Se
procurarmos artigos sobre o recente golpe de estado no Paraguai, não vamos
achar muitos – com exceção do Correio da Cidadania, que publicou diversos
artigos sobre o assunto (veja aqui
e aqui),
e da Rede Brasil Atual (veja aqui,
aqui
e aqui).
Por isso, resolvi publicar também esta tradução do
artigo escrito por Bill Van Auken, do World Socialist Web Site.
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Presidente do
Paraguai deposto em golpe parlamentar
Por Bill Van
Auken, World Socialist Web Site: http://www.wsws.org/articles/2012/jun2012/lugo-j25.shtml, 25 de junho de 2012
Governos latino-americanos denunciaram
o ultra-rápido impeachment do Presidente do Paraguai Fernando Lugo como tendo
sido golpe de Estado parlamentar e ataque a um governo constitucional no
continente.
Lugo foi indiciado pela Câmara de
Deputados paraguaia e julgado pelo Senado, em um processo absurdo que durou
quase 30 horas. A Câmara votou por unanimidade a favor das acusações, enquanto
no final da noite de sexta-feira, 22 de junho, o Senado considerou o Presidente
culpado por votação de 39 a quatro, significativamente superior à maioria de
dois terços necessária nos termos da Constituição paraguaia para derrubar um
presidente.
Lugo se juntou uma pequena demonstração
nas primeiras horas da manhã de domingo, do lado de fora de uma estação de
televisão pública, para denunciar sua cassação como um "golpe de estado
contra a cidadania e a democracia."
Imediatamente após a votação do
impeachment, milhares de camponeses bloquearam estradas e manifestantes confrontaram
a polícia que usou balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água na
Plaza de Armas de Assunção. O próprio Presidente, no entanto, não ofereceu
nenhuma resistência à sua remoção do posto, nem apelou para qualquer
resistência popular.
Em vez disso, Lugo declarou sua "submisão"
à decisão de cassação, declarando que ele sempre "atuou no âmbito da
lei", embora a lei tenha sido "torcida" para removê-lo do cargo.
Ele exortou seus partidários a realizar apenas a manifestação
"pacífica", e elogiou as forças armadas por suas contribuições para
"a consolidação da democracia."
Imediatamente, os comandantes das
forças armadas, que tinham mobilizado forças para apoiar o golpe de Estado
parlamentar, endossaram o golpe e congregaram-se ao lado de Franco quando ele
vestiu a faixa Presidencial.
A principal acusação contra Lugo foi um
"fraco desempenho" em relação a um despejo forçado em 15 de junho de
camponeses sem-terra que ocupavam terras pertencentes a Blas Riquelme, um rico
empresário e fazendeiro, que também foi uma figura de liderança no Partido Colorado,
de direita, que, antes da eleição de Lugo, tinha governado o país por seis
décadas.
A expulsão de cca de 100 famílias da propriedade
em Curuguaty, no Paraguai Oriental, perto da fronteira brasileira, levou a um
massacre no qual morreram 11 camponeses e seis policiais. Testemunhas relataram
que o banho de sangue começou quando atiradores abriram fogo contra os
camponeses quando seus líderes estavam negociando com um comandante de polícia.
O governo de Lugo respondeu enviando o
exército à área para impor a ordem. Nove camponeses, um de apenas 15 anos de
idade, foram presos e acusados de assassinato.
Enquanto Lugo requereu uma investigação
sobre o massacre, oferecendo entregar as provas para a própria polícia-se bem
como para o Partido Colorado, ou seja, os responsáveis pelos assassinatos, seus
adversários de direita colocaram a proposta de lado, movendo-se para acusar o
Presidente em vez disso.
A acusação contra Lugo baseou-se não na
sua responsabilidade pelo assassinato de camponeses, mas sim no seu suposto
fracasso em usar força suficiente para derrotá-los enquanto empregando retórica
populista vazia que despertou expectativas entre as camadas mais oprimidas do
país.
Eleito em 2008, o triunfo de Lugo foi
relatado geralmente como outro exemplo doa chamada "virada à
esquerda" da América Latina. Um ex-bispo católico, que abraçara a teologia
da libertação e a identificação da Igreja com os pobres, Lugo ganhou o posto
como o candidato da Aliança Patriótica para a Mudança (APC), uma coalizão
apoiada por vários sindicatos e grupos de camponeses e comunitários, mas
dominada politicamente pela centro-direita Partido Radical Liberal Autêntico,
que forneceu o candidato à vice-presidência de Lugo, Federico Franco.
Várias tendências daquilo que se passa como
sendo a "esquerda" paraguaia promoveram a concepção de que a mudança
social poderia ser conseguida com uma aliança com as "seções progressivas
da burguesia", e o próprio Lugo procurou se apresentar como um homem de
"centro", alegando que ele estava criando um caminho entre aqueles de
Hugo Chávez da Venezuela e do ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da
Silva.
No impeachment de sexta-feira, realizado
apenas nove meses das eleições regulares, os Liberais votaram a favor do golpe
de Estado constitucional, catapultando seu homem Franco no palácio
presidencial.
