Atualizado em 09 de julho de 2014 e 01 de agosto de 2014.
Este texto foi escrito na tentativa de enquadrar a situação atual num arcabouço teórico a fim de obter uma explicação racional para o que está acontecendo e de tentar avistar uma saída em meio ao caos em que vivemos.
Este texto foi escrito na tentativa de enquadrar a situação atual num arcabouço teórico a fim de obter uma explicação racional para o que está acontecendo e de tentar avistar uma saída em meio ao caos em que vivemos.
Isolando a Rússia ou a Europa?
Em meio à grave crise sistêmica pela qual passamos, ao usar a Ucrânia na tentativa de isolar a Rússia, enquanto bloqueia, com sanções, as transações econômicas entre UE (e outros países) e Rússia para evitar a criação de um poderoso bloco econômico concorrente que poderia deslocá-lo de seu trono, o império americano se posiciona contrário à expansão de grande parte do capital aliado, demonstrando que sua etapa ‘progressiva’ (para esse capital) chegou ao fim. A prioridade do império, agora, é sua própria sobrevivência, mesmo que o preço seja alto aos seus antigos aliados. Ver aqui e aqui.
A crise econômica,
social, institucional, cultural... pela qual
passamos se deve às contradições do sistema capitalista. Entretanto, uma nova etapa de expansão do capital
parece ser possível – a Ásia, principlamente China e Rússia, bem como os chamados
países emergentes, Brasil e Índia (a despeito das condições de vida miseráveis de
seus povos), estariam em condições de retomar o sistema, embora sob um regime diferente,
onde a soberania dos Estados e os direitos humanos seriam respeitados.
Assim, os Estados conhecidos como BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a despeito de suas diferenças, parecem
estar em posição vantajosa para iniciar outra etapa, socialmente mais avançada mas,
ainda, de acumulação capitalista, sob um regime que o Presidente russo Wladmir Putin
denomina 'multipolar' (essa nova etapa seria possivelmente transitória, vista a tendência à des-polarização do sistema). Embora não seja identificado como tal, trata-se
na verdade um regime capitalista anti-imperialista de transição ao socialismo.
Ao se opor a esta única e última alternativa
de acumulação capitalista em função da interminável crise sistêmica que desde 2008
está a revelar sua força destrutiva, a elite imperial demonstra ter perdido contato
com a realidade – a realidade da incontrolável e contraditória lógica de acumulação
do capital, que não pode mudar nem mesmo diante da quase certeza de seu próprio
extermínio. Pior ainda: ao tentar impor-se sobre os povos do mundo, os
imperialistas estão negando a realidade dos movimentos históricos, onde impérios
levantam-se... e caem.
Assim, ao forçar uma reação da Rússia contra o crescente
cêrco militar e contra a recente ocupação da Ucrânia, o que o império conseguiu
foi acelerar sua própria extinção, visto que, ameaçados, Rússia e China assinaram
um acordo
sobre a troca de gas e tecnologia, e o uso de suas própria moedas. Além desse acordo, foi também criada a União Econômica
Eurasiana (EaEU – Eurasian Economic Union), uma aliança entre Rússia, Bielorrússia
e Cazaquistão os quais se comprometem a garantir a livre circulação dos produtos,
serviços, capitais e trabalhadores, e a aplicar uma política acordada nos domínios
chave da economia: energia, indústria, agricultura
e transporte. Abriu-se, assim, uma porta
para a crise de acumulação do capital. Agora,
o Oriente representa o futuro.
O império vai continuar tentando isolar
a Rússia, e no processo deverá tentar atingir também a China; mas, não o conseguirá pois a Rússia, a China e
outros Estados ‘emergentes’, com sua enorme população, resistirão às pressões.
Quanto à UE, caso se submeta às demandas
do império, estará adicionando ainda outras barreiras ao seu próprio capital encurralado
na presente crise. Mesmo aqueles que não
são versados em economia podem ver o perigo de tal manobra. Será que seus povos aceitarão a austeridade
que lhes está sendo imposta sem contestação? Isso vai significar a terceiro-mundialização
da Europa!
