16 de dez. de 2010

Os Crimes da Ditadura

Muitos jovens ouviram falar da ditadura, de seus crimes e repressão, mas não fazem nem uma idéia do que esse período tão recente da história brasileira e latino-americana representa.  Os dois artigos abaixo talvez tragam algum esclarecimento.

O primeiro artigo, A Condenação do Brasil na OEA, deixa evidente que há muitos militares, ainda ativos ou já na reserva, com medo de terem que responder pelos crimes que cometeram.  O artigo também destaca o fato de que está havendo algum progresso na luta para que a justiça seja feita.  Isso talvez seja um aviso para aqueles militares que, hoje, possam ainda estar pensando em barrar as mudanças a favor da maioria (e contra os interesses da elite mesquinha) que o processo democrático está propiciando.

Recomendo também a leitura do segundo artigo, entitulado A Volta do Pêndulo.  Nesse artigo, ao qual adicionei meus comentários, um curto apanhado é feito sobre o que ocorreu em diversos países latino-americanos naquele doloroso período da nossa história.  Esse resumo nos mostra claramente que os países latino-americanos precisam se aliar em defesa de seu interesse comum:  a defesa da sua soberania.

[NOTA:  estes artigos apresentam algumas revisões e comentários feitos por mim (em verde).]

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A Condenação do Brasil na OEA

Laerte Braga *, ADITAL, 15 dezembro 2010

A maior parte da população do Brasil não tem conhecimento das atrocidades cometidas por militares e todo o aparato de repressão (polícias civis e militares nos respectivos estados) durante o período da ditadura militar.

São poucos os que conhecem ou têm ciência da Operação Condor:  junção dos serviços repressivos dos países do chamado Cone Sul (Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile) para a prática de prisões, assassinatos de lideranças de oposição, marcada por forte presença de agentes norte-americanos.

Países como Argentina e Chile, notadamente o primeiro, têm se destacado na apuração dos crimes cometidos por militares e agentes da repressão durante o período ditatorial.

No Brasil, por uma lei canhestra e contrária aos acordos internacionais de direitos humanos, os criminosos permanecem impunes.  A anistia, que aparentemente permitiu a volta de exilados e a libertação dos presos condenados por crime de "subversão", na prática eximiu os militares de qualquer culpa em crimes de tortura, assassinato, estupro, toda a barbárie que caracterizou o regime militar.

A Corte Internacional de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos – condenou a repressão e os crimes cometidos pelo regime militar brasileiro durante a guerrilha do Araguaia.  A sentença foi trazida a público na terça-feira, 14 de dezembro, e responsabiliza o Estado brasileiro pelo desaparecimento de sessenta e duas pessoas entre os anos de 1972 e 1974.

É a primeira vez que o Brasil é condenado por crimes contra os direitos humanos praticados à época da ditadura militar (1964/1985).  A decisão da Corte terá que ser respaldada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).  Este ano, o assunto chegou a ser discutido entre os ministros daquele tribunal sem que se tenha chegado a um acordo sobre a obrigação de acatar uma sentença de corte internacional, mesmo sendo o Brasil integrante da OEA e signatário de tratados de direitos humanos.

A sentença condenando o Estado brasileiro foi divulgada pelo juiz Roberto de Figueiredo Caldas.  No teor da decisão, está dito que a Lei de Anistia, assinada em 1979, é um obstáculo à punição de torturadores e funciona como álibi para esses criminosos, já que a Constituição brasileira não deixa portas abertas para esse tipo de punição.

Todo esse cerco jurídico para garantir torturadores resultou e resulta de pressões de militares ainda fortes, acentuadas nos dias atuais.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma que o Brasil, na condição de signatário do Pacto de San José da Costa Rica, deveria respeitar as normas da própria Corte e adequar a carta magna do país aos princípios estabelecidos naquele acordo.

"Os dispositivos da Lei de Anistia são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeito jurídico, e não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos".  É uma parte do texto da sentença.

Um outro ponto da sentença diz respeito "à violação de direito de acesso à informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana", já que o governo brasileiro se negou a divulgar e liberar o acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre os crimes cometidos por militares durante a ditadura militar.

A sentença obriga o Brasil a reconhecer o crime de desaparecimento forçado de pessoas e estabelece que os culpados devem ser punidos.

As dificuldades para o reconhecimento da sentença se prendem ainda a reação de militares brasileiros, [contrários] a qualquer atitude que possa ameaçar torturadores fardados.  É recente a quase rebelião de militares das três armas ao Plano Nacional de Direitos Humanos proposto pelo governo do presidente Lula.

