemplo a ser riscado do mapa.  Compreensível: a nova lei rompe com o processo neoliberal.

Mas essa experiência de “reforma” não vira manchete, pois mais de 80% das informações que chegam da Bolívia são produzidas e distribuídas por agências de Santa Cruz de la Sierra, onde se concentra a oposição de direita, capitaneada pelos barões do sistema financeiro, do agronegócio e da mídia.

A atual batalha pela “democratização da palavra” busca modificar uma norma que foi útil para a doutrina de segurança nacional das ditaduras e para as políticas neoliberais que as sucederam.  De acordo com o jornalista Mariano Vázquez, responsável pela comunicação da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA), a rede de comunicadores sindicais tende a romper a censura dos monopólios midiáticos, encabeçados pelo grupo Clarín.  “A luta no campo das ideias e na mobilização popular se conjuga com a decisão política do governo de Cristina Kirchner, que há dois anos enviou ao Parlamento um projeto de lei que dê a palavra a todos.” Vázquez sublinhou que a nova legislação democratiza o acesso à informação definido como “direito universal”, em concordância com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

A secretária nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosane Bertotti, lembrou que várias medidas oxigenadoras foram debatidas pela sociedade brasileira e aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação, devendo agora ser tiradas do papel.  Muitas delas, aliás, fazem parte do arcabouço legal, mas nunca foram regulamentadas, como o princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão público, privado e estatal, contido no artigo 23 da Constituição Federal.  “A democratização da comunicação é um passo essencial para o aprofundamento da democracia”, resume Rosane, reforçando a necessidade de investimento na rede.  A CUT tem ampliado recursos na estruturação de seus próprios canais de TV e rádio, com produção e divulgação de conteúdos que coloquem os trabalhadores como protagonistas, e tem também apoiado sistematicamente iniciativas como a Rede Brasil Atual e a TVT.

O processo de revisão das leis sobre os meios de comunicação na América Latina, em especial rádio e TV, é natural e irreversível, segundo o diretor nacional de telecomunicações do Uruguai, Gustavo Gómez Germano.  “Trata-se de um processo de re-regulação, porque o sistema anterior habilitava e fomentava a concentração dos meios de comunicação nas mãos de uns poucos e criava obstáculos de acesso às grandes maiorias”, observa.  Para Gómez, cada Estado nacional deve adequar suas legislações para impedir a formação de monopólios e oligopólios no setor.  “Se o Estado não desempenha um papel ativo, a democratização não será possível, o livre jogo da oferta e da demanda não diminuirá os abismos existentes em nossas sociedades”, acrescenta.

O representante da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI), Osvaldo León, acredita que o momento é favorável à concretização de redes que impulsionem a democracia.  “Os grandes oligopólios midiáticos agridem o verdadeiro papel e a responsabilidade dos meios de comunicação.  Pluralidade e diversidade não entram nesses meios que aí estão.  Reconhecemos a necessidade de investir e de contar com instrumentos próprios.  Se não dizemos nossa própria palavra, os outros a dizem por nós”, ele diz.  A iniciativa vai mexer na política das entidades sindicais e também em seus orçamentos.