A "Recuperação" econômica é fraca
porque a grande recessão nunca realmente terminou
Zero Hedge, The Real News Network, 9 de outubro de 2016 17:00
Zero Hedge, The Real News Network, 9 de outubro de 2016 17:00
Com o pior da grande recessão supostamente
atrás de nós, Kim Brown, do The Real News Network, observa que muitos analistas econômicos ainda
vêm sinais de que não estamos totalmente fora de perigo [do inglês
coloquial ‘out of the woods’:‘fora da floresta’, significando ‘fora de perigo’;
NT]. Um novo relatório lançado quarta-feira pelo Fundo Monetário Internacional
mostra que alguns bancos nos Estados Unidos e na Europa podem não estar
suficientemente fortes para sobreviver a outra recessão, mesmo com assistência do
governo.
KIM BROWN, TRNN: Juntando-se a nós de Nova
York, aqui está Michael Hudson. Michael é um eminente professor-pesquisador do Departamento
de Economia da Universidade do Missouri, Kansas City. Seu livro mais recente é Matar
o Anfitrião: como parasitas financeiros e submissão à dívida destroem a
economia global. Michael, obrigado por se juntar a nós.
MICHAEL HUDSON: É bom estar aqui. Mas, não
podemos ‘sair da floresta’ [ver NT acima]...
BROWN: Okey, vamos falar sobre isso. O
relatório do FMI sobre a estabilidade financeira diz que, apesar de os bancos estarem
mais fortes agora do que antes da crise econômica de 2007-2008, cerca de vinte
e cinco por cento dos bancos americanos e cerca de um terço dos bancos europeus
são muito fracos para se beneficiar até mesmo de um potencial aumento nas taxas
de juros e qualquer auxílio de recuperação se a economia global tomar um rumo
descendente. Mas antes de entrar em quaisquer questões específicas sobre a
saúde dos bancos, Michael, estamos ainda em recessão ou estamos firmemente em
uma recuperação agora?
HUDSON: Não estamos em uma recuperação e
não estamos realmente em uma recessão tradicional. As pessoas pensam de um
ciclo de negócios como um "boom" seguido de uma recessão e então
estabilizadores automáticos reanimam a economia. Mas desta vez nós não podemos reanimar.
A razão é que cada recuperação desde 1945 começou com um nível cada vez mais
elevado de dívida. A dívida é tão alta agora que desde 2008 já chegamos ao que
eu chamo a deflação da dívida. O povo tem de pagar tanto dinheiro para os
bancos que não sobra dinheiro suficiente para comprar os produtos e serviços
que produzem. Então não há muito investimento novo, não há emprego novo (exceto
empregos de "serviço" com salário mínimo), os mercados estão
encolhendo e pessoas estão falhando em seus pagamentos. Assim, muitas empresas
não podem pagar os bancos.
O produto dos bancos é a dívida. Eles tentam
dizer aos clientes que "as dívidas são boas para você"; mas, os
clientes não podem pagar mais dívida, então não há como os bancos continuarem
seu plano de negócios atual. Na verdade, é impossível que os bancos possam receber
tudo o que lhes é devido. Isso é o que o FMI não coloca em sua análise ao dizer:
"Olha, os bancos estão falidos porque o sistema financeiro está falido; e
o sistema financeiro está falido porque a ideia de tentar ficar rico criando
dívida não funciona."
O modelo foi falso. Então, realmente, estamos no final do longo
ciclo que começou em 1945, impregnando a economia com dívidas. Não vamos poder
sair dele até se perdoem as dívidas. Mas isso é o que o FMI acredita que é
impensável. Eles não pode dizer isso, porque devem supostamente representar os
interesses dos bancos. Então, tudo o que o FMI pode dizer é para aceitarmos o
fato de que os bancos não irão ganhar dinheiro mesmo se houver uma recuperação.
Mas, não há realmente uma recuperação e não
há sinais dela no horizonte, porque as pessoas têm de pagar os bancos. É um
círculo vicioso – ou melhor, uma espiral descendente. Basicamente, os economistas do FMI estão apenas levantando suas mãos e
admitindo que não sabem o que fazer, tendo em conta os limites de sua visão limitada.
BROWN: Bem, Michael, nos ajude a entender por
que o crescimento tem sido tão fraco nos últimos oito ou seis anos.
HUDSON: Se você tomar o orçamento familiar
médio – e eu disse isso no seu programa muitas vezes –, vamos ver isso através
dos números. Se você tem que pagar cerca de quarenta a quarenta e três por
cento de sua renda para a habitação; se você também tem que pagar quinze por
cento de seu salário, retido na fonte, para a Segurança Social; se você tem que
pagar os cuidados médicos; se você tem que pagar sua dívida de cartão de
crédito; empréstimos estudantis com os bancos... Então, você só tem cerca de
vinte e cinco ou trinta e cinco por cento, talvez um terço de seu salário, para
comprar bens e serviços. Isso é tudo.
