1 de abr. de 2014

A OTAN caminha para o leste

Reproduzo abaixo importante artigo traduzido do inglês.

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WikiLeaks, Ucrânia e OTAN
Uma implacável marcha à porta da Rússia

por Conn Hallinan,
CounterPunch, 13 de março de 2014

É a ocupação russa da Crimeia um caso de expansionismo agressivo por Moscou ou visa a bloquear um esquema da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para chegar até a fronteira ocidental da Rússia? WikiLeaks revelou um
comunicado secreto descrevendo uma reunião entre diplomatas franceses e americanos que sugere a segunda possibiliadde, um plano que está em obras desde 2009, pelo menos.

Intitulado "Reunião de A/S Gordon com decisores políticos em Paris", o cabo resume uma reunião de 16 de setembro de 2009 entre Philip Gordon, então Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Euro-Asiáticos e Europeus da UE, e diplomatas franceses Jean-David Levitte, Damien Loras e Francois Richier. Gordon é atualmente um Assistente Especial do Presidente Obama sobre o Oriente Médio.

Enquanto a maior parte do cabo cobre uma troca de opiniões sobre o Irã, o ante-penúltimo item é intitulado "Alargamento da OTAN e Conceito Estratégico." Nesse ponto, Levitte, antigo embaixador francês para os Estados Unidos, de 2002 a 2007, faz uma intervenção dizendo que o "Presidente [francês] [Nicholas] Sarkozy estava 'convencido' de que a Ucrânia um dia seria um membro da NATO, mas que não havia nenhum ponto em apressar o processo e antagonizar a Rússia, particularmente se o povo ucraniano estava em grande medida contra a integração." Gordon continua a parafrasear a opinião do Levitte de que, "a declaração do Encontro de Bucareste foi muito clara de que a OTAN tinha uma porta aberta e de que a Ucrânia e a Geórgia tinham uma chance na OTAN".

Levitte é atualmente um associado do conservador Instituto Brookings.

No encontro da NATO na România, em abril de 2008, os Estados da Croácia e Albânia foram convidados a juntar-se à NATO — eles o fizeram em 2009 — e adiou-se uma decisão sobre a Geórgia e a Ucrânia até dezembro de 2008. Mas, em agosto, forças georgianas atacaram a província separatista da Ossétia do Sul — possivelmente sob a ilusão de que a OTAN viriam em seu auxílio — desencadeando uma curta e desastrosa guerra com a Rússia. A votação sobre a Geórgia e a Ucrânia foi engavetada por causa dessa guerra e por causa de uma sondagem Gallup indicando que 40 por cento dos ucranianos consideravam a NATO uma ameaça, enquanto apenas 17 por cento tinham uma visão favorável da Aliança.

O movimento da OTAN para estender a Aliança à fronteira com a Rússia é controverso pois viola o espírito, se não a letra, de um acordo de fevereiro de 1990 entre então o líder soviético Mikhail Gorbachev, o Secretário de Estado americano James Baker, e o Chanceler Helmut Kohl da Alemanha.

A questão na época era a Alemanha e a OTAN. Nos termos do tratado feito ao fim da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos tinham o direito de manter tropas no leste da Alemanha. Os EUA e os alemães estavam tentando negociar uma reunião das duas Alemanhas que removeria as 380.000 tropas soviéticas no leste, enquanto mantendo as forças dos EUA e da OTAN no Ocidente.

Os russos estavam dispostos a retirar suas tropas;  mas, somente se as forças de Estados Unidos e a OTAN não preenchessem o vácuo. No dia 9 de fevereiro, Gorbachev disse a Baker que "qualquer extensão da zona da OTAN seria inaceitável." Baker garantiu-lhe que a "jurisdição da OTAN não passaria uma polegada para o leste."