Em suma, ao colocar obstáculos ao acesso
àqueles esquemas genuinos de desenvolvimento, o império em si passa a constituir-se
numa barreira para o capital, decretando assim sua própria extinção. Vale notar que, mesmo nos EEUU, começam a surgir
movimentos
do capital contrários às políticas imperiais.
BRICS e o Keynesianismo
Os BRICS, embora ainda um bloco econômico
incipiente e apresentando óbvias diferenças entre os Estados componentes, abrem
fronteiras alternativas ao capital no atendimento às necessidades mais básicas de
seus povos. Além da Rússia e da China, cuja
população já desfruta do atendimento às sua necessidades básicas e tem um poder
aquisitivo relativamente alto, o restante dos Estados tiranizados – africanos, latino-americanos
e do sul da Ásia – comportam bilhões de pessoas cujo poder aquisitivo extremamente
baixo deverá elevar-se pelo menos até o ponto em que suas necessidades básicas possam
ser atendidas.
Tudo indica que a pressão dos povos
africanos, sul-americanos e sul-asiáticos atingiu o ponto de inflexão; daqui pra frente, os custos para manter seu abuso
serão maiores do que os ganhos. Ao mesmo
tempo, a redução das desigualdades estimularia a economia real nessas regiões, criando
condições de consumo de bens básicos. A indústria
regional, voltada ao atendimento de necessidades humanas reais e, talvez, fazendo
uso de tecnologias alternativas, poderia produzir e vender mercadorias básicas a
preços aceitáveis. As opções são muitas –
tantas quantas são as necessidades.
Trata-se de um dilema para o capital: se tais prioridades não forem aceitas, o capital
será dizimado pois haverá pouco consumo para suas mercadorias, que se tornam cada
vez mais supérfluas, saturando o mercado dirigido a uma elite cada vez mais reduzida
e cada vez mais indiferente.
De fato, conforme o economista
francês Henri Houben esclarece em seu artigo sobre o keynesianismo:
‘Três grandes teorias debatem a explicação das
crises. A corrente liberal
atribui-as à chegada brusca de um elemento perturbador (atentado, subida dos
preços do petróleo, acontecimentos políticos e sociais...) que se torna
necessário eliminar com urgência para que o mercado reencontre o seu
funcionamento naturalmente. Keynes
não acredita neste mecanismo auto-regulador.
Para ele, o capitalismo conhece excessos que é necessário corrigir de
forma indireta pela intervenção do Estado.
Sem isto, não poderia produzir os seus efeitos benéficos. Por fim, a doutrina marxista analisa o
sistema com maior profundidade para examinar a recessão. Esta é inerente ao capitalismo. Para a ultrapassar, é necessária uma outra
economia, uma outra sociedade, o socialismo.
... Tal
como escreveu um economista francês: "Na
crise, somos todos keynesianos." Uma maneira de dizer que não restam senão
duas explicações convincentes: a
proposta por Keynes e a do marxismo. E
como " não se
pode ser contra o sistema ", então é o keynesianismo.’
Keynes defende a
interferência estatal no controle das crises.
Mas, visto que a presente crise é global, afetando a todos os Estados
interligados economicamente, os princípios keynesianos parecem não mais oferecer
uma resposta adequada ao problema se aplicados separadamente. Apenas uma política coordenada em escala global teria o resultado
esperado.