O problema aqui é que a maneira de se
conseguir um emprego é com uma empresa que vende bens e serviços. Mas, as
empresas não estão contratando ninguém porque os consumidores não têm dinheiro
suficiente para comprar os produtos e serviços.
Estamos em uma dívida-deflaçã crônica. Não há como recuperar, a não ser que você perdoe
as dívidas. E isso é o que o FMI basicamente está querendo dizendo (e foi
explícito em relação à Grécia), mas não está proferindo porque não é algo que
possa ser dito em tão boa companhia...
BROWN: Michael, a manchete do MarketWatch
sobre este relatório do FMI diz: "Esqueça dos ‘muito grandes para falir’ (‘too
big to fail’). O que realmente preocupa são os bancos ‘muito fracos para
sobreviver’ (‘too weak to survive’)." Se os grandes bancos quase quebraram
o sistema financeiro global, seriam os bancos mais fracos realmente melhores
para os consumidores?
HUDSON: Bancos que são muito reservados e
fazem o que os bancos costumavam fazer (antes que o Presidente Clinton aboliu a
lei Glass-Steagall em 1999), pequenos bancos que emprestam aos consumidores,
estão bem. A maioria dos bancos – como o Deutsche Bank, na parte superior do
espectro – decidiu que não pode mais fazer dinheiro emprestando para consumidores;
então, eles vão para o segundo plano de negócios: eles emprestam dinheiro aos ‘capitalistas
de cassino’, ou seja, para pessoas que querem ‘jogar com derivativos’.
Um derivativo é uma aposta em se uma ação, ou
um título ou um ativo imobiliário vai subir ou vai cair. Há um vencedor e um
perdedor. É como apostar numa corrida de cavalos.
O maior banco emprestando para apostas – não
para a produção real, não para investimento, mas apenas para apostas – foi o próprio
Deutsche Bank. Os jogadores emprestaram do Deutsche Bank para apostar!
E qual é a melhor jogada do mundo, neste
momento? É apostar que o estoque do
Deutsche Bank vai cair. Os apostadores de curto prazo pegaram dinheiro
emprestado de seus bancos para fazer apostas de que o Deutsche Bank vai cair.
Agora, esse banco está torcendo suas mãos e dizendo: "Oh, os especuladores
estão nos matando." Mas, o Deutsche Bank e os outros bancos estão
fornecendo o dinheiro no crediário para os especuladores apostarem!
BROWN: Michael, o relatório do FMI diz que,
na Zona do Euro, se os governos da pudessem ajudar os bancos a se livrar de
seus maus empréstimos, haveria um efeito positivo sobre o capital do banco.
Qual seria o efeito sobre os consumidores na economia da UE, em geral, se os
bancos fossem capazes de se livrar desses maus empréstimos?
HUDSON: Trata-se realmente de matemática
muito simples. Você tem que abolir a planos de pensão. Você tem que abolir as
despesas sociais. Você tem que aumentar os impostos. Você tem que fazer pelo
menos cinquenta por cento da população europeia emigrar, para a Rússia ou para a
China. Você teria que ter fome em massa. Muito simples. Esse é o preço que a Zona
do Euro acha que vale a pena pagar. É o preço que pensou que a Grécia deveria
pagar. Para salvar os bancos, é preciso transformar toda a Zona do Euro numa Grécia.
Você vai ter que ter os governos a vender
todos os seus domínios públicos; vender suas ferrovias, vender a terra pública.
Essencialmente, você terá de introduzir o neo-feudalismo. Você terá que rolar o
relógio da história de volta mil anos e reduzir a população europeia à
escravidão da dívida. É uma solução tão simples como a Zona do Euro impôs-se na
Grécia. E é uma solução que os líderes e os bancos estão pedindo para os
economistas responsáveis promoverem para a população em geral.
BROWN: Vamos falar sobre a outra pequena
pepita de informação liberada pelo FMI sobre a dívida. A dívida global atingiu
cerca de 152 trilhões de dólares. Isso inclui a dívida pública, a dívida do
agregado familiar, a dívida das empresas não-financeiras. O que toda essa
dívida significa para o sistema financeiro global e para as pessoas comuns,
Michael?
HUDSON: Significa que a única maneira que as
pessoas podem pagar a dívida é baixando seus padrões de vida drasticamente.