Segundo o governo brasileiro, o que se constrói aqui é uma "reconciliação pacífica".  Essa, no entanto, é uma afirmação que difere do entendimento do presidente da República e tenta evitar atrito com os militares.

Se reconhecida a sentença, pela primeira vez na história militares brasileiros terão que estudar direitos humanos nos seus cursos de formação;  isso, certamente, vai embaralhar a cabeça da turma à hora das marchas.

As forças armadas brasileiras, desde o grande expurgo promovido a partir de 1964 e durante o período ditatorial, pensam como força auxiliar dos Estados Unidos.  A imensa e esmagadora maioria dos militares brasileiros ainda teme encontrar comunistas debaixo de suas camas.

E na cabeça dessa maioria, direitos humanos são acessórios desnecessários em função do culto ao bezerro de ouro, os EUA.

Como um gigante adormecido, os militares brasileiros são os principais parceiros das elites latifundiárias, dos interesses das grandes empresas estrangeiras no Brasil, e imaginam uma espécie de confederação com a América do Norte para nos transformar num [enfeite] cercado de bases militares contra terroristas imaginários (mas interesses econômicos visíveis), confirmando a máxima do pensador inglês Samuel Johnson [de] que  "o 'patriotismo' é o último refúgio dos canalhas".

A decisão deve repercutir nos quartéis, devem aumentar as pressões para manter impunes torturadores, estupradores, assassinos chancelados pelas forças armadas e pela ditadura militar.

[Sabe-se] da cumplicidade de muitas lideranças políticas ainda vivas e atuantes (José Sarney, presidente do Senado;  Helio Costa, senador e ex-ministro das Comunicações), da maioria da mídia privada (Globo, Folha de São Paulo, Veja, etc.), e isso acaba reforçando as dificuldades para que sejam abertos arquivos da ditadura e punidos boçais travestidos de democratas a garantir a segurança nacional (deles), a lei e a ordem (deles e dos que comandaram a ditadura:  os 'de fora').

Um detalhe que merece ser observado nesses tempos de WIKILEAKS é a constante criminalização do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).  A reforma agrária [seria] um dos mais sérios obstáculos à colonização do Brasil pelo agronegócio (controlado de fora), e ao controle de reservas minerais estratégicas e fundamentais ao País e ao seu futuro por grandes empresas privadas como a VALE.

Nos últimos dias, foi revelado que José Serra já havia acertado com empresas dos EUA a entrega do Pré-Sal  "assim que fosse eleito", confirmando as negociações feitas por FHC em Foz do Iguaçu com investidores e captadores de recursos estrangeiros.

Para além da sentença [condenando os crimes durante a ditadura], há toda uma teia envolvendo militares (maioria esmagadora) e elites políticas e econômicas de direita, confirmando o caráter apátrida dessa gente.

Mas é um avanço, um significativo avanço, numa luta que ainda não acabou.

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A Volta do Pêndulo

Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá *, ADITAL15 dezembro 2010

Talvez nunca a esquerda tenha sido tão esquerda e a direita tão direita na América Latina como agora.  E a mídia hegemônica permanece do lado em que sempre esteve.


