Infelizmente, mais um golpe contra a democracia aconteceu na América Latina - desta vez no Paraguai... Veja abaixo o que o analista politico Nil Nikandrov, escrevendo para a Voltaire Network, tem a dizer sobre isso:
O golpe cuidadosamente planejado no Paraguai
por Nil Nikandrov
Sob a vigia de Obama, Fernando Lugo é o segundo presidente da esquerda latino-americana a ser
deposto do cargo em um cenário orquestrado por seus adversários políticos e
amigos muito próximos dos EEUU. Nil
Nikandrov prevê que este padrão de golpes de estado constitucionais "suaves"
contra líderes desafiantes – testado com sucesso pelos EEUU em Honduras e,
agora, no Paraguai – será amplamente replicado em outros países nos próximos
anos. A interferência insidiosa nos assuntos internos da região pelo tio Sam
não vai ser relegada logo para a pilha de cinzas da história.
Voltaire Network | 28 junho 2012
O Presidente
Fernando Lugo disse, na sexta-feira, 15 de junho, que ele aceita a decisão do
Senado paraguaio de derrubá-lo depois de um processo de cassação super-rápido,
em que a lei foi "torcida como um frágil galho ao vento." Não é Fernando
Lugo, mas "a Democracia paraguaia que foi profundamente ferida".
A operação
lançada pelo Departamento de Estado dos EUA e a CIA com o objetivo de deslocar
o primeiro Presidente esquerdista do Paraguai, Fernando Lugo, entrou em sua
fase final no dia 16 de junho, quando as forças policiais foram enviadas para
expulsar os posseiros da fazenda Morumbí, no distrito de Curuguaty, perto da
fronteira com o Brasil. Essa propriedade é conhecida por pertencer ao
empresário paraguaio e político Blas Riquelme. Ao chegar ao local, a polícia
inesperadamente se viu sob um tiroteio profissional com rifles de calibre alto
o suficiente para perfurar cinturões à prova de balas. O chefe de uma unidade
de polícia de operações especiais (GEO) e seu vice foram mortos a tiros, e a
polícia, para a qual instruções haviam sido emitidas para evitar o uso da força,
foi deixada sem outra escolha mas retornar o fogo. Como resultado, onze civis
foram derrubados e dezenas feridos.
O incidente
sangrento em Curuguaty imediatamente obteve resposta do poder legislativo
paraguaio, com os deputados e senadores, principalmente os representantes dos
partidos da direita-centrista, afirmando que o Presidente Lugo havia perdido
seu domínio sobre a situação sendo incapaz de governar o país. Mesmo o Partido
Liberal, que confirmou a candidatura de Lugo nas eleições de 2008,
distanciou-se do seu antigo protegido. Em geral, Lugo enfrentou um impeachment
que ele descreveu como "golpe expresso" do Parlamento.
Os conselheiros
legais de Lugo praticamente não tiveram tempo para preparar sua defesa frente
ao Parlamento, mas, na verdade, ficou claro que os críticos do Presidente não
tinham intenção de mergulhar em detalhes e que o veredito do Senado foi uma
conclusão previamente tomada. Toda a operação que levou ao deslocamento de Lugo
foi cuidadosamente planejada a fim de descartar um inquérito parlamentar
imparcial e foi implementada como uma pressão ofensiva. Sem dúvida, parte da
motivação por trás dessa pressa foi depor Lugo antes que os parceiros do
Paraguai na UNASUL pudessem se organizar para consultas e decidir sobre um
conjunto de medidas em seu apoio.
A vitória deve
ter sido fácil para os coordenadores do enredo na Embaixada dos EUA em
Assunção. É verdade que a Presidência de Lugo era um tanto quanto nominal desde
que o Parlamento, a polícia e o exército no Paraguai estavam do lado da
oposição. Tendo prosperado sob financiamento da USAID durante décadas, um grupo
de ONGs estava preparado para organizar protestos em massa se o plano anti-Lugo
falhasse, mas não foi preciso e – com excessão do número de mortes em Curuguaty
– a derrubada do presidente legítimo no Paraguai merece ser enumerada como um
caso exemplar no registro da comunidade de inteligência dos EEUU.