Enquanto Lugo tomou posse prometendo
realizar a reforma agrária, seu governo havia feito quase nada para alterar a
distribuição de terras que é a mais desigual do continente. Cerca de 2 por
cento da população, dominada por latifundistas imensamente ricos,
controla mais de 77% das terras aráveis do país, enquanto os pequenos
agricultores, que compõem 40 por cento da população, possue apenas 5 por cento.
A desigualdade no meio rural foi
vastamente aumentada sob a ditadura de 35 anos de Alfredo Stroessner, cujo
governo recompensou partidários com grandes extensões de terras expropriadas de
camponeses que as tinham cultivado. O crescimento da produção de soja, dominado
pelo agronegócio brasileiro, que ocupa uma área substancial do território
paraguaio na região da fronteira oriental do país, tem agravado ainda mais essa
situação.
Apesar de Lugo não ter efetuado
qualquer reforma considerável da terra, nem protegido camponeses e pequenos
agricultores da violência rotineiramente usada por grandes proprietários e
forças de estado contra eles, a oligarquia reacionária do Paraguai e os seus
representantes nos partidos Colorado e Liberal culparam sua eleição de elevar
as expectativas da população rural pobre do país, que, em muitos casos, ocupava
terra ilegitimamente apropriada pelos ricos e politicamente conectados na vã
esperança de que o governo iria intervir em seu favor.
As acusações de impeachment contra Lugo
incluíram a declaração: "O constante confronto e luta de classes sociais,
que, como resultado final, desncadeou o massacre de compatriotas, é um acontecimento
sem precedentes nos anais da história, desde nossa independência até
hoje."
Acusações adicionais foram levantadas
por Lugo ter permitido uma conferência denominada " Juventude Latino-Americana
pela Mudança" a ser realizada em uma base militar e pela sua assinatura em
um tratado regional — um documento aparentemente inócuo afirmando respeito
pelos princípios democráticos — sem aprovação parlamentar.
A expulsão de Lugo fomentou severos
protestos por parte de vários países da América Latina. "Sem dúvida houve
um golpe de estado no Paraguai," declarou a presidente Cristina Fernández
Kirchner da Argentina. "É inaceitável". A Argentina retirou seu
embaixador do país. Denúncias semelhantes foram feitas por Equador,
Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Cuba. Mesmo o governo de direita no Chile foi
compelido a criticar a expulsão de Lugo, com o Ministro dos negócios
estrangeiros do país, Alfredo Moreno, afirmando que o impeachment apressado
"não cumpriu os requisitos mínimos para este tipo de procedimento."
A reação do governo brasileiro da
Presidente Dilma Rousseff estará entre aquelas mais cuidadosamente observadas,
dado o controle exercido pelo capital brasileiro sobre grande parte da economia
paraguaia. Isso inclui sua propriedade conjunta com o Paraguai da barragem de
Itaipu — um dos maiores projetos hidrelétricos do mundo — que atravessa a fronteira
entre os dois países.
"O governo brasileiro condena a rápida
cassação do Presidente do Paraguai decidida em 22 de junho, em que o direito de
se defender não foi devidamente garantido," disse um comunicado emitido
pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do país. O Brasil apontou que sanções
poderiam ser consideradas dentro do bloco de comércio do Mercosul e chamou de
volta seu embaixador para consultas, mas não seguiu o exemplo da Argentina em
romper as relações diplomáticas. Uma das principais organizações representando
os brasileiros no Paraguai, incluindo aqueles controlando terras paraguaias, solicitou
de Brasília o reconhecimento de Franco como novo Presidente do país.
Em contraste com as condenações de
governos latino-americanos, a administração de Obama emitiu declarações
expressando não ter nenhuma opinião direta sobre o golpe de impeachment, mas
avisando o povo paraguaio contra a resistência. O Departamento de Estado pediu "a
todos os paraguaios para agirem pacificamente, com calma e responsabilidade."
Existem muitas semelhanças entre a
expulsão de Lugo no Paraguai e o golpe de Estado realizado apenas há três anos
em Honduras contra o Presidente Manuel Zelaya, com apoio de Washington. Em
ambos os países, a derrubada foi realizada através de manobras parlamentares,
dirigidas por políticos de direita que anteriormente, os dois presidentes
tinham abraçado como aliados.
Além disso, em ambos os países, a
remoção do Presidente foi realizada com o apoio dos comandos militares com
laços profundos com o Pentágono. No Paraguai, estes datam da ditadura de
Stroessner, que, através de décadas de assassinatos, tortura e repressão,
manteve o apoio das cinco administrações dos EEUU para a força anti-comunista
do ditador, vigorosamente declarada.
Mais recentemente, a administração de
Obama mais do que duplicou a ajuda dos EEUU para as forças de segurança do país
no ano passado, aumentada de 3,90 milhões para $8,20 milhões sob a bandeira da
"guerra contra as drogas".
A figura principal do movimento de
impeachment contra Lugo foi o senador do Partido Colorado e declarado candidato
presidencial Horacio Cartes. Um cabo confidencial do Departamento de Estado dos
EEUU, publicado pelo WikiLeaks identificou Cartes e seu Banco Amambay como
responsável por "80 por cento da lavagem de capitais no Paraguai" em
nome dos traficantes de drogas.