Significa concordar em mudar seus planos de pensão de "planos de benefício
definidos" – quando você sabe o que você vai obter – para apenas
"planos de contribuição definida" – onde você coloca dinheiro, como por
exemplo em um motel de baratas, e não sabe o que vai retirar.
Para salvar os bancos de perdas que varreriam
o seu patrimônio líquido, você terá que livrar-se da Segurança Social. Significa que você terá essencialmente que abolir
o governo e entregá-lo para o sistema bancário dirigir, com a ideia de que o
papel dos governos é extrair renda da economia para pagar para os
obrigacionistas [detentores de títulos de obrigações] e os bancos.
Quando dizem "pagar os bancos," o
que eles realmente querem dizer é pagar os detentores de títulos do banco. Eles
são basicamente o Um por Cento. O que realmente se está vendo agora no
relatório do FMI, nesse crescimento da dívida, é que o Um por Cento da
população possui talvez três quartos de toda esta dívida! Isto significa que há
uma escolha: ou salvamos a economia, ou salvamos o Um por Cento de perder um
único centavo...
Todos os governos, desde a administração de
Obama até Angela Merkel, a Zona do Euro e o FMI, prometem salvar os bancos, não
a economia. Nenhum preço é demasiado
alto a pagar para tentar fazer com que o sistema financeiro continue um pouco
mais. Mas, em última instância, esse sistema não pode ser salvo por causa da ‘matemática’
que está envolvida. As dívidas crescem e crescem. E quanto mais elas crescem,
mais elas encolhem a economia. Quando você encolhe a economia, você reduz a
capacidade de pagar as dívidas. Então, é tudo uma ilusão que o sistema pode ser
salvo. A questão é: quanto tempo as pessoas vão estar dispostos a viver nesta
ilusão?
BROWN: Era minha próxima pergunta para você.
Não só quanto tempo são as pessoas vão poder viver nesta ilusão, mas por quanto
mais tempo é esta ilusão, na verdade, sustentável, antes de vermos o outro
colapso das economias ao redor do mundo? Será que isso é algo que é iminente,
que nós deveríamos estar esperando acontecer, nós deveríamos estar nos
preparando para isso?
HUDSON: Estamos ainda no colapso que
começou depois de 2008. Não há um novo colapso – não houve uma recuperação. Os
salários para os noventa e nove por cento caíram, constantemente, desde 2008.
Eles foram para baixo especialmente para a camada dos vinte e cinco por cento mais
pobres da população. Isto significa que os salários foram para baixo
especialmente para os negros, os hispânicos e outros trabalhadores de colarinho
azul. Seu patrimônio líquido, na verdade se tornou negativo, e eles não têm
dinheiro suficiente para sobreviver.
Na verdade, um das grandes firmas de
consultoria acaba de fazer um estudo sobre a geração do novo milênio
[‘millenials’]. A firma Ernst e Young fez um estudo e descobriu que setenta e
oito por cento dos ‘millennials’ estão preocupados por não terem oportunidades
suficientes de trabalho bem pago para pagar seus empréstimos estudantis!
Setenta e quatro por cento não pode pagar os cuidados de saúde em caso de
doença. Setenta e nove por cento não tem dinheiro suficiente para viver ao se
aposentar. Então, já temos toda uma geração que está vindo, não só aqui, mas
também na Europa, que não é capaz de conseguir empregos bem pagos. A única
maneira que esses jovens têm de viver a vida que lhe foi prometida é se tiverem
pais ricos o suficiente que lhes deem um fundo fiduciário.
BROWN: Nós estamos conversando com Michael
Hudson. Michael é um eminente professor-pesquisador do Departamento de Economia
da Universidade do Missouri, Kansas City. Seu livro mais recente é Matar o Anfitrião:
como parasitas financeiros e submissão à dívida destroem a economia global.
Michael, você disse que tinha outro livro a sair, certo?
HUDSON: Sim, ainda este mês. O título é J
é para Economia Junk [lixo]. E é uma avaliação de por que os economistas
prometem que de alguma forma vamos recuperar, por que basicamente a economia é
lixo e, por fim, por que, para ser um economista nos dias de hoje, você tem que
participar desse conto de fadas que diz que, de alguma forma, podemos recuperar
e ainda enriquecer os bancos. E é um conto de fadas. J é para economia Junk
é sobre por que não vai funcionar.
BROWN: Vai chegar a uma livraria, perto de
você, ainda este ano. Michael, nós lhe agradecemos por ceder seu tempo e
experiência para nós, como sempre. Obrigado.
HUDSON: Foi bom estar aqui.
BROWN: E obrigado por
assistir The Real News Network.
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