Uma equipe de
emissários da UNASUL, chefiada pelo Secretário Geral da organização,
venezuelano Alí Rodríguez Araque, visitou o Paraguai, reuniu-se com Lugo e com
uma delegação parlamentar e testemunhou o procedimento de impeachment, mas foi incapaz de redirecionar os desenvolvimentos.
Os senadores paraguaios mostraram pouca consideração para com os visitantes, para
não dizer que foram abertamente hostis. Lugo, deve ser observado, mostrou uma
total falta de vontade para enfrentar o desafio – ao contrário de sua promessa
inicial para se defender nas audições parlamentares, ele simplesmente as assistiu
na TV de sua residência. Citando seu compromisso com a lei, o Presidente sendo
ejetado irregularmente aceitou a decisão de cassação (à qual apenas quatro
senadores disseram Não). A inação de Lugo
pode ser atribuída em grande parte ao fato de ele não ter nenhuma influência
sob as circunstâncias: ao longo dos três anos da sua Presidência, ele não
conseguiu construir uma base de apoio popular e, mesmo quando a pressão
aumentou, não teve nenhuma facção própria ou um movimento populista para
apoiá-lo. Protestos de
rua demonstrando suporte para Lugo irromperam incoerentemente no dia do impeachment mas foram dispersados pela
polícia que usou máquinas de água, gás lacrimogêneo e balas de borracha contra
a multidão.
Federico Franco
imediatamente empossado como Presidente.
Horacio
Cortes, favorito dos EEUU nas eleições de 2013.
O vice-Presidente
paraguaio Federico Franco, que foi empossado sem demora assim que Lugo foi deposto,
ocupará o cargo até que o mandato do presidente deposto se expire em agosto de
2013. As eleições ocorrerão no mesmo mês, e Washington abertamente favorece o
líder do Partido Colorado Horacio Cartes, um empresário que, de acordo com a
ABC Color, a DEA (Drug Enforcement Administration) dos EEUU por algum tempo suspeitou
de lavagem de dinheiro e de cumplicidade com os cartéis de droga. A torção na
reputação de Cartes é revelada em alguns dos cabos expostos pelo WikiLeaks, e
as chances são de que as agências dos EUA montaram tal arsenal de relatórios
implicando Cartes que Washington não teria nenhuma dificuldade em mantê-lo –
como a alguns presidentes latino-americanos – sob estreito controle.
Enquanto o
mandato inacabado de Lugo foi marcado pela tendência lenta do Paraguai em
direção a regimes populistas na América Latina, o golpe da direita-conservadora
promete que o país se submitirá totalmente aos ditames dos EEUU. A agenda no
horizonte provável inclui esforços para desestabilizar a UNASUL, formando, no
seio da Aliança, um bloco de dissidentes para equilibrar as influências do
Brasil, da Venezuela e do Equador. Pode-se presumir também que um novo sopro de
vida vai ser dado ao outro projeto de Washington – uma aliança de algum tipo novo
entre Chile, Peru, Colômbia e México – para enfraquecer o Brasil
internacionalmente.
O Secretário Geral
da UNASUL, Alí Rodríguez Araque, disse que a demissão de Lugo foi
inconstitucional e foi equivalente a um golpe disfarçado, e salientou ainda que
muitos dos governos latino-americanos iriam negar reconhecimento a Franco.