Pode-se assim inferir que, se o sistema capitalista não reduzir as disparidades existentes a nível global, e se não iniciar uma etapa mais avançada de acumulação que atenda às necessidades sociais dos povos e, portanto, oponha-se aos interesses imperiais,
estará assinando não apenas sua própria falência como também a continuação do
caos, o qual, embora possa ser considerado uma saída para a arrogante elite
imperialista, está causando enormes danos aos povos e ao meio-ambiente. Não se trata, portanto, de reformar os sistema capitalista-imperialista; trata-se de usar sabiamente a oportunidade de mudar gradativamente o sistema a outro superior, o socialismo, sem recorer a mais guerras e destruição. Passando pela criação temporária daquilo que o Presidente Putin denomina mundo 'multipolar', esta talvez seja nossa única chance de sobreviver diante da possibilidade de uma guerra termonuclear.
Tecnologia
Neste ponto, é importante ressaltar
um outro aspécto fundamental na luta pela emancipação humana: os níveis de desenvolvimento tecnológico e o controle
desse desenvolvimento pelos chamados ‘copyrights’.
Nos próximos anos, caso as idéias
de Keynes sejam vitoriosamente impostas enquanto medidas temporárias para a superação da crise,
as indústrias regionais deverão ter acesso à mais alta tecnologia para poder atender
à demanda de bilhões de seres humanos. A
tecnologia não mais deverá ser considerada propriedade privada de uma minoria parasitária
que vem há tempos extraindo lucros /benefícios/privilégios de tal ‘apropriação’. Afinal, a tecnologia tem sido desenvolvida desde
tempos imemoriais pelo trabalho humano, e por isso deve pertencer a toda a humanidade. A apropriação social da tecnologia é de fato o
ponto de conflito fundamental da luta de classe global, que somente será ganha
quando tal apropriação social acontecer.
Análise dialética do conflito atual
A dialética do presente conflito criado
pelo império americano em sua cega busca por hegemonia, e a resposta dada pelo capital dos
países cujas soberanias estão sendo ameaçadas, pode ser vista da seguinte maneira:
1. TESE: Reinos, impérios, Estados e outras divisões territorial-administrativas
hierárquicas (e controladoras dos povos) foram por séculos necessários para que
a acumulação do capital se realizasse; a
tendência à concentração, entretanto, levou a rivalidades, a guerras, e à consolidação
de um único império mundial, centrado nos EEUU, controlando quase todas as atividades
produtivas do planeta (hegemonia);
2. ANTI-TESE: Agora, diante da crise sistêmica, infindável,
do sistema capitalista-imperialista, ou seja, diante de nova fase incontrolável
de concentração do capital, com todas suas contradições, tal império mundial está
a tornar-se algoz de uma parcela significativa desse capital – e dos povos –, principalmente
nos Estados periféricos (o resto do mundo!) cujo capital (periférico) vê suas possibilidades
de expansão – ou mesmo de sobrevivencia precária, no caso dos Estados mais independentes
(Rússia e China) – sendo barradas. Diante de tal ameaça, governos e elites locais começam a organizar-se contra o império, despertando a luta de classe global a nível de Estado. Não se trata do mesmo confronto entre potências pela divisão do mundo em áreas de influência, que causou as Guerras Mundiais do século passado – trata-se da luta dos povos pela soberania, pela sobrevivência, contra as crescentes agressões imperiais;
3. SÍNTESE: Como resultado lógico, as alianças dos Estados que resistem aos avanços imperiais, e que, em sua luta, propõem uma forma alternativa, mais controlada de acumulação do capital – dentro dos princípios keynesianos, embora aplicados em escala global, dando origem à multipolarização e, eventualmente, à despolarização do sistema, pondo fim ao imperialismo –, constituem-se na única saída possível da crise. Como visto acima, nos EEUU, tendo em vista tal opção, começam a surgir movimentos do capital contrários às políticas imperiais, decretando assim o fim do império.
Haveria outra saída para o império?
Muitas coisas estão acontecendo, e rapidamente. E embora
para o capital o caminho a seguir esteja claro, o império americano parece estar
pensando de forma diferente.