Enganaram-se os profetas do fim da dicotomia esquerda-direita com a queda do Muro de Berlim.  [Os autores referem-se à afirmação, feita na década de 1990, quando o livro O Fim da História, de Francis Fukuyama, foi publicado, ressaltando a supremacia da ideologia capitalista tendo em vista a queda da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.  Entretanto, as mudanças no plano econômico, em decorrência daquela queda, não têm sido tão satisfatórias quanto esperadas pelos países imperialistas.  Os países independentes ou resistentes ao controle imperialista , que antes circulavam na esfera de influência da Rússia, voltam hoje à tona, principalmente devido ao fracasso da política neo-liberal imposta naquela década de 1990.  Tais países constituem-se na esquerda internacional de hoje.  Mas, talvez ainda mais alarmante para os capitalistas seja o que ocorre na esfera nacional, isto é, dentro desses próprios países capitalistas de economia avançada:  como houve mudanças reais nas condições de vida desses povos em virtude das mudanças na esfera econômica internacional, direita e esquerda, significam, hoje, muito mais do que antes, posições de classes sociais opostas nesses países.  A mais importante mudança na esfera internacional refere-se à famosa outsourcing, ou seja, à migração das firmas, desses países para países onde existe mão-de-obra barata, a fim de aumentar seus lucros.  Isso resultou em massivo desemprêgo naqueles países, e impediu a continuada especulação na esfera financeira, como o financiamento de moradias modernas e caras, e de outras abusivas dívidas que os trabalhadores não mais conseguem pagar.  A quebra do sistema financeiro internacional foi um dos resultados dessa  'jogada' capitalista ambiciosa.]  Na Europa e [nos] EUA, afundados pela crise econômica que poderia significar a derrocada final do neoliberalismo, países antes considerados de primeiro mundo [isto é, Estados de bem-estar social (welfare states), com garantias de emprego, habitação, saúde e educação] fazem a clara opção pelo capital, financiando os bancos e investidores enquanto arrocham salários, cortam benefícios e elegem os estrangeiros [imigrantes] como inimigos da economia. [Os Estados de bem-estar social, em oposiçao aos Estados de capitalismo selvagem, surgiram como resposta ao estabelecimento da URSS e sua política socialista – de direitos humanos, com emprêgo, habitação, saúde e educação para todos.  Os países de capitalismo avançado, enriquecidos pela pilhagem imperialista, estabeleceram Estados de bem-estar social pois temiam que seus trabalhadores pressionassem pela mudança do sistema a fim de obter os mesmos benefícios que os trabalhadores soviéticos obtiveram com a Revolução Socialista de 1917.]    As consequências têm sido manifestações como na França, na Espanha e na Inglaterra, ou mesmo nações à beira do caos como a Grécia.  A bola da vez é a Irlanda, mas Portugal também está na alça de mira do "socorro" do FMI.  O receituário é bem conhecido por aqui:  redução do investimento público, aumento da idade para aposentadoria, diminuição no número de funcionários públicos, enfraquecimento do poder do Estado...  As alternativas mais à esquerda (como maior distribuição de renda, fortalecimento do mercado interno e controle de capitais) estão fora de discussão. [Em outras palavras, podemos finalmente dizer que, com a queda da URSS, vivemos em um mundo não mais dividido em dois lados – o capitalista e o socialista.  Internacionalmente, direita e esquerda não podem mais ser identificadas ideologicamente;  os países à esquerda, hoje, são aqueles que procuram sua independência econômica, sua soberania, embora estejam sendo constantemente atacados pelo imperialismo.  Na verdade, sem mais o exemplo da URSS, sem mais o exemplo dos direitos dos trabalhadores em um país socialista, a tendência é que os trabalhadores dos países imperialistas venham a perder seus direitos nos países ocidentais também, e que venham a ter os mesmos problemas que os trabalhadores dos países explorados do Terceiro Mundo:  desemprêgo, carência habitacional, falta de adequado atendimento à saúde, educação deficiente, e outros...  Trata-se, enfim, de um mundo que não está mais dividido em facções ideológicas, mas que está sendo conduzido pelas forças cegas do mercado capitalista, como disse William Greider em seu livro Um Mundo na Corda Bamba (Geração Editorial, 1998;  do inglês One World, Ready or Not (Penguin, 1998)).  Talvez tenha chegado a hora de tomarmos as rédeas da economia, e criarmos o socialismo:  um sistema planejado em escala global!]


Enquanto isso, na América Latina há um certo refluxo da onda "esquerdista" que levou ao poder presidentes como Lula, Evo Morales e Hugo Chávez.  Depois da fraude eleitoral no México, o governo ilegítimo de Felipe Calderón, do partido de direita Ação Nacional (PAN), aprofundou a política de integração econômica com os Estados Unidos levando à maior recessão da história do país (o PIB [caiu] 6,7% em 2009).  Com isso, a empresa capitalista por excelência, o comércio de drogas ilícitas, passou a movimentar estimados 45% da renda bruta anual do México.  No modelo de "guerra contra as drogas" implementado com apoio dos EUA que investiram na iniciativa US$ 1,8 bilhão desde 2008, perto de 30 mil pessoas perderam suas vidas nos últimos quatro anos, sendo que 12 prefeitos foram assassinados somente em 2010.  Com as leis trabalhistas "flexibilizadas" desde os anos 1990, os trabalhadores tem que escolher entre salários de fome com jornadas medievais ou tentar a sorte com os "coyotes" para viver como ilegais do outro lado da fronteira.  Por outro lado, Carlos Slim, o homem mais rico do mundo segundo a Forbes, que comprou do governo a Telmex em 1990 e controla Embratel e Claro no Brasil, acaba de fazer uma oferta para ter 100% da Net.  O objetivo é unir aqui e no México TV e banda larga à telefonia fixa e celular.