À reunião Baker-Gorbachev seguiu-se, no dia seguinte, uma reunião entre Gorbachev e o Chanceler da Alemanha Ocidental Helmut Kohl, que garantiu ao líder soviético que "naturalmente, a NATO não poderia expandir seu território" na Alemanha Oriental. E, em uma reunião paralela entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Hans-Dietrich Genscher e o Ministro Soviético dos Negócios Estrangeiros Eduard Shevardnadze, Genscher disse a Shevardnadze que "para nós, fica garantido:  a OTAN não expandirá a leste."

Mas, nenhuma das garantias foram colocadas por escrito e, como a União Soviética começou a implodir, o acordo foi ignorado e as forças da OTAN mudaram-se para a antiga Alemanha Oriental. Apesar da queixa do Presidente russo Boris Yeltsin de que a marcha para o leste da OTAN "violava o espírito" do acordo, a Rússia não estava em posição de fazer nada sobre isso.

Como o ex-editor da Nova República, Peter Beinart, observa em
The Atlantic, a decisão de expandir a OTAN foi considerada "imprudentemente provocadora" por um número de peritos em política externa.  Como o eminente historiador da Guerra Fria John Lewis escreveu,"Historiadores — normalmente tão controversos — estão atípicamente de acordo:  com muito poucas exceções, eles vêem o alargamento da OTAN como irreflectido, inoportuno e acima de tudo mal adequado às realidades do mundo do pós-Guerra Fria. "

Mas, com a Rússia severamente enfraquecida, o triunfalismo da Guerra Fria tomou conta:  o Presidente Bill Clinton levou a OTAN à guerra na Jugoslávia em 1995, e colocou tropas na Bósnia. Em 1997, Polônia, Hungria e República Checa juntaram-se à OTAN, seguidos por sete países do bloco soviético, incluindo as antigas repúblicas soviéticas da Letônia, Lituânia e Estônia em 2004.  A "Parceria para a Paz" da OTAN foi expandida para incluir as antigas repúblicas soviéticas da Ucrânia, Cazaquistão, Moldávia, Geórgia, Arménia e Azerbaijão.

A recente oferta de "resgate" à Ucrânia pela União Europeia continha uma cláusula que teria atado Kiev à organização militar da UE.

Em suma, os russos têm a sensação de que estão cercados por forças hostis, um fato que os críticos dos movimentos de Moscou na Criméia devem lembrar-se.

O perigo de empurrar uma aliança militar até as fronteiras de um potencial adversário ficou claro nesta semana quando a OTAN começou a
enviar forças aos países bálticos e à Polônia, e os EUA enviaram um míssil destroyer ao mar Negro.

O Pentágono anunciou que estava enviando caças-bombardeiros F-16 e caças F-15 para a Polônia e os Estados bálticos, bem como aviões de transporte C-130 e aviões-tanques RC-135. No caso da Letônia, da  Lituânia e da Estônia, isso irá resultar em um aumento nas forças da OTAN na fronteira norte da Rússia.

O USS Truxtun é um destroyer da classe Arleigh Burke armado com mísseis de cruzeiro e mísseis Harpoon. Mísseis de cruzeiro podem transportar uma ogiva nuclear. De acordo com a Marinha dos EUA, a missão Truxtun não tem nada a ver com a crise na Ucrânia,  ela está simplesmente realizando manobras conjuntas com as minúsculas marinhas romenas e búlgaras.

É improvável que o USS Truxtun esteja a procurar por problemas ou que os F-15s e os F-16s estejam a dar uma de galo com os MIGs e os Sukhois russos;  mas, erros acontecem, particularmente quando as tensões são elevadas. É exatamente a situação atual que Gorbachev estava tentando evitar em 1990, e por que a implacável marcha da OTAN em direção ao leste coloca mais do que a Ucrânia em perigo.


Traduzido por
Marisa Choguill

*Conn Hallinan pode ser lido em dispatchesfromtheedgeblog.wordpress.com e middleempireseries.wordpress.com 

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