Presidente Dilma Roussef citou as cartas da UNASUL e MERCOSUL para sugerir a expulsão
do Paraguai desses grupos devido à violação das normas democráticas. Cristina
Kirchner da Argentina também opinou que sanções contra o Paraguai seriam
apropriadas. Ela descreveu a evolução no país como um golpe e mencionou no
contexto as tentativas de golpe de estado contra R. Correa e Evo Morales, e o golpe
que depôs M. Zelaya em Honduras. A líder argentina declarou firmemente que tais
fenômenos não democráticos são inaceitáveis para a região e que medidas seriam
tomadas em consonância com as decisões
a serem tomadas pelo MERCOSUL. O Presidente equatoriano R. Correa expressou apoio à
chamada de D. Roussef para colocar a funcionar as disposições da carta da UNASUL
que garantem diversas formas de pressão – não-reconhecimento dos governos
correspondentes, exclusão dos países culpados de conduta anti-democrática da
Aliança e o fechamento de fronteiras – como punição para os golpistas. Hugo
Chávez da Venezuela e Daniel Ortega da Nicarágua contribuiram com declarações
semelhantes sobre o assunto.
Perspectivas de
uma investigação séria sobre o tiroteio no Paraguai são sombrias. O
derramamento de sangue ajudou os adversários de F. Lugo dando credibilidade à
sua lista de queixas, enquanto a maioria dos observadores da América Latina reconhece
paralelos entre o recente drama paraguaio e o tiroteio na ponte Llaguno em
Caracas em abril de 2002. Neste último
caso, atiradores dispararam aleatoriamente em manifestantes contra-Chavez, em partidários
de Chávez, e em quem quer que estivesse passando. O incidente foi atribuído às
forças sob o comando de Chávez, mas circunstâncias curiosas surgiram mais
tarde: por exemplo, um correspondente da CNN conseguiu gravar uma entrevista
com os oficiais do exército que se opunham a Chavez os quais, como
verificou-se, estavam cientes do ataque planejado de atiradores e das mortes
iminentes.
Blas Riquelme,
proprietário da terra onde confrontos armados provavelmente encenados ocorreram
em 15 de junho, envolvendo forças policiais, atiradores de elite e
"campesinos" sem-terra, deixando 17 pessoas mortas.
Várias versões
do tiroteio de Curuguaty são encontradas na web. Uma possível explicação é a de
que a responsabilidade recai sobre Blas Riquelme, que teria contratado os atiradores
através de suas conexões com o exército; mas, no entanto, ainda não está claro
por que os atiradores dispararam contra a polícia. Uma versão alternativa é que
o episódio teria sido uma provocação encenada pelo Exército do Povo Paraguaio,
um grupo clandestino supostamente forjado pela polícia para combater
extremistas. Esta origem hipotética pode ser a razão por que tal exército sobrevive
apesar do intenso trabalho realizado no Paraguai por especialistas em anti-terrorismo
convidados dos Estados Unidos e Colômbia.
Alvarado Godoy
escreveu no site intitulado Descubriendo
Verdades (Descobrindo Verdades) que o episódio inteiro havia sido "montado",
essencialmente um show seguindo um determinado modelo. Ele alega ter
informações de que a operação envolveu comandos da marinha dos EEUU que estiveram
no Paraguai para treinar soldados do país (Fusna). O enredo não soa exótico
considerando quão frequentemente cidadãos americanos são apanhados com rifles atiradores
por toda a América Latina, como recentemente na Argentina e na Bolívia. A CIA, a
DEA e a Agência de Inteligência de Defesa dos EEUU rotineiramente contratam
empreiteiros para executar operações secretas com uso de armas de fogo.
A simples
previsão é que o padrão testado com sucesso pelos Estados Unidos em Honduras
e no Paraguai –
o deslocamento pseudo-constitutional de líderes desafiadores – será amplamente
replicado na América Latina nos próximos anos. Ainda, Washington seria ingênuo em
acreditar que a violência associada a essa estratégia pode ser contida. Em
Honduras, o governo fantoche de P. Lobo se agarra ao poder ao custo de uma
campanha de terror que já tomou centenas de vidas de políticos progressistas, jornalistas, ativistas sindicalistas,
estudantes e líderes indígenas, e isto quase certamente é o que o futuro
reserva para o Paraguai.
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