10 de nov. de 2010

E o povo ganhou

A importância da mídia reside no fato de que, devido à sua natureza, à tecnologia disponível e ao seu alcance, ela tem um imenso poder de persuasão.   Por isso, em uma sociedade democrática, ela tem o dever de apresentar todos os ângulos, informando o debate e debatendo sem restringir a totalidade das opiniões.   Se não o fizer, torna-se instrumento de dominação, de controle.   Ao informar, a mídia deve oferecer ao espectador, ouvinte ou leitor elementos para que possa decidir por si mesmo.   Certamente, existe diferença entre informar e criar conhecimento.   Mas, pecamos se omitimos o fato de que a imprensa privada, por exemplo, habitualmente divulga apenas matéria paga ou notícia acoplada à opinião que lhe interessa enquanto empresa privada em busca de lucro.   Pois é exatamente no interesse político-econômico daqueles que controlam a mídia, daqueles que são proprietários da tecnologia de informação, que reside a desinformação.

No caso das últimas eleições, a mídia brasileira corporativa desinformou sem ser contestada pelas suas vítimas.   Talvez não fosse o momento para contestar...   Mas, visto que a desinformação tinha como objetivo afetar o PT, certamente sua audiência eram aqueles com interesses alheios aos daqueles que se beneficiavam com as políticas de governo do PT, ou supostamente alheios, isto é, 'promovidos' a opositores do PT pelo poder persuasivo que usou para tanto, provocando a polarização brutal da opinião pública.   A única razão pela qual a mídia privada perdeu essas eleições (e ela sabe disso) foi por que as condições objetivas para que a maioria dos eleitores decidisse pelos seus próprios interesses realmente existiu, e isso se deveu à política acertada do governo Lula.   A maioria do povo teve mais empregos disponíveis, salários aumentados, benefícios alimentares e de saúde, enfim, se elevou socialmente graças às políticas governamentais com foco nos menos favorecidos.   Talvez devessemos nos perguntar, antes de mais nada, quem perdeu com isso...

Liberdade de imprensa não deve ser confundida com liberdade de enganar ou conduzir.   A mais recente Lei de Imprensa brasileira, promulgada em 1967 no periodo da ditadura militar, foi extinta em 2009, e uma nova lei de imprensa precisa tomar seu lugar pois há características peculiares na imprensa (escrita, falada, televisionada) que precisam ser regulamentadas.   É preciso legislação para impedir que os poderosos meios de comunicação de massa façam uso inadequado de seu poder de persuasão dirigindo o povo contra seus próprios interesses;  é preciso legislação que previna, que evite que o que aconteceu nas últimas eleições venha a acontecer outra vez.   Não basta apenas punir.   Além disso, a nova legislação terá que ser abrangente, englobando a Internet e aqueles que a usam para fazer sua própria campanha difamatória.   Não se trata de reprimir ou censurar, mas de atribuir um caráter de responsabilidade à informação – calúnia, se comprovada, deve ser proibida e punida severamente.

O artigo abaixo, de Luciano Martins Costa, apresenta uma análise interessante da reação da mídia tradicional ao resultado das últimas eleições.

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A ELEIÇÃO EM QUE A GRANDE IMPRENSA PERDEU

Os principais jornais do país anunciam a vitória da candidata petista Dilma Rousseff como a última obra do presidente Lula da Silva.  O Estado de S.  Paulo é o mais explícito: "A vitória de Lula", diz a manchete.

Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa/Vermelho, 1 novembro 2010


O Globo se arrisca em adivinhações: "Lula elege Dilma e aliados já articulam sua volta em 2014", diz o jornal carioca. A intenção é claramente minimizar o cacife político da presidente eleita. Já a Folha de S.Paulo destaca o fato de o Brasil ter escolhido a primeira mulher e “primeira ex-guerrilheira" para a Presidência da República.

Lendo as edições do domingo e de segunda-feira (1/11), alguém que estivesse desembarcando no Brasil depois de três meses de viagem nem chegaria a desconfiar que a imprensa havia sido, até a véspera, protagonista das mais ativas na campanha eleitoral.

Desejo manifesto
Os jornais inauguram a semana pós-eleitoral com cara de jornais, não dos panfletos em que se transformaram nos últimos meses. Cada um conforme seus recursos, os diários tentam interpretar a vontade das urnas e adivinhar o que virá a ser o futuro governo. No entanto, alguns pontos em comum podem ser ressaltados.

A chamada grande imprensa procura afirmar que a oposição, apesar de derrotada na eleição principal, cresceu em número de eleitores, mesmo perdendo na maioria dos estados. A maioria feita pela candidata governista no Congresso Nacional seria equilibrada pela eleição de governadores oposicionistas nos estados mais populosos, segundo interpretam os jornais.

Como sempre, o viés ideológico direciona as escolhas da imprensa, que perdeu a disposição para arriscar opiniões fora da sua própria caixinha de convicções. Basta lembrar como foi a manada de adesões ao governo central nas duas eleições do presidente Lula da Silva para colocar em dúvida as afirmações dos jornais sobre a suposta solidez do bloco oposicionista.

Com o histórico do adesismo que marca a República desde a redemocratização, parece arriscado demais apostar em configurações de forças políticas com base no resultado quente das urnas. No caso, essas análises representam muito mais a manifestação dos desejos da imprensa, de não parecer assim tão derrotada pela realidade da votação, do que a expressão de uma visão realista do resultado eleitoral.

Dissimulando a derrota
Os jornais citam o desgaste que foi produzido nas bases da oposição por conta de divergências entre o candidato derrotado José Serra e o senador eleito de Minas Gerais Aécio Neves, considerado por analistas do próprio PSDB como o grande trunfo desperdiçado pela campanha oposicionista.

Sobram indícios de que os dois personagens criaram um fosso intransponível entre si, e que daqui para frente a consolidação da carreira de Aécio Neves implica a diminuição do papel a ser exercido por Serra.

Some-se a isso o fato de que Serra também tem divergências com o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, para se construir uma análise muito menos animadora sobre o seu futuro como líder da oposição. Além disso, ainda resta dentro do armário o esqueleto do suposto dossiê que teria sido montado no período da escolha do candidato do PSDB, e que teve como objetos de bisbilhotices pessoas ligadas a José Serra.

Serra perdeu em Minas Gerais e ninguém sabe quantos desses votos foram para a candidata oposicionista como vingança dos mineiros pela maneira como ele passou por cima das ambições políticas de Aécio Neves.

A imprensa também destaca que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, anda fazendo planos para se descolar de seus padrinhos políticos e prepara o lançamento de um novo partido, montado com os restos da liderança do peemedebista Orestes Quércia no estado.

Assim, em poucas linhas, pode-se observar que os principais jornais do país, que tiveram praticamente todo o final de semana para preparar suas análises pós-eleitorais, perderam a oportunidade de surpreender o eleitor explorando as amplas possibilidades que se armam nas relações políticas com a vitória de uma candidata que nunca havia disputado uma eleição, cuja biografia tinha tudo para reduzir suas chances de vitória – dado o conhecido conservadorismo da imprensa e de grande parte do eleitorado – e que foi vítima de uma campanha sórdida e preconceituosa.

Não há como dissimular o papel da imprensa tradicional no jogo sujo que termina. Também fica difícil disfarçar o ressentimento da imprensa com o resultado das urnas. Não há análise, por mais que se pretenda distanciada, que esconda o fato de que a imprensa tradicional foi fragorosamente derrotada nestas eleições.

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