Ao agucar conflitos
regionais e ao fomentar falsas
agitações
civís e conflitos nacionalistas e religiosos a fim de atender seus próprios interesses, o
império tem criado o periodo turbulento pelo qual passamos, culpando outros por
suas agressões. Vale lembrar aqui que a exploração continua a ocorrer simultaneamente a essas guerras e conflitos, como revela a recente disputa sobre a dívida da Argentina nos tribunais dos EEUU, a qual está gerando indignação internacional.
O negócio do armamento e
o complexo militar-industrial têm comandado a economia ocidental desde a Primeira
Guerra Mundial: ‘a política actual dos EUA
é o fruto do enorme poder e influência que o complexo militar-industrial detém naquela
sociedade.’ Sem dúvida, o império tem criado uma enorme
demanda para as ‘mercadorias’ do negócio do armamento...
As crescentes ameaças dos EEUU/ OTAN/CIA
contra a Rússia, e a aparente submissão
da Alemanha e talvez da Europa (embora haja alguma reação
contrária da França) às ordens to império, indicam que está havendo grande resistência
por parte do setor belicista do capital à idéia de que a inevitável época de grandes
mudanças chegou.
Todavia, pode-se concluir que, se o
império não se submeter às demandas lógicas do setor não-belicista do capital – e, assim,
aceitar sua derrota enquanto xerife do sistema capitalista-imperialista –, estará
apenas a prolongar um terrível período de agressões contra o resto do mundo, na
vã tentativa de re-estabelecer sua obsoleta e agonizante hegemonia.
De uma coisa podemos estar certos: o imperialismo, a etapa mais avançada do capitalismo,
está chegando ao fim pois seu custo está subindo; por mais que o império queira, nada poderá fazer
para acabar com a resistência dos povos e parar o caminhar
da história.
Perspectivas para o futuro
Embora alguns argumentem que a ‘natureza
humana’ é competitiva e nunca dará oportunidade a um sistema justo e igualitário,
os estudos de grupos ancestrais demonstram que sua ‘natureza humana’ era determinada
pelas suas condições objetivas de vida, pelo seu sistema econômico-social, não
sendo assim um aspécto inerente do ser humano. Portanto, mudando o sistema econômico
modificam-se também as relações entre os seres humanos e suas expectativas. Sociedades cooperativas existiram no passado,
quando os seres humanos assistiam uns aos outros e compartilhavam seus
recursos. À medida em que a tecnologia se
desenvolvia, houve divisões do trabalho e progressiva estratificação social (divisão
de classe) em função da apropriação privada dos meios de produção. Mas, sistemas econômicos se sucederam à
medida em que novas tecnologias se criaram para atender às demandas de conforto
e bem-estar social, como Darcy
Ribeiro nos mostrou em seu extraordinário
trabalho sobre o processo civilizatório.
Nesse sentido, o capital nunca foi o
motor da história; apenas um de seus combustíveis,
o combustível mais recentemente imposto contra a vontade dos trabalhadores. O verdadeiro motor da história, a verdadeira força
propulsora das grandes mudanças ocorridas nos milhares de anos da história (e
pré-história) da humanidade, tem sido a luta dos trabalhadores pela incorporação
da tecnologia como ferramenta para o bem-estar social, a resistência dos trabalhadores
à exploração, isto é, a luta de classe, como Marx sabiamente
deduziu de sua concepção materialista da história.
Uma nova etapa da história está a vir,
trazida pela inexorável e sangrenta, mas determinada, resistência dos povos oprimidos e
massacrados por séculos de colonialismo e abuso – sim, pois os trabalhadores dos
países imperialistas, enquanto elite da classe trabalhadora, estão acomodados em
seu conforto ilusório, convenientemente dominados pelas pregações ideológicas
dos meios capitalistas de ‘comunicação’.
Nessa nova etapa da história, podemos esperar que os desenvolvimentos tecnólogicos
venham a ser aplicados para atender as necessidades de todos os seres humanos. É sob esse cenário que terá lugar um processo socialmente controlado e temporário de acumulação do capital, findo
o qual abrir-se-ão perspectivas inimagináveis para o ser humano.
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