Em Honduras, a simples proposta de um plebiscito para reformar a constituição que, segundo alguns, poderia aproximar o país do "Socialismo do Século XXI" de Chávez, levou ao golpe que teve forte participação dos empresários locais da comunicação (uma das primeiras providências foi derrubar o sinal de veículos "não-alinhados") e apoio velado dos EUA para derrubar o presidente eleito Manuel Zelaya.  Outra questão de fundo foi a adesão do país à esquerdista Aliança Bolivariana para as Américas - Alba, que se contrapõe à Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (Alca), impulsionada pelo governo estadunidense.  Nos 17 meses desde o golpe, Honduras segue numa permanente crise econômica, sanitária (a dengue está totalmente fora de controle) e humanitária.  A imprensa golpista tenta esconder, mas são milhares os torturados, pelo menos 140 estudantes, professores e líderes sociais e políticos foram assassinados e há centenas de exilados.  Entre os jornalistas que se opõem ao governo, dez já foram mortos desde julho de 2009.  E agora o WikiLeaks tem revelado o quanto os embaixadores estadunidenses no país se preocupavam com a aproximação entre Zelaya e Chávez e o quanto isso poderia afetar os "interesses americanos"...

Na Colômbia também não há nada de novo.  O recém-eleito presidente Juan Manuel Santos (num pleito com mais de 56% de abstenção no segundo turno e inúmeras denúncias de fraudes), é ex-ministro da Defesa de Álvaro Uribe e membro da família proprietária do principal jornal do país (o El Tiempo), da mais importante revista semanal de política e variedades (La Semana), de uma rede de rádios, um canal de TV com previsões meteorológicas e em breve um novo canal de TV aberta de abrangência nacional.  A aliança com os EUA, que estão implantando novas bases militares no país apesar da inconstitucionalidade proferida pela Suprema Corte local, segue firme no Plan Colombia, de enfrentamento exclusivamente militar do narcotráfico e das guerrilhas.  Já o partido de esquerda Polo Democrático Alternativo (PDA) denunciou no início de novembro que ao menos 50 políticos esquerdistas, sindicalistas, dirigentes sociais, camponeses, indígenas e defensores dos direitos humanos foram mortos apenas nos primeiros 90 dias de governo Santos.  A denúncia foi feita numa conferência no Equador e, claro, não ilustrou as páginas de La Semana.

Já no Chile, a coalizão de esquerda Concertación perdeu em janeiro a presidência que ocupava desde o fim da ditadura Pinochet há 20 anos.  Vários fatos concorreram para a volta da direita ao poder com a eleição do mega-empresário Sebastien Piñera.  Para começar, o conservadorismo estava reunido em torno de Piñera, enquanto os progressistas se dividiram entre o representante oficial da Concertación, o ex-presidente de pouco destaque Eduardo Frei, Jorge Arrate, que foi ministro de Frei, e Enríquez-Ominami, que também era da coalizão até 2009.  Além disso, assim como no Brasil não houve crescimento econômico no Chile em 2009, devido ao agravamento da crise nos EUA e Europa, levando a uma queda na popularidade da ex-presidente socialista Michelle Bachelet.  Também ajuda bastante o fato de Piñera, irmão de um ex-ministro do trabalho do ditador Augusto Pinochet, ser o dono de um dos principais canais de TV do país, a Chilevisión.  Não é a toa que ele ficou tão à vontade em frente às câmaras durante todo o resgate dos 33 mineiros soterrados por meses devido à falta de segurança geral nas centenas de minas de cobre chilenas.

Nos países que têm mantido a opção pela esquerda nas urnas, as tentativas de golpes e desestabilização pela direita e pela mídia hegemônica continuam.  Depois do golpe civil-militar-midiático de menos de 48 horas em 2002 na Venezuela, tão bem representado no documentário "A revolução não será televisionada", dos irlandeses Kim Bartley e Donnacha O'Briain, ocorreram outras situações graves no continente.  Na Bolívia em 2006, o envio do embaixador estadunidense Philip Goldberg (que já havia trabalhado "coincidentemente" na Bósnia durante a guerra civil que desmembrou a antiga Iugoslávia e depois no Kosovo no período em que a província se separou da Sérvia) seria um forte indicativo da estratégia encampada pelos meios de comunicação do país andino de separação das províncias da chamada Meia Lua, as mais ricas da nação.  A idéia, que contava com programas eleitorais de TV produzidos nos EUA e pesquisas fajutas, pretendia primeiro tentar revogar nas urnas a constituição bolivariana de Evo Morales em seu início de governo.  Se não desse certo, era sempre possível tentar impulsionar uma guerra civil [e] pedir a intervenção de tropas de paz da ONU, como aconteceu no Haiti.

Em setembro desse ano, foi a vez de Rafael Correa, presidente duas vezes eleito no Equador e responsável por uma estabilidade política rara no país, enfrentar nas ruas policiais e militares amotinados.  Ele chegou a ser atingido por uma bomba de gás lacrimogêneo e rasgar a camisa para mostrar o peito nu numa janela desafiando os revoltosos a matá-lo.  Correa ficou retido por um tempo num quartel cercado e teve de ser resgatado por militares fieis ao governo constitucional de Quito.  Como se apurou depois, boa parte dos militares e policiais que aderiram ao movimento golpista teriam sido enganados por uma campanha de desinformação empreendida por meios de comunicação da direita equatoriana, os quais mentiram sistematicamente sobre pequenas mudanças nos soldos dos membros dos serviços de segurança pública.  "O que aconteceu não é por alguns dólares.  É uma clara tentativa de conspiração, coordenada com o fechamento do aeroporto, com a tomada das antenas, com a interrupção da TV Equador", afirmou o presidente na sacada do palácio presidencial logo após sua libertação.

Na Argentina, segue o enfrentamento diário entre as elites capitaneadas pelo Grupo Clarín, que reúne jornais como o Clarín e o La Nación, a Rádio Miter, o Canal 13 de Buenos Aires, as TVs a cabo Multicanal e Cablevisión, portal e provedor de internet e outros meios de comunicação, e a presidente Cristina Kirchner, que promulgou a polêmica Ley de Medios.  Apesar de ainda restarem alguns recursos nos tribunais argentinos, a lei proposta há um ano entrou em vigor no último mês de setembro e, entre outras coisas, estabelece que uma mesma empresa não pode possuir canais de TV aberta e a cabo, além de reduzir de 24 para dez o limite das concessões de rádio e TV em mãos de um mesmo proprietário.  Pela nova legislação, o espectro comunicacional deve ser dividido em três partes iguais para atender o governo, o setor privado comercial e a sociedade civil organizada.  Também foi barrada a entrada indiscriminada das companhias telefônicas no mercado de TV.  Aos oligopólios midiáticos, restam menos de dez meses agora para vender algumas de suas empresas e se adequar às novas regras.  Ou então para derrubar o governo de Cristina e impor de volta as "leis do livre mercado".

Não há dúvidas de que as eleições presidenciais no Brasil também se desenrolaram fortemente impactadas por esse cenário continental.  Mais do que PSDB, DEM e PPS, foi Globo, Folha e Veja que coordenaram a campanha de extrema direita de José Serra.  Basta ver a enxurrada de denúncias vazias nos jornais, o desespero das capas de revistas e a ridícula montagem do episódio da "bolinha de papel" em incríveis sete minutos do Jornal Nacional! Mas assim como na Venezuela, Bolívia e Equador, a disputa não se encerrou nas urnas.  A Folha de S.Paulo e o Globo já conseguiram acesso ao processo da ditadura militar contra a agora presidente eleita Dilma Rousseff.  Certamente esperavam que os torturadores tivessem conseguido no início dos anos 1970 "informações" para usarem contra ela que seus batalhões de "repórteres investigativos" não conseguiram nos últimos três anos.

Ao mesmo tempo, a Velha Mídia aponta suas baterias contra o seminário internacional para discussão da regulação da mídia convocado pelo ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social, contra o Plano Nacional de Banda Larga, que vem sendo gestado há meses, e contra as propostas da Conferência Nacional de Comunicação, que contou em 2009 com a participação ativa de mais de 30 mil cidadãos.  Sem deixar de acusar, todo o tempo, claro, o presidente Lula e a presidente eleita Dilma de avessos à liberdade de expressão, quase que com os mesmos termos que usam contra Hugo Chávez de forma ininterrupta há quase dez anos.  Parece que 2011 não vai ser um ano muito calmo por aqui... (grifo meu)


* Fotógrafos, jornalistas e documentaristas independentes.  Vejam outros trabalhos em http://mediaquatro.sites.uol.com.br.  Publicado originariamente na Ideias em Revista, Dezembro 2010 / janeiro 2011, do SISEJUFE-RJ.

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